Acórdão nº 0807840-61.2023.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 07-08-2023

Data de Julgamento07 Agosto 2023
ÓrgãoSeção de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0807840-61.2023.8.14.0000
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
AssuntoTrancamento

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) - 0807840-61.2023.8.14.0000

PACIENTE: ZHOU AILI, ZHANG FEIFAN

AUTORIDADE COATORA: JUIZO DE DIREITO DA VARA DE CRIME CONTRA O CONSUMIDOR E A ORDEM TRIBUTÁRIA

RELATOR(A): Desembargador RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

EMENTA

HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 0807840-61.2023.8.14.0000

IMPETRANTE: LUIZ CARLOS PINA MANGAS JÚNIOR.

PACIENTES: ZHOU AILI e ZHANG FEIFAN.

AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR E A ORDEM TRIBUTÁRIA.

PROCURADOR DE JUSTIÇA: CLÁUDIO BEZERRA DE MELO.

RELATOR: DESEMBARGADOR RÔMULO NUNES.

EMENTA: HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIMES TIPIFICADOS NO ARTIGO 1º, INCISOS I E II, C/C ARTIGO 11, AMBOS DA LEI Nº 8.137/1990 C/C ARTIGOS 71 E 91, INCISO I, DO CP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NARRAÇÃO DE FATO ATÍPICO. PROCEDÊNCIA. PACIENTES QUE EXERCEM FUNÇÃO DE PROCURADORES COM PODERES PARA ADMINISTRAR EMPRESA ACUSADA DE FRAUDE FISCAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE POR SI SÓ NÃO IMPLICA EM RESPONSABILIDADE CRIMINAL PELA PRÁTICA DE DELITOS DESSA NATUREZA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE A SER REPARADO PELA EXCLUSÃO DA DENÚNCIA, APENAS EM RELAÇÃO AOS PACIENTES ZHOU AILI E ZHANG FEIFAN POR NÃO EXIGIR APROFUNDADO EXAME DE PROVAS NO CASO EM QUESTÃO. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.

1. Os pacientes foram denunciados pela prática de crime contra a ordem tributária pelo simples fato de serem procuradores que detinham poderes para administrar empresa acusada de fraude fiscal. Todavia, essa circunstância não é suficiente para imputar-lhes a responsabilidade criminal, devendo o Ministério Público descrever, ainda que suscintamente, de que forma os coactos concorreram para o crime, uma vez que o mero fato de exercer a função de procurador da sociedade empresária, não implica em automática responsabilidade criminal, motivo pelo qual a denúncia narra fato manifestamente atípico, constatável sem a necessidade de exame profundo de provas, impondo-se o trancamento da ação penal em relação aos pacientes Zhou Aili e Zhang Feifan, face o manifesto constrangimento ilegal. Precedente do Superior Tribunal de Justiça;

2. Ordem conhecida e concedida. Decisão unânime.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Seção de Direito Penal, por unanimidade, em conhecer e conceder a Ordem impetrada para trancar a ação penal, tudo na conformidade do voto do relator. Julgamento presidido pela Excelentíssima Desembargadora Eva do Amaral Coelho.

Belém. (PA), 07 de agosto de 2023.

Desembargador RÔMULO NUNES

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus para Trancamento de Ação Penal, impetrado em favor dos pacientes ZHOU AILI e ZHANG FEIFAN, acusados pela prática dos crimes tipificados no artigo 1º, incisos I e II, c/c artigo 11, ambos da Lei nº 8.137/1990 c/c artigos 71 e 91, inciso I, do CP, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 13ª Vara Criminal da Comarca de Belém.

A presente impetração tem por escopo o trancamento da ação penal nº 0010201-84.2019.8.14.0401, instauradas em desfavor dos ora pacientes, denunciados por terem cometido, em tese, crimes contra a ordem tributária, na condição de procuradores com amplos poderes administrativos, porém não exclusivos, sobre o contribuinte H Z Y IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, o qual tem como sócio-proprietário e administrador o corréu Zhang Youngming.

