Acórdão Nº 0900007-07.2019.8.24.0050 do Segunda Câmara de Direito Público, 08-11-2022

Número do processo0900007-07.2019.8.24.0050
Data08 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900007-07.2019.8.24.0050/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ

APELANTE: MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN (RÉU) APELANTE: IVANA LORENZ DALLMANN (RÉU) APELANTE: ROLF NICOLODELLI (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN, ROLF NICOLODELLI e IVANA LORENZ DALLMANN contra a sentença que, na ação civil por ato de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em face dos insurgentes, julgou procedente o pedido para anular a nomeação da última apelante para o cargo em comissão de Assessor de Emprego e Renda, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município de Pomerode/SC, e condenar os requeridos por ato de improbidade administrativa que importa em violação aos princípios da Administração Pública, previsto no art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992. Segue o dispositivo do pronunciamento judicial guerreado:

Do exposto, resolvo o mérito julgando procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (CPC, art. 487, inc. I), para:

a) declarar a nulidade da Portaria 19.462, de 15 de abril de 2015, que nomeou IVANA LORENZ DALLMANN para exercer o cargo em comissão de Assessor de Emprego e Renda, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico (evento 01, INF63);

b) condenar MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN, ROLF NICOLODELLI e IVANA LORENZ DALLMANN ao ressarcimento integral do dano, o qual será apurado em liquidação de sentença (Lei n. 8.429/92, art. 11, inc. I c/c art. 12, inc. III);

c) suspender o direito político de MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN, ROLF NICOLODELLI e IVANA LORENZ DALLMANN por 03 (três) anos, a contar do trânsito em julgado desta sentença (Lei n. 8.429/92, art. 11, inc. I c/c art. 12, inc. III); e

d) condenar MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN, ROLF NICOLODELLI e IVANA LORENZ DALLMANN ao pagamento de multa civil no valor de 10 (dez) vezes o valor das suas últimas remunerações como servidores públicos, valores que serão apurados em liquidação de sentença (Lei n. 8.429/92, art. 11, inc. I c/c art. 12, inc. III).

Condeno a parte vencida - MARCOS EDGAR MULLER DALLMANN, ROLF NICOLODELLI e IVANA LORENZ DALLMANN - ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Está igualmente obrigada a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pela Fazenda Pública, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Não são devidos honorários advocatícios (Evento 55, em 1º grau).

Os apelantes sustentam, em síntese, que Ivana Lorenz Dallman não possui parentesco com o então Prefeito Municipal Rolf Nicolodelli, e que também não tem parentesco com servidor da mesma pessoa jurídica investida em cargo de direção, chefia ou assessoramento. Além disso, dizem que não há ajuste de nomeação recíproca por parte do esposo da nomeada, o então Vereador Marcos Edgar Muller Dallann, o qual sequer tem assessor na câmara ou qualquer indicado em cargo ou função no legislativo municipal. Outrossim, argumentam que não é verdadeira a conclusão de que a nomeada não tinha capacidade para ocupar o cargo, até porque o exercício de cargo público anterior não é condição para tal. Afirmam também que o cargo em comissão foi criado quando Marcos Edgar Muller Dallann sequer era vereador. Asseveram que a única verdade nos autos é que Rolf e Marcos eram correligionários (ambos são do MDB) e que o segundo é empregado na empresa de contabilidade do primeiro, no entanto, isso não é ilegal, irregular ou cria qualquer impedimento a nomeação de Ivana em cargo comissionado ao qual se demonstrou capacitada e que exerceu sem qualquer apontamento de irregularidade. Se relação de amizade e partidárias fossem impedimentos à nomeação o judiciário estaria assoberbado de ações de improbidade. Frisam que a aludida inconstitucionalidade do cargo não foi pronunciada pelo Judiciário, e não serve de supedâneo para configurar nepotismo. Por fim, requerem o provimento do recurso para afastar o reconhecimento do nepotismo ou de improbidade administrativa, ou, ainda, para afastar a pena de ressarcimento e diminuir a multa (Evento 65).

Contrarrazões regularmente apresentadas (Evento 70, em 1º grau).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Jacson Corrêa, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 12, em 2º grau).

O feito foi sobrestado em razão do Tema 1.042/STJ (Evento 14, em 2º grau).

Em face da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2011, determinou-se intimação das partes para manifestação (Evento 23, em 2º grau).

O Ministério Público atuante em primeiro grau a irregroatividade da Lei n. 14.230/2021, e que a conduta praticada ainda continua tipificada na LIA (Evento 27, em 2º grau).

Os apelantes pugnam pela retroatividade da Lei n. 14.230/2021, pelo reconhecimento da revogação do art. 11, I, da LIA (Evento 36, em 2º grau).

