Acórdão nº 0810306-28.2023.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 11-12-2023

Data de Julgamento11 Dezembro 2023
Órgão1ª Turma de Direito Público
Ano2024
Número do processo0810306-28.2023.8.14.0000
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
AssuntoAntecipação de Tutela / Tutela Específica

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0810306-28.2023.8.14.0000

AGRAVANTE: EQUATORIAL PARA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A

AGRAVADO: ELSA MARIA FOCHESATTO DE LIMA

RELATOR(A): Desembargadora ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. CORTE DE ÁRVORES. POSSIBILIDADE. DECRETO FEDERAL Nº 35.851/1954. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA LIMINAR DEFERIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I – A servidão administrativa se baseia no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e afeta o caráter exclusivo da propriedade, uma vez que impõe ao proprietário o dever de suportar a utilização do bem pelo poder público, independentemente de sua concordância;

II – In casu, o MM. Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Medicilândia, nos autos da Ação de Obrigação de Não Fazer c/c Danos Morais ajuizada por Elsa Maria Fochesatto de Lima em desfavor da empresa Equatorial Pará Distribuidora de Energia S/A, deferiu pedido de liminar, determinando que a agravante se abstivesse de cortar pés de cacau ou plantações de girassol no âmbito da propriedade da autora da ação;

III - Compulsando os autos, constata-se que a área onde se localiza a propriedade da agravada se encontra inserida em uma faixa de servidão administrativa para Redes e Linhas de Distribuição de Energia Elétrica e que a agravante possui uma Licença de Operação autorizando o funcionamento do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica na referida área, documento expedido pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará;

IV – É assegurado à concessionária de serviço público o direito de podar ou cortar quaisquer árvores dentro da faixa de servidão que ameacem as linhas de transmissão ou distribuição de energia elétrica, nos termos do art. 3º, § 2º, do Decreto Federal nº 35.851/1954;

V - Analisando a documentação acostada ao processo pela agravada, verifica-se que não é possível auferir que a agravante teria cortado pés de cacau ou plantações de girassol na propriedade da agravada de maneira indevida, sem que existisse qualquer risco as linhas de transmissão que atravessam a referida propriedade;

VI – Recurso conhecido e provido, para revogar a decisão agravada, tornando sem efeito a liminar deferida pelo Juízo Monocrático.

Vistos, etc,

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sessão de Plenário Virtual da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, realizada no período de 11 a 18 de dezembro de 2023.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Recurso de Agravo de Instrumento com Pedido de Efeito Suspensivo interposto por Equatorial Pará Distribuidora de Energia S/A em face da decisão interlocutória proferida pelo MM. Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Medicilândia nos autos da Ação de Obrigação de Não Fazer c/c Danos Morais (nº 0800317-73.2023.8.14.0072) ajuizada por Elsa Maria Fochesatto de Lima em desfavor da ora agravante.

O Juízo Monocrático proferiu a seguinte decisão que originou a interposição do presente agravo:

“(...)

Ante a presença dos pressupostos autorizadores (fumus boni iuris e periculum in mora) e por inexistir risco de irreversibilidade inversa, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR para determinar à Requerida que se abstenha de cortar pés de cacau ou plantações de girassol no âmbito da propriedade da Requerente (Sitio Mananciais, localizada na Rodovia BR 230, Km 86 faixa, Zona Rural, Medicilândia -Pará), até ulterior deliberação desse juízo, sob pena de multa no valor de e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a ser revertida em favor da parte autora, observado o disposto no artigo 537 do Código de Processo Civil.

(...)”

Nas razões recursais (Num. 14835960 - Pág. 1/17), a patrona da agravante narrou que a agravada ajuizou a ação supramencionada arguindo que a recorrente realizou uma vistoria em sua propriedade, denominada Sítio Mananciais, e que técnicos da agravante teriam cortado indevidamente 1.080 (mil e oitenta) pés de cacau da referida propriedade, além de cortarem a plantação de girassol e várias árvores frutíferas.

Salientou que a agravada aduziu que todas as árvores foram cortadas sem a sua anuência e que estas não comprometiam a rede de energia, tendo a autoridade de 1º grau proferido a decisão ora agravada.

Sustentou, inicialmente, que a decisão recorrida foi pautada em razões genéricas, visto que o Juízo a quo deferiu o pedido de tutela de urgência sem existirem provas robustas aptas a comprovar as alegações da agravada.

Ressaltou que o que ocorreu, de fato, foi uma supressão da área da propriedade da agravada, de forma mecanizada, entre os dias 7 e 10 de março do ano em curso, a qual se fazia necessária, visto que a vegetação estava alta.