Esclarece o impetrante que, em 02/04/2007 o denunciado Zhang Yougming outorgou, por meio de procuração pública, poderes para a denunciada Zhou Aili administrar a sociedade, porém, não exclusivamente a ela, tanto que, a partir de então, ambos passaram a praticar em conjunto os atos da sociedade. Em 24/02/2011, o denunciado Zhang Youngming outorgou, novamente por meio de procuração pública, poderes ao terceiro denunciado Zhang Feifan para administrar a sociedade (não com exclusividade), sem revogar, no entanto, os poderes anteriormente concedidos a Zhou Aili. Os três, a partir dessa data, passaram a ter poderes administrativos sobre a sociedade e o contribuinte, ressaltando-se que nenhuma das duas procurações já mencionadas foram revogadas estando em pleno vigor em 2013, 2014 e 2015, período esses em que foram praticados os delitos em questão. Em 05/06/2015 o sócio administrador Zhang Youngming outorgou poderes administrativos da sociedade ao sócio não administrador Xulei Zhuang (que ingressara na sociedade em 07/12/2011, em lugar da sócia não administradora Zhang Congcong), além de manter expressamente os poderes administrativos de Zhou Aili e Zhang Feifan (que já tinha poderes administrativos anteriormente concedidos, por meio de procuração pública, como já ressaltado, não tendo havido qualquer hiato nesses poderes até 2015). Portanto, a partir de 05/06/2015 os quatro denunciados passaram a ser os administradores do contribuinte em questão. Entre janeiro de 2013 e maio de 2015, os três primeiros denunciados eram os administradores, como já explicado. Ao último denunciado são atribuíveis, portanto, somente os delitos praticados de junho a setembro de 2015.

Afirma ainda, que os coactos estão sofrendo constrangimento ilegal face a inépcia da exordial acusatória, tendo em vista que a imputação fora fundamentada exclusivamente na existência de procurações outorgadas aos pacientes, não havendo descrição mínima da suposta conduta criminosa. Ressalta que o juízo coator designou o dia 31/05/2023, para audiência de instrução e julgamento no processo nº 0010201-84.2019.8.14.0401. Por fim, requer a concessão da liminar, a fim de que a ação penal seja suspensa até o julgamento do mérito do presente writ.

A medida liminar foi indeferida (Doc. Id. nº 14132546 - páginas 1 e 2), as informações foram prestadas e anexadas ao feito (Doc. Id. nº 14203163 - páginas 1 a 5). O Parquet opinou pelo conhecimento e concessão da Ordem (Doc. Id. nº 14486317 - páginas 1 a 8).

É o relatório.

VOTO

Depreende-se da denúncia, que ZHANG YONGMING na qualidade de representante, administrador, controlador e responsável tributário, e ZHOU AILI, ZHANG FEIFAN e XULEI ZHUANG com amplos poderes administrativos em relação a H Z Y IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, contribuinte infrator, de janeiro/2013 a setembro/2015 praticaram a conduta de utilizar “[…] crédito indevido inexistente destacado em documento fiscal que não corresponde a uma efetiva operação de circulação de mercadorias […] para abater ou compensar mensalmente dos valores a recolher, considerando o princípio da individualidade dos estabelecimentos e que não existiu compensação real fiscal ou econômica em conta corrente fiscal dos créditos ora atribuídos indevidamente, gerando saldos credores fictícios.”, conforme apurado no Auto de Infração e Notificação Fiscal (AINF) nº 012015510015192-9.

Descreve também a denúncia, que ZHANG YONGMING na qualidade de representante, administrador, controlador e responsável tributário, e ZHOU AILI e ZHANG FEIFAN com amplos poderes administrativos em relação a H Z Y IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, contribuinte infrator, em janeiro/2013 os acusados deixaram de “[…] recolher ICMS relativo a operação, por ter utilizado crédito indevido de ICMS, proveniente das compras para comercialização registradas na DIEF de janeiro/2013. […]”, conforme apurado no AINF nº 012013510012118-9.

Eis a suma dos fatos.

DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

O trancamento de uma ação penal acontece quando a ilegalidade estiver patente, cristalina, insofismável, seja na ausência de materialidade ou de indícios de autoria, pois, caso contrário, estar-se-ia cerceando o direito-dever do Estado em apurar a verdade real dos fatos e punir os autores de infrações penais, hipóteses que não ocorreram no caso dos pacientes.

Medida excepcional, portanto, devendo prosseguir quando houver elementos probatórios mínimos que possam sustentar a acusação, a qual deverá ser provada no curso da instrução processual com a observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, ou seja, garantindo-se ao acusado o mais amplo meio de provar sua inocência.

O artigo 41 do CPP estabelece os requisitos básicos para a elaboração da peça inicial acusatória: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Inicialmente, esclareça-se que os coactos não integram o quadro social da empresa, mas, sim, ocupam a função de administradores,...

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