Acórdão Nº 0815952-38.2014.8.24.0038 do Quinta Turma de Recursos - Joinville, 21-06-2017

Número do processo0815952-38.2014.8.24.0038
Data21 Junho 2017
Tribunal de OrigemJoinville
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Quinta Turma de Recursos - Joinville

Apelação n. 0815952-38.2014.8.24.0038

ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Quinta Turma de Recursos - Joinville


Apelação n. 0815952-38.2014.8.24.0038, de Joinville

Relator: Juiz Yhon Tostes

APELAÇÃO CRIMINAL. DECISÃO REJEITANDO A DENÚNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CÓDIGO PENAL). INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE EM GRAU RECURSAL PUGNA PELA REJEIÇÃO DA EXORDIAL. SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DA INCOATIVA SOB PENA DE SUBVERSÃO DAS FUNÇÕES PROCESSUAIS E OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DESNECESSIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO DA CAUSA.

A persecução criminal e o poder punitivo do Estado-juiz só podem ser exercidos se houver pretensão acusatória linear e positiva, oportunidade em que só se analisa o mérito da ação penal se os representantes do Ministério Público que participaram do feito pugnaram pelo prosseguimento da lide e pela condenação do acusado (ius ut procedatur), sob pena de ofensa ao contraditório (CF, artigo 5º, inciso LV).

Caso se promova o regular trâmite do processo e se condene o réu sobre o qual não paira pretensão acusatória, estará o juiz usurpando o locus acusatório do Ministério Público, o que implicará, diante da anômala cumulação das funções acusatória e jurisdicional, em retrocesso ao modelo inquisitorial, conduta essa totalmente inaceitável diante dos direitos e garantias constitucionais que a todos deve interessar proteger e tutelar.

"Enfim, cabe ao juiz garantir direitos processuais, sem participação na gestão da prova ou em nome da ilusória verdade real. Diversos dispositivos do Código de Processo Penal não foram recepcionados pela CR/88 e várias leis posteriores que alteraram parcialmente suas disposições são inconstitucionais. Exemplificativamente indicam-se: (?) (d) condenar sem requerimento (CPP, art. 385); (?), dentre outros erros democráticos de quem, muitas vezes, fez o concurso errado e não entende que, ou se joga, ou se julga." (ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, 3ª edição revista, ampliada e atualizada, Florianópolis: Ed. Empório do Direito, 2016, p. 331).

O Ministério Público é órgão uno e indivisível (CF, art. 127, § 1º), destarte, sua condição de parte (player) permanece inalterada, tanto para quem exerce as funções em primeiro grau, como na fase recursal. Em havendo conflito de posições (dúvidas) acerca do processamento do feito e da pretensão acusatória, o caminho mais favorável ao denunciado é medida que se impõe.

RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0815952-38.2014.8.24.0038, da Comarca de Joinville (Juizado Especial Criminal), em que é recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e recorrido Antônio Carlos de Camargo:

A 5ª Turma de Recursos decidiu, por maioria, conhecer e negar provimento ao recurso, vencido o Juiz Gustavo Marcos de Farias, que votou pelo conhecimento e provimento do reclamo. Sem custas.

Participaram do julgamento, realizado no dia 21 de junho de 2017, os Exmos. Srs. Juízes Gustavo Marcos de Farias e Rafael Osório Cassiano.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Promotor de Justiça Ricardo Paladino.

Joinville, 22 de junho de 2017.



Yhon Tostes

PRESIDENTE E RELATOR





RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal aforada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, subscrita pelo Promotor de Justiça Dr. Max Zuffo, em razão de inconformismo com a r. decisão da lavra do Dr. Décio Menna Barreto de Araújo Filho (fls. 25/28), Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal e Delitos de Trânsito da Comarca de Joinville que, em sede da ação penal (rito sumaríssimo) nº 0815952-38.2014.8.24.0038, não recebeu a denúncia de fls. 22/23, subscrita pelo Promotor de Justiça Substituto Dr. Renato Maia de Faria.

