Acórdão Nº 0812555-50.2013.8.24.0023 do Sétima Câmara de Direito Civil, 12-11-2020

Número do processo0812555-50.2013.8.24.0023
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



Apelação Cível n. 0812555-50.2013.8.24.0023


Apelação Cível n. 0812555-50.2013.8.24.0023, da Capital

Relatora: Desembargadora Haidée Denise Grin

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE INSTRUMENTOS PÚBLICOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO AUTOR.

ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS DE POSSE E BENFEITORIAS SOBRE TERRENO LOCALIZADO NO BAIRRO INGLESES DO RIO VERMELHO DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC. DOIS RÉUS QUE, NO ANO DE 1999, CEDERAM DIREITOS POSSESSÓRIOS PARA O AUTOR E PARA A CORRÉ, À ÉPOCA CASADOS EM REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. DIREITOS QUE, EM VERDADE, JÁ HAVIAM SIDO TRANSMITIDOS, NO ANO DE 1996, DOS ACIONADOS PARA TERCEIROS E DESTES PARA O ACIONANTE, À ÉPOCA AINDA NÃO CASADO. NEGÓCIOS JURÍDICOS FORMALIZADOS POR CONTRATOS PARTICULARES QUE RESTARAM PERFECTIBILIZADOS, CONFORME NARRATIVA DAS PRÓPRIAS PARTES. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO OBJETO DA ESCRITURA PÚBLICA LITIGIOSA. SUPOSTOS CEDENTES QUE NÃO DETINHAM MAIS A POSSE SOBRE O IMÓVEL. INVIABILIDADE DE CESSÃO DE POSSE JÁ CEDIDA PARA OUTREM. NULIDADE DO INSTRUMENTO PÚBLICO. ART. 145, II, DO CC/16 (CORRESPONDENTE AO ART. 166, II, DO CC/02).

ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO. CORRÉ QUE DOOU AO AUTOR, NO ANO DE 2004, QUANDO AINDA CASADOS SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS, SUA SUPOSTA PARCELA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS SOBRE O IMÓVEL, ADQUIRINDO O USUFRUTO VITALÍCIO DO BEM. NULIDADE DA CESSÃO DE DIREITOS AOS NUBENTES QUE ENSEJA A NULIDADE DA DOAÇÃO REALIZADA ENTRE OS MESMOS. DECORRÊNCIA LÓGICA. CORRÉ QUE, EM VERDADE, NÃO POSSUÍA DIREITO POSSESSÓRIO ALGUM CAPAZ DE SER DOADO PARA O AUTOR. ADEMAIS, IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE USUFRUTO NA ESPÉCIE. DIREITO REAL SOBRE COISA ALHEIA QUE PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE DIREITO REAL DE PROPRIEDADE. ART. 1.225, IV, DO CC/02. CASO CONCRETO EM QUE NENHUMA DAS PARTES TITULARIZOU O DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE O BEM. MATÉRIA ESTRITAMENTE POSSESSÓRIA. INSTRUMENTO PÚBLICO QUE TAMBÉM DEVE SER DECLARADO NULO.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INVERSÃO EM DESFAVOR DOS RÉUS. EXIGIBILIDADE DAS VERBAS SUSPENSA EM RELAÇÃO A UMA DAS DEMANDADAS EM RAZÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA CONCEDIDA EM SEU FAVOR. ART. 98, § 3º, DO CPC.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA IMPUTADA AO AUTOR POR SUPOSTA ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA PENALIDADE. SUBSISTÊNCIA. NARRATIVA EXORDIAL CONSIDERADA VERÍDICA. HIPÓTESES DO ART. 80 DO CPC NÃO CONFIGURADAS. DECISUM MODIFICADO NO PONTO.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0812555-50.2013.8.24.0023, da comarca da Capital 3ª Vara Cível em que é Apelante Cassiano Juvêncio Marques e Apelados Aurélio João da Silva e Nelci Gonçalves da Silva e Dalva Maria Fernandes.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento virtual, realizado nesta data, foi presidido pelo Exma. Sra. Desa. Haidée Denise Grin(com voto), e dele participou o Exmo. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade e o Exmo. Des. Carlos Roberto da Silva.

Florianópolis, 12 de novembro de 2020.

Desembargadora Haidée Denise Grin

Relatora


RELATÓRIO

Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida (pp. 181-189), por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:

Trata-se de "Ação Ordinária Declaratória de Nulidade de Instrumento Público c/c Cancelamento do Registro Público c/c Extinção de Usufruto" ajuizada por Cassiano Juvêncio Marques contra Dalva Maria Fernandes, Aurélio João da Silva e Nelci Gonçalves da Sival, partes devidamente qualificadas.

O autor argumentou que, em 24.05.1996, o Sr. José Carlos Gonçalves e a respectiva esposa [terceiros em relação ao presente caderno processual] alienaram aos demandados Aurélio e Nelci um lote de 640,00m² com uma casa mista de alvenaria com 50,00m², localizada em Ingleses do Rio Vermelho, Florianópolis (SC), conforme indicação à página 24, e como preço, fixaram o importe de R$ 201.000,00.

Como forma de pagamento, os adquirentes entregaram um terreno com 192,00m², no qual foi edificada uma casa de alvenaria com 100,00m², e o saldo de R$ 3.500,00 foi adimplido por intermédio de uma cártula de cheque identificada na pactuação.

Para facilitar a compreensão, o primeiro imóvel é descrito como o terreno "A" e aquele dado em pagamento indicado como lote "X".