Após nova vista, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, agora em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Durval da Silva Amorim, manifestou-se pela suspensão do feito até julgamento do Tema 1.199/STF, e pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 39, em 2º grau).

VOTO

1. De início, tem-se que a pendência de apreciação do Tema 1.042/STJ (que visa "definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992 [...])", não impede o trâmite do feito, uma vez que o art. 17-C, § 3º, da LIA, em razão da alteração da Lei n. 14.230/2021, expressamente fez constar que "não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei".

A respeito, colhe-se precedente desta Câmara de relatoria do eminente Des. Carlos Adilson da Silva:

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO EM RAZÃO DO TEMA 1.042/STJ. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.203/21, QUE, DENTRE OUTRAS ALTERAÇÕES, SUPRIMIU O REEXAME NECESSÁRIO (§ 3º DO ART. 17-C). RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. SENTENÇA NÃO MAIS SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO, APESAR DA AFETAÇÃO DA MATÉRIA PROMOVIDA PELA CORTE SUPERIOR. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "(...) o legislador foi mais além na Lei n. 14.230/2021 e, de certa forma, impôs uma radical modificação no entendimento pretoriano, que atestava, até então, a natureza extrapenal da Lei n. 8.429/92. Com a modificação advinda do art. 17-D, da Lei n. 14.230/2021, impôs o legislador a todos os tribunais pátrios, a ideia da natureza sancionadora da Lei de Improbidade, deixando-se expresso no texto normativo que não se trata de uma "ação civil". É uma claríssima mensagem ao intérprete, para que confira as garantias penais compatíveis ao caso concreto. [...] Dito isso, não há dúvida de que, em se tratando de uma ação sancionadora, a supressão do reexame obrigatório pela nova Lei claramente beneficia o réu, de modo que sua retroatividade, é regra claríssima a ser aplicada" (Reexame Necessário n. 0014372-65.2009.8.24.0075, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 13-12-2021). (TJSC, Apelação n. 0900085-81.2014.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 22-03-2022).

Assim, não há falar em remessa necessária.

2. O Ministério Público Estadual imputou ao então Prefeito Municipal de Pomerode/SC a prática de nepotismo com a nomeação, para cargo comissionado do Poder Executivo, de pessoa que não tinha a devida capacitação e que, ainda, era esposa de Vereador do Município, e que também era seu aliado político e empregado da empresa de contabilidade da qual era sócio, em violação à Súmula Vinculante 13/STF e a princípios da Administração Pública.

Extrai-se que o então Prefeito Rolf Nicolodelli, em 15/4/2015, nomeou Ivana Lorenz Dalmann para ocupar o cargo de provimento em comissão de Assessora de Emprego e Renda junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico Municipal (Evento 1, INF63, em 1º grau). Outrossim, confirma-se que esta era casada com o requerido Marcos Edgar Muller Dalmann (Evento 1, INF71, em 1º grau), o qual era Vereador do Município de Pomerode à época dos fatos (2013-2016) (Evento 1, INF109, em 1º grau), além de aliado político do Prefeito Municipal, uma vez que ambos eram filiados ao MDB (Evento 1, INF92-INF94, em 1º grau). Também constata-se que o Vereador e marido da servidora nomeada era funcionário da ARN Assessoria Contábil Ltda. (Evento 1, INF97, em 1º grau), que tinha como um dos sócios o Prefeito Municipal (Evento 1, INF100-INF102, 1º grau).

Segundo a sentença condenatória, "IVANA não fez prova que, antes de ocupar o cargo público de Assessora de Empresa e Renda, já teria ocupado qualquer outro cargo público; o cargo criado e ocupado por IVANA teve parecer favorável, em uma das suas comissões na Camara de Vereadores, assinado por MARCOS; o cargo, posteriormente, foi considerado inconstitucional e extinto pela municipalidade; ROLF e MARCOS são filiados no mesmo partido político; MARCOS é funcionário de ROLF na iniciativa privada; deste modo, resta fácil perceber que a criação do cargo deu-se para atender um interesse pessoal dos réus, qual seja: dar uma cargo público à IVANA".

Necessário, trazer o entendimento acerca dos efeitos da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, a qual alterou grande parte da Lei n. 8.429/1992 - Lei de Improbidade Administrativa.

Com efeito, segundo orientação adotada por esta Corte, a Lei de Improbidade Administrativa faz parte do Direito Administrativo Sancionador, de forma que incidente o art. 5º, XL, da CF/1988, segundo o qual a lei penal deve retroagir apenas e tão somente para beneficiar o réu:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos...

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