Acórdão nº 0818502-16.2021.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 26-10-2023

Data de Julgamento26 Outubro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0818502-16.2021.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoCalúnia

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0818502-16.2021.8.14.0401

APELANTE: CLEDIVAN ALMEIDA FARIAS

APELADO: KAUAN LIMA E SILVA, MARCUS BORGES PIMENTA, DANILO MAGELA BARROS SOUSA

RELATOR(A): Desembargador PEDRO PINHEIRO SOTERO

EMENTA

EMENTA:

APELAÇÃO PENAL. QUEIXA-CRIME. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. RENÚNCIA AO DIREITO DE QUEIXA. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DE DELITOS AUTÔNOMOS. RETRATAÇÃO DOS OFENSORES. INEXISTÊNCIA. RETRATAÇÃO QUE NÃO SE MANIFESTOU CABAL, COMPLETA, DEFINITIVA E IRRESTRITA. ANIMUS CALUNIANDI E DIFFAMANDI. PRESENÇA. CONDUTA TÍPICA. INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Quando vários meios de comunicação desabonam a imagem de alguém, através da internet, por exemplo, cada um se valendo de um comentário, não se pode falar em coautoria ou participação, mas sim de várias infrações penais autônomas, não existindo a figura da renúncia tácita.

2. Não é possível o benefício que consta no art. 143, do CPB, quando a retratação não é efetiva e cabal, não é completa, definitiva e irrestrita.

3. Se não houve reconhecimento de um erro para posterior retratação, não há falar no instituto em questão.

4. Para a caracterização dos crimes contra a honra, é necessário a presença do dolo específico de ofender ou desabonar a honra da vítima, o que ocorreu no presente caso.

5. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados, discutidos estes autos, acordam, os (excelentíssimos Senhores Desembargadores, componentes desta Egrégia 3ª Turma De Direito Penal, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO DE CLEDIVAN ALMEIDA FARIAS, cassando a sentença anteriormente firmada, a fim de que os autos retornem ao juízo a quo, para que tome seu regular processamento, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Julgado em ambiente virtual em sessão de Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no período de ........... a ............... dias do mês de ................ de dois mil e vinte e três.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Pinheiro Sotero.

Belém, .... de ................... de 2023.

Des. PEDRO PINHEIRO SOTERO

Relator

RELATÓRIO

AUTOS DE APELAÇÃO PENAL

PROCESSO N.º 0818502-16.2021.8.14.0401

COMARCA DE ORIGEM: 8ª Vara Criminal da Comarca da Capital

ÓRGÃO JULGADOR: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL

APELANTE: CLEDIVAN ALMEIDA FARIAS

APELADOS: KAUAN LIMA E SILVA, MARCUS BORGES PIMENTA e DANILO MAGELA BARROS SOUSA

PROCURADOR DE JUSTIÇA: Ricardo Albuquerque da Silva

RELATOR: DES. PEDRO PINHEIRO SOTERO

REVISORA: DESA. EVA DO AMARAL COELHO

Cuidam os autos de recurso de apelação penal, interposto contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Penal da Capital, que absolveu sumariamente os recorridos Marcus Pimenta, Danilo Magela e Kauan Lima, dos crimes de calúnia e difamação, descritos respectivamente nos arts. 138 e 139, ambos do CPB.

Consta da exordial que no dia 01 de junho de 2021, entre 11h50 até as 15h15, o programa televisivo Balanço Geral, transmitido pela Rede Record Belém, teria, por intermédio de seus profissionais, Marcus Pimenta, Danilo Magela e Kauan Lima, caluniado e difamado a vítima Cledivan Almeida Farias, conhecido como Ximbinha.

Relata-se na inicial que o querelante passou a receber uma série de mensagens por WhatsApp e outras redes sociais, perguntando se estava tudo bem, uma vez que o apresentador Marcus Pimenta, assim como o repórter Danilo Magela, estariam divulgando a notícia de uma prisão com seu nome artístico, o acusando por tráfico e porte de armas de fogo, com o fundo musical da Banda Calypso, dando a entender que, de fato, se tratava do querelante.

Alega que teve trabalhos cancelados em decorrência dos fatos caluniosos e difamatórios proferidos, além do prejuízo financeiro e a mancha à sua reputação profissional. Infere que o pai do querelante ficou nervoso com a falsa notícia, o que ocasionou um desmaio e em razão disso, acabou machucando a perna. A mãe do querelante, por sua vez, teve alteração na pressão por conta das Fake News divulgadas, precisando ser imediatamente socorrida.

Assevera, o querelante, que vem sendo alvo de postagens vinculando sua imagem ao tráfico de drogas, além de não poder sequer sair às ruas para realizar qualquer atividade, posto que vem sendo questionado por populares se estava realmente preso.

Por essas razões, requereu a condenação dos querelados nas penas dos artigos 138 e 139 do CPB.

Em 15/02/2022, o juiz de primeiro grau marcou audiência de conciliação para o dia 02.06.2022, tendo restado infrutífera, ante o expresso desejo de não conciliar do querelante (Id 10762444, fl. 326).