Irresignado, o Ministério Público interpôs apelação criminal postulando, em síntese, a reforma da decisão de rejeição da denúncia para o regular processamento do feito (fls. 31/35).

A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, por intermédio do Defensor Público Dr. Caio Vilas Boas da Costa Pacheco, em contrarrazões, requereu a manutenção da decisão recorrida (fls. 50/56).

Com vistas do processado, o representante do Ministério Público Estadual em 2º grau, Dr. Nazareno Bez Batti, manifestou-se pelo improvimento do recurso (fls. 59/61).

É a síntese do necessário, apesar de dispensável o relato (art. 46 da Lei 9.099/95 e do art. 63, §1º, do Regimento Interno das Turmas de Recursos Cíveis e Criminais dos Juizados Especiais do Estado de Santa Catarina).




VOTO

Em que pese a existência de entendimentos doutrinários em sentido oposto (reconhecendo o sistema misto como o vigente), entendo que no Brasil vige o sistema processual acusatório (aplicado sob o enfoque constitucional), que não admite convergência das funções de acusar e julgar a um mesmo sujeito do processo.

Nessa toada, a função de acusar no sistema penal pátrio, quando se está diante de ação penal pública como a presente, pertence privativamente ao Ministério Público, nos termos do art. 129, I, da Constituição da República:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;"

Já ao acusado cabe se defender da forma mais ampla possível, manifestando-se sobre todos os atos praticados no processo, o que se vislumbra claramente pela redação do art. 5º, LV, da CRFB:

"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

Nada impede, contudo, que o Ministério Público, no curso da ação penal instaurada por sua iniciativa, mude sua opinião sobre a lide, passando a postular em benefício do acusado.

Diante da lide instaurada está o Juiz, a quem compete, de modo imparcial e equidistante das partes, julgar o conflito como órgão do Poder Judiciário, consoante disposição constitucional (CF, art. 2º; Art. 5º, XXXV; Art. 92).

Os ensinamentos de Renato Brasileiro de Lima1 sobre o sistema processual vigente no Brasil e a consequente separação das funções processuais não discrepam. Senão, vejamos:

"Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial, porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Todavia, com o advento da Constituição Federal, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório.

É bem verdade que não se trata de um sistema acusatório puro. De fato, há de se ter mente que o Código de Processo Penal tem nítida inspiração no modelo fascista italiano. Torna-se imperioso, portanto, que a legislação infraconstitucional seja relida diante da nova ordem constitucional. Dito de outro modo, não se pode admitir quer se procure delimitar o sistema brasileiro a partir do Código de Processo Penal. Pelo contrário. São as leis que devem ser interpretadas à luz dos direitos, garantias e princípios introduzidos pela Carta Constitucional de 1988."

A persecução criminal e o poder punitivo do Estado-juiz somente podem ser exercidos se houver pretensão acusatória linear e positiva, oportunidade em que só se analisa o mérito da ação penal se os representantes do Ministério Público que participaram do feito pugnaram pelo prosseguimento da lide e pela condenação do acusado (ius ut procedatur), sob pena de ofensa ao contraditório (CF, artigo 5º, inciso LV).

Caso se promova o regular trâmite do processo e se condene o réu sobre o qual não paira pretensão acusatória, estará o juiz usurpando o locus acusatório do Ministério Público, o que implicará, diante da anômala cumulação das funções acusatória e jurisdicional, em retrocesso ao modelo inquisitorial, conduta essa totalmente inaceitável diante dos direitos e garantias constitucionais que a todos deve interessar proteger e tutelar.

Neste caso telado, em 2º grau, o Ministério Público se manifestou expressamente pela manutenção da decisão de rejeição da denúncia, sob o entendimento da ausência de culpabilidade do denunciado (fls. 59/61). Com isso, restou cessada a pretensão acusatória, não podendo o Estado-juiz tomar outra decisão senão rejeitar a denúncia.

A respeito, não destoam os ensinamentos de Alexandre Morais da Rosa2:

"Anote-se que se o magistrado assume a...

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