Acórdão nº 0830614-26.2021.8.14.0301 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 22-08-2023

Data de Julgamento22 Agosto 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Número do processo0830614-26.2021.8.14.0301
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoErro Médico

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0830614-26.2021.8.14.0301

APELANTE: RENATA MARIA QUEIROZ PINHEIRO PENAFORT, HOSPITAL E MATERNIDADE SAUDE DA CRIANCA LTDA, PEDRO CELESTE NOLETO E SILVA, PRISCILA NEIVA NOLETO NOBRE

APELADO: PEDRO CELESTE NOLETO E SILVA, PRISCILA NEIVA NOLETO NOBRE, HOSPITAL E MATERNIDADE SAUDE DA CRIANCA LTDA, RENATA MARIA QUEIROZ PINHEIRO PENAFORT

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS POR ERRO MÉDICO. ESQUECIMENTO DE GAZE NO ABDÔMEN DA PACIENTE. AFASTADA A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ENTIDADE HOSPITALAR. AUSÊNCIA DE VÍNCULO ENTRE OS MÉDICOS REQUERIDOS E O NOSOCÔMIO. FALHA TÉCNICA RESTRITA AO PROFISSIONAL MÉDICO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS AO ÚNICO RÉU VENCEDOR. REGRA DA PROPORCIONALIDADE EM CASO DE PLURALIDADE DE RÉUS. MANTIDO O QUANTUM CONDENATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. MAJORADO O QUANTUM DE DANOS MATERIAIS. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO À UNANIMIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CIRURGIÕES OBSTETRAS. EVENTO DANOSO INCONTROVERSO. PREJUÍZOS CONFIGURADOS. RECURSO DOS MÉDICOS RÉUS CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE.

1. O erro médico ora debatido decorre estritamente de atos técnicos praticados pelos obstetras requeridos e, como eles não possuem qualquer vínculo de emprego ou subordinação com o nosocômio, a entidade hospitalar se exime da obrigação de indenizar a vítima pelo evento danoso, com fulcro no artigo 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor. Mantida a sentença que afastou a responsabilidade civil da maternidade.

2. Quanto aos honorários advocatícios a serem pagos pela autora ao hospital requerido, havendo pluralidade de réus, deve prevalecer a regra da proporcionalidade prevista no art. 87, §1° do CPC. Logo, a condenação em honorários sucumbenciais deve ser dividida proporcionalmente entre a quantidade de réus e não de forma individualizada. Alterado o decisum neste item.

3. No que se refere à condenação em danos morais, valorando-se as peculiaridades do caso concreto e os parâmetros adotados pela jurisprudência para a fixação de indenização em hipóteses similares, entende-se que o quantum de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) definido pelo juízo singular está de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando ainda a existência de responsabilidade de dois réus. Mantida a sentença neste capítulo.

4. Em relação ao quantum indenizatório de danos materiais, diante da ausência de comprovação nos autos de que a tabela de despesas realizadas pela parte autora está superdimensionada, não pode o juiz, a seu livre arbítrio, fixar quantia a este título. Desse modo, deve ser majorada a condenação em prejuízos materiais para o valor gasto e devidamente provado pela requerente. Reformada a decisão neste ponto.

5. Quanto às teses dos médicos obstetras referentes à desproporção entre a gravidade da culpa das partes e a extensão dos danos sofridos, entende-se que o esquecimento de uma compressa/gaze no abdômen de um paciente não pode ser considerado como mera intercorrência cirúrgica, pois não se pode confundir um risco cirúrgico previsível com um evento fortuito. Ademais, foi afastada a alegação de culpa concorrente da vítima, visto que a falha médica se configurou no ato da cesariana, o que, invariavelmente, levou a autora a ter que se submeter a uma nova cirurgia para retirada do corpo estranho.

6. Recurso de Apelação da parte autora conhecido e parcialmente provido à unanimidade. Recurso de Apelação dos médicos réus conhecido e desprovido à unanimidade.

ACORDAM os Excelentíssimos Desembargadores integrantes da 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação da parte autora da ação, bem como em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO à Apelação dos réus, nos termos do voto do Eminente Desembargador Relator.

RELATÓRIO

RELATÓRIO

Trata-se de dois recursos de apelação, um interposto pela autora, RENATA MARIA QUEIROZ PINHEIRO PENAFORT, e o outro pelos médicos requeridos, PEDRO CELESTE NOLETO E SILVA e PRISCILA NEIVA NOLETO NOBRE, insurgindo-se contra a sentença prolatada na AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, oposta pela parte requerente a fim de ver apurada a responsabilidade civil pelo erro médico cometido em decorrência do esquecimento de uma gaze/compressa dentro da paciente após cirurgia cesariana.