Em 16.07.1996, o Sr. José e esposa alienaram duas frações de outro bem - terreno "B" - descrito à p. 27, mediante "contrato particular de compra e venda com torna" ao autor, recebedores do imóvel "X" além de outros R$ 8.000,00.

Já em 17.07.1996, o autor, aos 74 anos de idade è época, casou-se com a demandada Dalva e deram início à vida comum neste último bem.

Por intermédio de Escritura de Cessão de Direitos de Posse e Benfeitorias, em 09.12.1999, os requeridos Aurélio e Nelci, qualificados como outorgantes cedentes, transmitiram ao requerente e esposa [primeira ré] os direitos de posse sobre este mesmo terreno "X".

Na sequência, agora em 21.05.2004, igualmente mediante Escritura Pública de Doação com Reserva de Usufruto Vitalício, a Sra. Dalva [primeira demandada] doou 50% da posse que detinha sobre o imóvel ao autor, momento no qual ela passou a constar como usufrutuária vitalícia.

Em 06.07.2012, houve a separação entre o autor e a requerida Dalva.

Desta feita, agora, o demandante questiona a regularidade da escritura pública de cessão de direitos de posse celebrada em 1999, afinal, considerando que os dois últimos demandados - Sr. Aurélio e Sra. Nelci - efetuaram a alienação do imóvel ao autor em 1996, não seria possível elaborar nova transferência três anos após. Esta segunda situação negocial é considerada nula pelo autor com fulcro no art. 166, inc. II, do Código Civil pois, em verdade, tratou-se de subterfúgio da primeira ré para obter 50% do citado bem.

Assim, requereu (i) a declaração de nulidade da Escritura Pública de Cessão de Direitos de Posse e Benfeitorias (doc. 2, fls. 19-20); de forma alternativa, com lastro no art. 145 do CC, (ii) a anulação negocial por dolo essencial perpetrado pela ré Dalva; ou, ainda, (iii) a extinção do usufruto vitalício instituído mediante escritura de doação (doc. 5, p. 29-32), conforme previsão do art. 1.410, inc. IV, do mesmo Diploma Legal, afinal, a primeira demandada nunca foi proprietária do bem por conta do regime de separação legal obrigatória.

Devidamente citados, os demandados Aurélio e Nelci apresentaram resposta na forma de contestação, imputando ao autor a iniciativa para a elaboração da escritura pública que ora se questiona. Naquela época, conforme indicação dos réus, o intuito do autor foi evadir-se do fisco e, por isso, não lhe sendo possível se valer agora da própria torpeza e anular a transferência. Situação que resultaria na improcedência dos pedidos inaugurais e consequente condenação do autor em litigância de má-fé.

A demandada Dalva, igualmente cientificada, contestou o feito (p. 58-63), na qual alegou que o terreno "X", pertencente aos demandados Aurélio e Nelci, foi permutado ao mesmo tempo com José (terceiro alheio à demanda) que, por sua vez, o permutou com o requerente. Suscitou a possibilidade deste terceiro não ter honrado com o compromisso firmado com o Sr. Aurélio e por isso os corréus mantiveram-se na posse e figuraram como cedentes na primeira escritura (doc. 2, p. 19-20).

No que tange à desconstituição da escritura pública que ora se discute, a requerida salientou que os direitos de posse transferidos naquele instrumento foram repassados por liberalidade do requerente, sem coação ou quaisquer vícios volitivos - o que deve ser estendido ao usufruto vitalício perfectibilizado na escritura de doação.

Houve réplica às pp. 83-92.

Na sequência, foi proferida sentença de improcedência dos pedidos vestibulares (pp. 93-102), a qual foi objeto aclaratórios rejeitados (p. 105).

Malcontente, o requerente interpôs recurso de apelação (pp. 108-125), na qual repisou os argumentos outrora proferidos.

Os demandados, por seu turno, apresentaram as respectivas contrarrazões (pp. 134-154).

O Benemérito Tribunal de Justiça catarinense, cassou o provimento outrora lançado pois aquém do postulado (citra petita) conforme páginas 157-180.

Após, vieram conclusos.

O Juiz de Direito Humberto Goulart da Silveira rejeitou os pedidos exordiais, constando do dispositivo do decisum:

Ante o exposto, com fulcro nos artigos 355, inc. I, e 487, inc. I, todos do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Cassiano Juvêncio Marques na presente "Ação Ordinária Declaratória de Nulidade de Instrumento Público c/c Cancelamento do Registro Público c/c Extinção de Usufruto" contra Dalva Maria Fernandes, Aurélio João da Silva e Nelci Gonçalves da Silva.

Configurado a litigância de má-fé por parte do requerente, o CONDENO ao pagamento do importe de 10 salários mínimos conforme previsão dos arts. 80, inc. I e II, e 81, § 2.º, do CPC - multa não afastada pela concessão da gratuidade da justiça conforme § 4.º do art. 98 do Mesmo Diploma.

Condeno, ainda, o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes estipulados no importe de R$ 4.000,00, cuja exigibilidade destes resta suspensa ante a gratuidade da justiça deferida ao requerente, atento aos artigos 85, §§ 2.º, 6.º e 8.º da Lei n. 13.105/2015.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (pp. 192-213). Reiterando a argumentação constante na peça vestibular, sustentou, em resumo: a) a nulidade da cessão de direitos de posse e benfeitorias firmada com os réus Aurélio e Nelci em 9-12-1999, por impossibilidade do objeto; e b) a nulidade da doação com reserva de usufruto firmada com a corré Dalva em 21-5-2004, seja em decorrência da nulidade do negócio jurídico...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT