Acórdão nº 0812874-17.2023.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 19-02-2024

Data de Julgamento19 Fevereiro 2024
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Ano2024
Número do processo0812874-17.2023.8.14.0000
Classe processualAGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL
AssuntoPena Privativa de Liberdade

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) - 0812874-17.2023.8.14.0000

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

AGRAVADO: RUTH GOMES COELHO

RELATOR(A): Desembargador RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

EMENTA

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DA NOTA TÉCNICA DESTA CORTE, QUE FIXA OS CRITÉRIOS PARA A APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA PARA AFASTAR O BENEFÍCIO. REQUISITOS DE IMPLEMENTAÇÃO NÃO PREENCHIDOS. APENADA QUE CUMPRE PENA POR CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. AFASTADA A CONCESSÃO DO REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. RECURSO PROVIDO.

I. Ausente qualquer ilegalidade na Nota Técnica estabelecida pela Portaria n° 001/2020-GABA/EP-RMB, que fixa critérios para a aplicação do regime semiaberto harmonizado, conforme recomendação 62 do CNJ. Preliminar rejeitada;

II. Considerando que a apenada cumpre pena por crime hediondo, torna-se inviável a concessão do benefício;

III. A aplicação do regime semiaberto harmonizado ocorre somente quando ausentes vagas disponíveis no Sistema Prisional, em estabelecimentos adequados. In casu, não restou demonstrada a inexistência ou superlotação de vagas no Sistema Penal de Santarém/PA;

IV. Agravo conhecido e provido.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Turma de Direito Penal, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, tudo na conformidade do voto do relator.

DES. RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto pelo Ministério Público do Estado do Pará, contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de Santarém/PA, que deferiu o pedido da apenada Ruth Gomes Coelho, para cumprimento de pena no regime semiaberto harmonizado.

Em sede de preliminar, o Ministério Público aduziu a ilegalidade da nota técnica do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Pará utilizada pelo magistrado para conceder o regime semiaberto harmonizado a apenada. Alega que a referida nota técnica não possui força normativa e está eivada de ilegalidade, pois amplia as hipóteses de cabimento do benefício, em desacordo com Resolução nº 412/2021 do CNJ, que disciplina o tema.

No mérito, assevera que o Complexo Penitenciário de Santarém possui capacidade para custodiar 369 (trezentos e sessenta e nove) internos em regime semiaberto, tendo ocupação efetiva de 330 (trezentos e trinta). Assim, conclui que não há superlotação carcerária que autorize a concessão do benefício em favor da apenada. Ainda alega que a agravada foi condenada por crime equiparado a hediondo, a saber, tráfico de drogas e associação para o tráfico, fato que impediria a aplicação do semiaberto harmonizado.

Ao final, requereu:

“a) Preliminarmente, seja reconhecida a ILEGALIDADE da Nota Técnica elaborada pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário – GMF para tratar do regime “semiaberto harmonizado”, uma vez que pretende inovar no ordenamento jurídico, a par da existência da Resolução nº 412/2021 já tratando do tema; b) No mérito, que seja reformada a decisão do juízo de 1º grau que concedeu o regime “semiaberto harmonizado” ao apenado, pois não há superlotação na Unidade Prisional dedicada ao regime que o justifique, bem como foi condenado pela prática de crime hediondo, retomando o cumprimento da pena na forma como estabelecida na lei; c) Que sejam enfrentadas todas as teses trazidas no presente recurso, como forma de prequestionamento para eventual interposição de recurso junto às Cortes Superiores.”

Em contrarrazões, a agravada requereu o conhecimento e improvimento do recurso interposto.

O juízo agravado manteve a decisão ora recorrida.

Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do agravo.

É o relatório. Inclua-se no plenário virtual.

VOTO

Estando preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

DA PRELIMINAR

Em sede de preliminar, o Ministério Público afirma que a Nota do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário desta Corte inovou a legislação ao criar hipótese de cabimento do regime semiaberto harmonizado não prevista na Lei e na Resolução 412 do CNJ.

