Acórdão nº 0810356-88.2022.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 14-02-2023
Data de Julgamento | 14 Fevereiro 2023 |
Classe processual | DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO |
Ano | 2023 |
Número do processo | 0810356-88.2022.8.14.0000 |
Assunto | Homicídio qualificado |
Órgão | Seção de Direito Penal |
DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO (432) - 0810356-88.2022.8.14.0000
REQUERENTE: MARCOS PAULO DE SOUZA BORGES, RONALDO DA SILVA ANDRADE
REQUERIDO: JUIZO DA VARA UNICA DE CONCORDIA DO PARÁ
FISCAL DA LEI: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA
EMENTA
PEDIDO DE DESAFORAMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. DÚVIDA FUNDADA SOBRE A IMPARCIALIDADE DOS JURADOS. NECESSIDADE DE GARANTIR-SE A ORDEM PÚBLICA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE AUTORIZAM A MEDIDA EXCEPCIONAL. CONCORDÂNCIA DO JUÍZO COMPETENTE COM MANIFESTAÇÃO FAVORÁVEL DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 427 DO CPP. PEDIDO DEFERIDO. DECISÃO UNÂNIME.
1. A circunstância do pleito da defesa de solicitar o desaforamento local, com a concordância do Juízo e do Parquet, apontando não só a comoção que o crime causou na comunidade local, como também a ausência de estrutura do Poder judiciário, bem como as precárias instalações do Fórum da Comarca temendo pela parcialidade dos jurados, é fato apto a configurar dúvida fundada sobre a imparcialidade dos jurados, justificando o desaforamento do processo. Precedentes STJ.
2. Pedido indeferido. Decisão unânime.
Vistos etc.
Acordam Excelentíssimos Desembargadores componentes da Egrégia Seção de Direito Penal, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de desaforamento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.
Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, iniciada aos catorze dias e finalizada aos vinte e quatro dias do mês de fevereiro de 2023.
Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Eva do Amaral Coelho.
Belém/PA, 14 de fevereiro de 2023.
Desa. VÂNIA LÚCIA SILVEIRA
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de Pedido de DESAFORAMENTO formulado pela defesa constituída do réu, MARCOS PAULO DE SOUZA BORGES, nos autos da Ação Penal n.º 0000641-02.2020.8.14.0105, o qual foi pronunciado como incurso nas sanções punitivas do art. 121, § 2°, II e IV, do CPB em relação ao delito praticado contra a vítima, Elailson Brito Perdigão.
Narra a exordial acusatória, de acordo com a sentença de pronúncia, que a seguir transcrevo: “(...) em 18 de fevereiro de 2020, por volta das 07h30min, na Rua Chico Anísio, Bairro Vila Nova, em frente à Escola Deputado Ulysses Guimarães, nesta comarca, os denunciados MARCOS PAULO DE SOUZA BORGES e RONALDO DA SILVA ANDRADE mataram ELAILSON BRITO PERDIGÃO com disparos de arma de fogo. Na data acima mencionada, a vítima se encontrava conduzindo seu veículo em direção à escola de seu filho, quando ao pará-lo, foi abordado por outro automóvel. Na ocasião, o denunciado RONALDO DA SILVA ANDRADE desferiu diversos disparos de arma de fogo em direção à vítima, causando-lhe a morte. Em investigações, a Polícia Civil concluiu, ao ter acesso à mensagens do aparelho telefônico de MARCOS PAULO DE SOUZA BORGES, que é vinculado ao Comando Vermelho, no bojo de investigação de tráfico de drogas na região, que este ordenou a morte da vítima. A própria vítima já havia buscado a autoridade policial informando que estava sendo ameaçada por MARCOS PAULO DE SOUZA. Os denunciados agiram impelidos por motivo fútil, haja vista que MARCOS PAULO é um dos Conselheiros do Comando Vermelho e RONALDO DA SILVA ANDRADE é Torre do Comando Vermelho e, com o objetivo de firmar a posição desta Facção na cidade, orquestraram diversos homicídios, dentre eles o da vítima ELAILSON BRITO PERDIGÃO. Além disso, o homicídio foi com meio de impossibilitou a defesa da vítima, já que foi surpreendida com diversos tiros (...)”.
Ao ID 11909775, pugna o Requerente pelo desaforamento do Júri Popular a ocorrer na Vara Única da Comarca de Breu Branco/PA, para que a sessão ocorra na Comarca de Belém/PA, pois, segundo ele, certamente existem possibilidades de comprometer a imparcialidade do feito, as diretrizes legais e o senso de estrita justiça motivos mencionados no art. 427, parte final, do CPP.
Sustenta a defesa do requerente que o caso teve grande repercussão social, ferindo a ordem pública afetando a paz e tranquilidade social. Acrescenta que o Fórum da Comarca de Concórdia não possui condições de instalações físicas para a realização de julgamento do Tribunal do Júri.
Diante do acima exposto, pugna no mérito, que seja dado provimento ao pedido determinando-se que o julgamento do requerente ocorra na Comarca de Belém/Pa.
O Magistrado de Concórdia do Pará/PA em manifestação (ID 10400505) dos autos manifestou-se pelo deferimento do pleito.
O feito foi distribuído a Exma. Desemb. Maria de Nazaré Gouveia, que arguiu a prevenção em meu favor, a qual acolhi.
Nesta Superior Instância, o Procurador de Justiça, Cláudio Bezerra de Melo, opinou pelo indeferimento do pedido de desaforamento formulado pelo denunciado.
Determinei a remessa dos autos ao Ministério Público de 1ª Grau, que manifestou-se pelo deferimento do pedido de desaforamento (ID 12286293).
Remetidos os autos novamente à douta Procuradoria de Justiça, houve a ratificação pelo indeferimento do pedido de desaforamento.
É o relatório.
VOTO
Analisando os presentes autos, verifico que os argumentos trazidos pelo requerente merecem ser acolhidos, conforme abaixo se demonstra.
Como cediço, o desaforamento é ato excepcional, que repercute na atuação das partes devido à mudança de local do julgamento para outra comarca. Desse modo, não basta a simples alegação de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados, da segurança do réu, da repercussão do crime na sociedade local e da invocação do interesse da ordem pública, sendo necessário a presença de elementos convincentes e que tenha base legal, sob pena de violação ao Princípio do Juiz Natural.
Nesse sentido, oportuna a lição do processualista Eduardo Spínola Filho, verbis:
“No sistema do novo Código, o desaforamento pode se impor à vista do fundado receio de que o julgamento, no lugar, acarretará desordem pública; ou de que, aí, venham a faltar, a despeito das melhores precauções, garantias para a integridade física do ou dos réus; ou, finalmente, quando o crime tenha de tal modo desequilibrado os sentimentos da população, provocando a paixão exaltada dos habitantes, em favor ou contra os acusados, que falte a segurança de que os seus concidadãos os julgarão com imparcialidade. A essas causas se junta a da demora do julgamento, para a qual não tenha concorrido o réu ou o seu defensor, desde que se não realize até um ano após o recebimento do libelo. (in Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, volume VI, Ed. Rio, pg 400/401).
Cumpre destacar, ainda, que o deferimento do desaforamento condiciona-se ao preenchimento de uma ou mais hipóteses previstas no art. 427 do CPP, que assim dispõe:
“Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.”
No caso dos autos, observo que os motivos deduzidos pelo requerente restaram comprovados, não obstante o crime em apuração ter gerado grande repercussão social naquela...
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