Acórdão Nº 0900003-84.2017.8.24.0067 do Primeira Câmara de Direito Público, 28-06-2022

Número do processo0900003-84.2017.8.24.0067
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900003-84.2017.8.24.0067/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: NELSON FOSS DA SILVA (RÉU) APELADO: JOÃO CARLOS VALAR (RÉU) APELADO: MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE (RÉU)

RELATÓRIO

Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação civil pública por ato de improbidade administrativa" em face de Nelson Foss da Silva, João Carlos Valar e Município de São Miguel do Oeste.

Alegou que: 1) Nelson Foss da Silva, na condição de prefeito do Município de São Miguel do Oeste, aplicou irregularmente a verba pública do Fundo Municipal do Consumidor e do Registro Nacional de Infrações de Trânsito para o pagamento de folha salarial dos servidores e rescisões de contrato de trabalho; 2) João Carlos Valar, prefeito do mandato posterior, devidamente instado, não efetuou o ressarcimento da quantia aos Fundos; 3) o ato dos gestores públicos configura improbidade administrativa e 4) o ente municipal deve ser compelido a ressarcir os valores utilizados indevidamente.

Postulou a condenação dos réus às sanções dos arts. 12, III, 11, caput e I, todos da Lei n. 8.429/1992.

Em contestação, o ente público aduziu que: 1) a utilização dos recursos do Fundo Municipal do Consumidor está prevista no art. 18, § 1º, III, da Lei n. 4.908/2001 e 2) quanto aos recursos do RENAINF, foi vítima de de um erro de interpretação da norma administrativa pelo Prefeito da época, não podendo ser penalizado a ressarcir tais valores (autos originários, Evento 52).

João Carlos Valar arguiu, preliminarmente, ilegitimidade passiva e falta de interesse processual. No mérito, disse que: 1) não cometeu ato ilícito e 2) seu governo não pode pagar pela ineficiência ou má-fé do antecessor (autos originários, Evento 53).

Nelson Foss da Silva afirmou que: 1) não houve desvio de finalidade, pois a verba foi utilizada para pagar os salários dos servidores vinculados ao Procon; 2) realizou obras e melhoramentos das vias públicas com a quantia proveniente do RENAINF; 3) não agiu com má-fé e 4) devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

[...] Ante o exposto, julgo PROCEDENTE em parte o pedido deduzido na petição inicial, resolvendo o processo com análise do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para determinar que o Município de São Miguel do Oeste promova o ressarcimento do montante de R$ 520.000,00 à conta RENAINF e R$ 76.285,55 ao FMDC, com correção monetária pelo INPC desde cada realocação indevida.

Sem condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, ante a aplicação do disposto no art. 18 da Lei n. 7.347/85.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, no meu entender, sem descurar da pendência de julgamento do Tema 1042 no STJ. Como a necessidade de suspensão foi determinada apenas em segunda instância, determino a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça independentemente da interposição de recurso por parte do autor para eventual análise do cabimento da suspensão. [...] (grifos no original) (autos originários, Evento 163)

O Ministério Público, em apelação, reiterou as teses da exordial (autos originários, Evento 169).

Nelson Foss da Silva sustentou que, em razão da aplicação da Lei n. 14.230/2021, houve prescrição intercorrente (autos originários, Evento 176).

Com as contrarrazões (autos originários, Eventos 182, 185 e 187), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo sobrestamento do feito ou, sucessivamente, pelo provimento do recurso, em parecer do Dr. Carlos Alberto de Carvalho Rosa (Evento 36).

As partes foram intimadas para se manifestar sobre as alterações legislativas promovidas pela Lei n. 14.230/2021 (Evento 4), o que ocorreu nos Eventos 214, 15 e 19.

VOTO

1. Sobrestamento

Em 25-2-2022, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Tema n. 1199, que trata da seguinte questão:

Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo - dolo - para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.

Por essa razão, o Ministério Público de Santa Catarina requereu a suspensão do feito até o julgamento da tese.