Entretanto, a mencionada preliminar não merece acolhimento, pois a nota técnica deste Tribunal não afronta a Resolução 412/2021 do CNJ. Ao contrário, busca aperfeiçoar a implementação do regime semiaberto harmonizado, a exemplo do que foi feito em diversos entes federativos. Assim, inexiste violação ao sistema progressivo de pena, principalmente quando preenchidos os requisitos exigidos pela Súmula Vinculante 56 do STF.

Desta forma, considerando o cenário de superlotação carcerária, o crime cometido, as características da casa prisional e o bom comportamento do apenado, pode o juiz aplicar o regime semiaberto harmonizado, viabilizando a prisão domiciliar ao detento, para facilitar o exercício do trabalho externo, com base no caráter ressocializador da pena.

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO CRIMINAL. REGIME SEMIABERTO. PROPOSTA DE TRABALHO EM COMARCA DIVERSA. RECOLHIMENTO AO CÁRCERE INCOMPATÍVEL COM A PROPOSTA DE TRABALHO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. TEMA 423 DE REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA. MONOCRATICAMENTE PARA RESTABELECER A DECISÃO DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL QUE CONCEDEU O REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. O Plenário da Corte, no julgamento do RE 641.320/RS, reconheceu a impossibilidade de haver excesso na execução penal e assentou o dever de o Estado-Juiz, em havendo déficit de vagas, adotar medidas alternativas, consentâneas com as particularidades do caso concreto, como (i) a saída antecipada de sentenciados em regimes menos graves ou mais antigos; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo, para aquele que progrediu ao regime aberto; (iv) ou mesmo a prisão domiciliar, até que haja estrutura para aplicação das demais providências. 3. No caso dos autos, o Juízo da Execução Penal deferiu o regime semiaberto harmonizado, consistente no recolhimento domiciliar com monitoramento eletrônico, a apenado que estava recolhido em estabelecimento prisional com déficit de vagas, tinha bom comportamento carcerário e apresentou proposta de trabalho em comarca diversa. A decisão está em perfeita harmonia com as diretrizes estabelecidas no processo-paradigma, personifica a execução penal e, nessa medida, melhor atende ao princípio constitucional da individualização da pena. 4. Agravo regimental desprovido. (HC 226342 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-09-2023 PUBLIC 04-09-2023)

Logo, rejeito a preliminar.

MÉRITO

No mérito, o agravante assevera que não há superlotação carcerária que autorize a concessão do benefício em favor da apenada. Alega que a agravada foi condenada por crime equiparado a hediondo, fato que impediria a aplicação do semiaberto harmonizado.

Assiste razão ao Ministério Público.

Com efeito, embora a referida nota técnica preveja a possibilidade de aplicação do regime harmonizado aos presos em regime semiaberto beneficiados pelo trabalho externo, nela também consta os critérios objetivos a serem cumpridos pelo apenado, dentre os quais não ter sido condenado por crime hediondo. Senão vejamos:

“HIPÓTESES DE CABIMENTO DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NA EXECUÇÃO PENAL. Conforme já mencionado na seção anterior, a Lei de Execução Penal dispõe em seu artigo 146-B que o juiz poderá definir a fiscalização, por meio da monitoração eletrônica, quando autorizar a salda temporária no regime semiaberto ou determinar a prisão domiciliar. A Lei Federal n. 12.258/2010, além de alterar a Lei de Execução Penal a possibilitando a utilização da monitoração eletrônica nos casos de saída temporária e prisão domiciliar, dispôs em seu artigo 3o que "o Poder Executivo regulamentará a implementação da monitoração eletrônica". Considerando a inexistência de regulamentação pela Corregedoria de Justiça, propomos a seguinte padronização de hipóteses de cabimento: a) Ausência de vagas no regime semiaberto b) Presos do regime semiaberto beneficiados pelo trabalho externo; Em ambas as hipóteses, a harmonização só se dará após a avaliação do interno por Comissão de Classificação Interna, que...

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