A autora também ingressou com a demanda em face do HOSPITAL MATERNIDADE SAÚDE DA CRIANÇA LTDA, contudo o nosocômio réu não interpôs apelação devido sua responsabilidade ter sido afastada pelo julgamento de mérito realizado em primeiro grau, cuja parte dispositiva do decisum foi proferida nos seguintes termos (ID 12837117):

DISPOSITIVO

Posto isto, Declaro existir, na terminologia de Giuseppe Chiovenda, o direito concreto alegado pelo autor, sendo, destarte, fundada a demanda, e, por isso, no concreto conceito de Piero Calamandrei e Francesco Carnelutti, existente a ação. Com adarga no escorço fático autuado, com broquel, demais na CF, CC, CPC e dispositivos condicentes:

1 – JULGO IMPROCEDENTES os pedidos da parte demandante em relação ao Hospital Maternidade Saúde da Criança, nos termos da fundamentação, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil/2015 e CONDENO a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, ora fixados em 10% sobre o valor da causa.

2 - JULGO PROCEDENTES os pedidos da autora com relação aos requeridos Pedro Celeste Noleto e Silva e Priscila Neiva Noleto Nobre, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil/2015, para:

a) CONDENAR os réus Pedro Celeste Noleto e Silva e Priscila Neiva Noleto Nobre solidariamente ao pagamento de Indenização por Danos Morais a autora no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com correção monetária da data do arbitramento (Súmula 362/STJ), e Juros de mora de 1% a partir da citação.

b) CONDENAR os réus Pedro Celeste Noleto e Silva e Priscila Neiva Noleto Nobre solidariamente ao pagamento de indenização por danos materiais a autora, relativo ao ressarcimento de parte das despesas médicas, no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos da fundamentação, com correção monetária da data do desembolso ou efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ), e Juros de mora de 1% a partir da citação.

c) CONDENO, ainda, os réus Pedro Celeste Noleto e Silva e Priscila Neiva Noleto Nobre ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, ora fixados em 10% sobre o valor da condenação. Nos termos do artigo 46, caput, da Lei estadual n. 8.328, de 29/12/2015, fica advertida a parte responsável de que, na hipótese de, havendo custas, não efetuar o pagamento delas no prazo legal, o respectivo crédito, além de encaminhado para inscrição em Dívida Ativa, sofrerá atualização monetária e incidência de outros encargos legais.

Inconformada com alguns capítulos da sentença, a Autora ingressou com apelação sob as teses abaixo:

a) Aduz a existência de responsabilidade do Hospital Saúde da Criança, pois, embora os médicos não tenham vínculo formal de subordinação com o estabelecimento, este teria assumido o risco da prestação do serviço nas suas dependências e sob sua vigilância. Logo, ela defende também a responsabilização do nosocômio por culpa in eligendo (escolha dos instrumentadores) e culpa in vigilando, visto que não houve fiscalização na atuação de toda a equipe, despontando o dever indenizatório pela prática do ato ilícito civil.

Dito isso, a Apelante busca o reconhecimento da responsabilidade civil hospitalar. Ademais, na hipótese de entendimento diverso, pede que a fixação dos honorários advocatícios incida sobre o valor da condenação e não sobre o valor da causa, segundo o art. 85, §2º do Código de Processo Civil (CPC).

b) Discorda ainda do quantum condenatório aplicado a título de danos morais, pois seria diminuto e incapaz de cumprir com sua função pedagógica diante da conduta negligente dos réus.

A Recorrente afirma ter suportado forte angústia, tristeza, indignação, repulsa e medo ao ter que se submeter à cirurgia de urgência para retirada da gaze esquecida em seu corpo. Informa que realizou em São Paulo o novo procedimento cirúrgico, tendo que deixar em Belém suas duas filhas menores, sendo uma delas, na época, com 09 (nove) meses de idade e ainda amamentando. Sustenta que, além dos riscos sofridos, perdeu parte de seu intestino e a operação resultou em dano estético, indisposição física e sentimentos negativos de vergonha, angústia e perda de autoestima.

Portanto, pleiteia a majoração da condenação em danos morais para o valor de R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais).

c) Quanto aos danos materiais, alega que o juízo a quo desprezou os gastos efetivamente comprovados, no valor de R$ 118.000,00 (cento e dezoito mil reais), fixando condenação menor de danos emergentes sob o fundamento, o qual a autora entende descabido, de que ela poderia ter feito a cirurgia reparatória em Belém.

A Apelante defende que não sentiu confiança no cirurgião gástrico local indicado pelo médico apelado. Assevera que “quem corre risco de morte e possui condições financeiras de contratar estabelecimentos e profissionais de referência na área de saúde, por mais caros que sejam, assim o faz, sem a menor hesitação, porque afinal de contas a vida humana não tem preço”.

Por essa razão, ela sustenta que houve sua “livre vontade” na escolha do cirurgião e consequentemente do estabelecimento hospitalar em que ele atua, porém alicerçada na notoriedade, na confiança e na comprovada qualificação técnica e aparelhamento dos contratados, o que não poderia ser arguido como forma de excluir ou minorar a responsabilidade civil dos causadores dos prejuízos.

Ao...

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