Contudo, a Suprema Corte ordenou a suspensão nacional do processamento apenas dos recursos especiais que versam sobre a matéria.

Aqui ainda estamos em sede de apelação.

Assim, considerando a falta de determinação nesse sentido do STF, não há razão para o sobrestamento.



2. Aplicação da Lei n. 14.230/2021

Conforme a Constituição Federal, "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível" (§ 4º do art. 37).

A LIA, nos arts. 9º a 11, elencou as condutas que atentam contra a moralidade administrativa, as quais se dividem em: atos que implicam enriquecimento ilícito (art. 9º), que ensejam dano ao erário (art. 10) e atos que contrariam os princípios da administração pública (art. 11).

Em 26-10-2021 foi promulgada a Lei n. 14.230/2021, que alterou a redação de vários artigos da LIA.

As inovações devem ser aplicadas aos processos em curso nas hipóteses em que o réu se beneficiar.

O tema foi debatido por esta Câmara na sessão do dia 1º-2-2022:

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I E II, DA LEI N. 8.429/1992. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. POSTERIOR INOVAÇÃO LEGISLATIVA. LEI N. 14.230/2021. REVOGAÇÃO DOS TIPOS QUE PREVIAM AS CONDUTAS IMPUTADAS AO RÉU. 1) INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º, VI, DA LEI N. 14.230/2021, QUE REVOGOU OS INCISOS I, II, IX E X DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMUTABILIDADE DO ROL DE CONDUTAS. FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO CONFIGURA RETROCESSO OU PROTEÇÃO DEFICIENTE. 2) INAPLICABILIDADE DA LEI N. 14.230/2021 AOS ATOS PRATICADOS ANTES DA SUA VIGÊNCIA. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. TESE AFASTADA. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO PENAL, EM ESPECIAL O ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA.RECURSO DO AUTOR PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO, PREJUDICADO O DO MINISTÉRIO PÚBLICO. (AC n. 0900599-55.2017.8.24.0039, deste relator, Primeira Câmara de Direito Público, j. 1º-2-2022)

Colho do voto:

[...] O Ministério Público do Estado de Santa Catarina imputou a Arno Tadeu Marian a prática das condutas previstas no art. 11, caput, I e II, da Lei n. 8.429/1992.

Ao tempo da propositura, a redação do dispositivo era a seguinte:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Em 25-10-2021, foi editada a Lei n. 14.230/2021, que dispõe:

[...]

Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:

VI - incisos I, II, IX e X do caput do art. 11;

[...]

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (grifou-se)

O ponto relativo ao direito intertemporal é, ao menos por ora, um dos mais relevantes aspectos da reforma promovida pela Lei n. 14.230/2021, pois impacta diretamente os processos em curso, como no presente caso.

A matéria é recente e, enquanto ainda não há posição dos tribunais superiores, alguns pontos precisam ser sopesados no que tange ao poder punitivo do Estado.

In casu, o autor insurge-se quanto à revogação das condutas.

Sustenta, em primeiro lugar, a inconstitucionalidade do art. 4º, VI, da Lei n. 14.230/2021, que revogou os incisos I, II, IX e X, da Lei n. 8.429/1992, por violação ao princípio da vedação ao retrocesso.

Aduz que a probidade administrativa é um direito fundamental e sua proteção já está consolidada por meio do microssistema próprio.

O art. 1º da Lei n. 8.429/1992, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021, estabelece que:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

[...]

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

O STJ já se posicionou no sentido de que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, previsto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, aplica-se às normas do direito administrativo sancionador:

1.

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.II - As condutas atribuídas ao Recorrente, apuradas no PAD que culminou na imposição da pena de demissão, ocorreram entre 03.11.2000 e 29.04.2003, ainda sob a vigência da Lei Municipal n. 8.979/79. Por outro lado, a sanção foi aplicada em 04.03.2008 (fls.40/41e), quando já vigente a Lei Municipal n. 13.530/03, a qual prevê causas atenuantes de pena, não observadas na punição.III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao...

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