Acórdão nº 0871506-11.2020.8.14.0301 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma Recursal Permanente, 2023

Número do processo0871506-11.2020.8.14.0301
Ano2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
AssuntoResponsabilidade do Fornecedor
Órgão2ª Turma Recursal Permanente

RECURSO INOMINADO Nº 0871506-11.2020.8.14.0301

RECORRENTE: CAIXA DE PREVIDENCIA E ASSISTENCIA DOSSERVIDORES DA FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE

RECORRIDOS: RAIMUNDO PIEDADE DOS SANTOS E IRACI FERREIRA SANTOS

ORIGEM: 6ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE BELÉM

RELATORA: JUÍZA ANA LÚCIA BENTES LYNCH

EMENTA: RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE ADMINISTRADO POR ENTIDADES DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. SÚMULA 608 DO STJ. CANCELAMENTO DO PLANO DE SAÚDE POR ATRASO NO PAGAMENTO. INEXISTENCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E FEITA FORA DO PRAZO LEGAL. IRREGULARIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1.Trata-se de recurso inominado da reclamada contra sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos da parte autora na ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais.

2.Alega a parte Requerente que é aposentado e juntamente com sua esposa estavam inscritos no plano de saúde coletivo empresarial CAPESAÚDE.

3.Esclarece que sempre honrou com o pagamento do referido plano, todavia no ano de 2020, em razão da pandemia, do lockdown e por não ter acesso a rede de internet acabou pagando em atraso a mensalidade de março e abril de 2020, no entanto tal atraso não ultrapassou 60 dias.

4.Em razão disso, informa que sua esposa precisou de atendimento médico e para sua surpresa foram informados que haviam sido excluídos do plano de saúde, em razão da inadimplência.

5.Informa que a primeira notificação foi recebida em 26/05/2020, comunicando que em abril de 2020, haviam encaminhado notificação referente aos dias de atraso do mês de março e por isso teve seu plano cancelado a partir de 01/05/2020, todavia relata que nunca recebeu notificação prévia referente aos dias de atraso do mês de março.

6.Posteriormente, recebeu uma segunda notificação em 18/06/2020, a qual comunicava a ausência de desconto parcial ou total do CASPESESP na folha salarial de maio/2020.

7.Ao final, por não terem sidos notificados previamente sobre o atraso da mensalidade do mês de março de 2020 e tão somente do cancelamento do plano requereu a reinclusão ao plano, danos morais e materiais.

8.Tutela de urgência indeferida (id 6503678).

9.Devidamente citado, o requerido apresentou contestação.

10.O Juízo de origem proferiu sentença (id 6503686), nos seguintes termos: “ Ante o exposto julgo parcialmente procedente os pedidos contidos na inicial para CONDENAR a ré a: 1) reativar definitivamente o plano de saúde dos reclamantes, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de aplicação de multa diária a ser arbitrada por esse Juízo, em caso de descumprimento; 2) a pagar aos autores, a título de danos morais sofridos, o valor de R$-3.000,00 (três mil reais), com correção monetária pelo INPC e juros de 1% ao mês, a contar do arbitramento; 3) pagar aos autores o valor de R$603,00 (seiscentos e três reais) a título de restituição de despesas médicas, acrescido de correção monetária pelo INPC a contar do desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Com esta decisão, julgo extinto o processo com resolução do mérito, com arrimo no artigo 487, inciso I do CPC. Sem custas ou honorários nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95).”.

11.Inconformada com a sentença a requerida interpôs o presente Recurso Inominado, alegando a inaplicabilidade do CDC ao caso e a regularidade do cancelamento do plano, em razão de inadimplência.

12.O recorrido apresentou contrarrazões.

13.É o relatório. Voto.

14.Entendo que a sentença de 1º Grau não merece reforma, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, o que faço nos termos do art. 46, da Lei 9.099/95.

15.O recorrente alega a inaplicabilidade das regras consumerista e a impossibilidade de inversão do ônus da prova ao caso, argumento que não se sustenta pois o Juízo singular não aplicou as regras consumerista a presente demanda.

16.A Súmula 469 do STJ, estabelecia que: aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos planos de saúde particulares. No entanto, o STJ, em julgamento datado de 11.04.2018, cancelou esta Súmula e a substituiu pela Súmula 608, por meio da qual consolidou o entendimento de que “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” (grifo nosso).

17.Assim, como fez acertadamente o Juízo a quo, não aplicou as regras do CDC, aplicando ao caso as regras do Código Civil, em especial os deveres de lealdade e de informação, inerente ao Princípios da boa fé, razão pela qual não subsiste o argumento trazido pelo recorrente.

18.Em que pese o reconhecimento da não aplicabilidade das regras do CDC aos planos de saúde na modalidade autogestão, tal circunstância, todavia, não afasta o dever de observância a boa-fé objetiva, que deve estar presente em qualquer contrato, não olvidando, ademais, que a lide envolve direitos que possuem proteção constitucional, como saúde, integridade física e psíquica e dignidade humana.

19.Alie-se a isto, que a Lei n.º 9.656/98, que regulamenta a atividade dos planos e seguros privados de assistência à saúde, consiste em norma cogente de ordem pública, haja vista a tutela de relevante interesse social, qual seja, a vida e a saúde da população.

20.A matéria recursal cinge-se na irresignação da recorrente quanto ao deferimento para a permanência no plano de SAUDE CASPESESP, após ter sido cancelado por ter o recorrido atrasado com o pagamento da mensalidade do mês de março de 2020.

21.Conforme se vislumbra nos autos, a recorrente alega que a notificação prévia da parte Autora, foi realizada , no entanto importante frisar que a referida notificação somente foi recebida em 05/05/2020, conforme AR de ID 6503672, isto é, o plano já havia sido cancelado, já que o cancelamento se deu em 01/05/2020, logo conclui-se, que não houve notificação previa, a qual deve ser e pessoal e dentro do prazo legal, nos casos de cancelamento de plano de saúde. Nesse sentindo, jurisprudência a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL - PLANO DE SAÚDE - CANCELAMENTO DO SERVIÇO DE FORMA UNILATERAL PELA SEGURADORA - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E PESSOAL - NÃO COMPROVAÇÃO - PAGAMENTO POSTERIOR ACEITO. - A impontualidade no pagamento das prestações mensais não implica em cancelamento automático do contrato de plano de saúde, mormente quando inexistente a notificação pessoal do consumidor. - Configura comportamento manifestamente contraditório por parte da seguradora a aquiescência com o pagamento intempestivo da mensalidade após o cancelamento do contrato.

(TJ-MG - AC: 10629130039429001 MG, Relator: Valdez Leite Machado, Data de Julgamento: 07/05/2015, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2015)

22.Assim sendo, há ilegalidade na rescisão em tela, haja vista que a operadora não cumpriu a condição prevista na lei, ou seja, o consumidor não foi comprovadamente notificado da inadimplência no prazo correto. Isto posto, o direito ao restabelecimento do plano de saúde dos recorridos decorre de imposição legal, pois ainda que se considere o atraso no pagamento da mensalidade de MARÇO de 2020, a recorrente deveria notificar pessoalmente o consumidor antes de cancelar o plano e só depois tomar qualquer providência quanto à rescisão unilateral do contrato ou suspensão dos serviços.

23.Quanto aos danos morais, entendo que restaram caracterizados na situação em tela, pois a parte autora teve o plano de saúde contratado rescindido ilegalmente, pois sem previa comunicação pessoal, experimentando, dessa forma, flagrante...

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