Asseverou que a referida área está localizada entre as estruturas 177 e 178 da Linha Brasil Novo – Medicilândia e que a agravante possui licença ambiental para supressão de vegetação no município de Medicilândia, especificamente para limpeza da faixa de servidão da referida linha.

Esclareceu que os pés de cacau, além de outras árvores encontradas na área, crescem e trazem riscos à rede elétrica.

Arguiu que inexistem motivos para a determinação de inversão do ônus da prova no caso dos autos.

Aduziu, em síntese, a ausência dos requisitos autorizadores para a concessão da medida liminar em favor da agravada.

Ao final, pugnou pela concessão de efeito suspensivo à decisão agravada, e, no mérito, pleiteou pelo provimento do recurso, com a reforma da decisão proferida pelo Juízo Monocrático.

O recurso foi distribuído à relatoria minha relatoria e, através da decisão de ID 15564519 - Pág. 1/4, deferi o pedido de efeito suspensivo e requisitei as informações necessárias do Juízo Monocrático.

Determinei, ainda, a intimação da agravada para, querendo, apresentar contrarrazões ao recurso e que os autos, posteriormente, fossem encaminhados para manifestação do Órgão Ministerial.

A agravada apresentou contrarrazões ao recurso, pugnando, em resumo, pelo improvimento do agravo interposto por Equatorial Pará Distribuidora de Energia S/A (Num. 15862712 - Pág. 1/4).

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Waldir Macieira da Costa Filho, exarou parecer no caso dos autos, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso (Num. 15993221 - Pág. 1/10).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. DESA. ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Presentes os pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o presente recurso.

MÉRITO

A míngua de questões preliminares, atenho-me ao exame do mérito do presente recurso.

O presente recurso tem por finalidade a reforma da decisão interlocutória proferida pelo MM. Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Medicilândia, que, nos autos da Ação de Obrigação de Não Fazer c/c Danos Morais ajuizada por Elsa Maria Fochesatto de Lima em desfavor da empresa Equatorial Pará Distribuidora de Energia S/A, deferiu pedido de liminar, determinando que a agravante se abstivesse de cortar pés de cacau ou plantações de girassol no âmbito da propriedade da autora da ação.

Acerca de servidão administrativa, destaco, inicialmente, que o jurista Matheus Carvalho leciona o seguinte:

“Define-se servidão administrativa como uma restrição imposta pelo ente estatal a bens privados, determinando que seu proprietário suporte utilização do imóvel pelo Estado, o qual deverá usar a propriedade de forma a garantir o interesse público. Desse modo, o bem poderá ser utilizado para a prestação de um determinado serviço público (a execução de uma obra, por exemplo), sempre com a intenção de satisfazer necessidades coletivas” (CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Ed. JusPodivm. Bahia. 2016).

Destarte, a servidão se baseia no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e afeta o caráter exclusivo da propriedade, uma vez que impõe ao proprietário o dever de suportar a utilização do bem pelo poder público, independentemente de sua concordância.

Segundo ensinamentos de Hely Lopes Meirelles "a servidão administrativa é ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular, a fim de assegurar a realização e manutenção de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário." (in "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 27ª ed., 2002, p. 593).

Importante ressaltar, ainda, que a respeito do instituto da servidão administrativa para fins de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, o Decreto Federal nº 35.851/1954, regulamentando o art. 151, c, do Código das Águas (Decreto Federal no 24.643/1934), prevê o seguinte a respeito da poda de árvores e demais atos de conservação das faixas de servidão:

"Art. 3º Os proprietários das áreas atingidas pelo ônus limitarão o uso do gozo das mesmas ao que for compatível com a existência a servidão, abstendo-se, em consequência, de praticar, dentro delas, quaisquer atos que a embarcarem ou lhe causem dano, incluídos entre os de erguerem construções ou fazerem plantações de elevado porte.

§ 1º A administração, ao expedir o decreto de servidão, poderá vedar que tais construções ou plantações se façam em uma faixa paralela à área da servidão, estabelecendo-lhe os respectivos limites.

§ 2º Aos concessionários é assegurado o direito de mandar podar ou cortar quaisquer árvores, que, dentro da área da servidão ou na faixa paralela à mesma, ameacem as linhas de transmissão ou distribuição."

Da leitura do transcrito dispositivo legal, se constata que é assegurado à concessionária de serviço público o direito de podar ou cortar quaisquer árvores dentro da faixa de servidão que ameacem as linhas de transmissão...

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