O processo seguiu com a resposta à acusação dos querelados, conforme documento de Id 10762447, fls. 329 a 367.

A 7ª Promotoria de Justiça Criminal do Juízo Singular de Belém em 05.08.2022 manifestou-se tão somente sobre as preliminares arguidas pelos querelados, qual seja, a renúncia tácita da queixa, e a suposta retratação que teria ocorrido. Neste sentido entendeu o parquet não estar presentes as preliminares arguidas, não se manifestando sobre o mérito (Id 10762454, fls. 368 a 376).

A sentença foi proferida em 16.08.2022, conforme documento de Id 10762455, fls. 377 a 385, julgando improcedente o pedido contido na queixa crime, absolvendo sumariamente os réus Marcus Borges Pimenta, Danilo Magela Barros Sousa e Kauan Lima e Silva, por entender que as preliminares de renúncia tácita ao direito de queixa e retratação do ofendido estavam presentes, com fulcro no art. 397, III e IV, do CPPB.

O querelante ingressou com apelação (Id 11367957, fls. 392 a 411), alegando em síntese:

a) Ausência de renúncia ao direito de queixa por ser crimes autônomos e não haver liame subjetivo entre as condutas;

b) Ausência de retratação, por não ter sido efetiva e cabal;

c) Presença de dolo na conduta dos querelados a ensejar a condenação.

Em contrarrazões, os querelados pugnaram pelo desprovimento do recurso de apelação com a consequente manutenção da sentença penal que julgou improcedente a queixa-crime.

O Ministério Público de segundo grau, por intermédio do Procurado de Justiça, Dr. Ricardo Albuquerque da Silva, se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório. À revisão.

Belém, .... de ............... de 2023.

DES. PEDRO PINHEIRO SOTERO

Relator

VOTO

O recurso do apelante preenche os requisitos de admissibilidade, pois manejados contra sentença absolutória e interposto tempestivamente.

O recurso foi manejado contra sentença que identificou a absolvição sumária, com base no art. 397, III e IV, quais sejam:

· Quando o fato narrado evidentemente não constituir crime (art. 397, III, do CPPB).

· Quando extinta a punibilidade (art. 397, IV, do CPPB).

As duas primeiras teses que serão analisadas encontram-se no art. 397, IV, que de antemão entendo não assistir razão a sentença que as identificou.

Após, será analisada a hipótese do art. 397, III, do CPPB, quando o fato evidentemente não constituir crime, que entendo, igualmente, não assistir razão a sentença aplicada pelo magistrado a quo, como logo mais será explicado.

1. DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

1.1 DA RENÚNCIA TÁCITA AO DIREITO DE QUEIXA

No concernente a renúncia tácita ao direito de queixa, entendo que tal requisito deve ser afastado. Explico.

O juízo a quo em sua sentença asseverou que: A bem da verdade a ata notarial colaciona vários sites com links que já dão conta da confusão da notícia, não sendo possível pela análise documental precisar qual teria sido a sua fonte, o que os coloca na mesma condição dos querelados, uma vez que a responsabilidade se dá por todos os que veicularam a informação caluniosa ou difamatória. Discordo que a alegação de que seria “humanamente impossível” ao querelante processar todos os meios de comunicação, lhe dê o direito de escolher somente um deles, pois tendo conhecimento de outros deveria inclui-los na queixa, mas escolheu, ou optou, por não fazê-lo. Não se pode esquecer que a veiculação deu-se também por sites conhecidos nacionalmente e de amplo acesso pelos usuários de notícias. Violou-se, portanto, o princípio da indisponibilidade da ação penal, pois, tratando-se de ação penal privada, o oferecimento da queixa crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos configura clara transgressão à indivisibilidade exigida pelo art. 48 do CPP”.

Ao longo da incursão sobre as provas produzidas no processo, não é possível assegurar que houve uma opção do querelante em escolher o polo passivo da demanda.

Observa-se que foi colacionado na peça inicial diversos prints, de diferentes sites, nos quais foram trazidos conteúdos dando conta de que o querelante teria cometido crime de tráfico de drogas e porte ilegal de arma. Contudo, referidos prints são datados de horas posteriores ao feito pela RecordTv, de modo que assiste razão aos querelados quando informam que os demais veículos de comunicação postaram a notícia depois da emissora de televisão.

De igual modo é imperioso destacarmos que na Ação Privada, de fato, vige o Princípio da Indivisibilidade, que denota que embora o ofendido não seja obrigado a manejar qualquer ação, se assim desejar, deverá intentar contra todas as pessoas conhecidas que concorreram para a prática do delito imputado.

Desta feita, o supracitado princípio pressupõe a existência de coautoria ou participação na prática ilícita, o que não se verifica no caso em comento.

É possível observar que a matéria veiculada no jornalístico “Balanço Geral” não contou com o apoio ou foi compartilhado por nenhum outro veículo de comunicação, de modo que a emissão posterior por outros meios se deu de forma independente das demais opiniões, não se podendo aferir liame subjetivo entre os autores das manifestações subsequentemente proferidas.

Não há falar, portanto, em renúncia ao exercício de queixa, que seria estendida a...

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