Acórdão Nº 0900007-30.2018.8.24.0086 do Segunda Câmara de Direito Público, 26-07-2022

Número do processo0900007-30.2018.8.24.0086
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 0900007-30.2018.8.24.0086/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA

APELANTE: OURO GRANDYS FLORESTAL - EIRELI (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE OTACÍLIO COSTA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto por Ouro Grandys Florestal Eireli contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina na ação civil pública de origem (evento 69, SENT280, 1G), visando à declaração de nulidade da doação de imóvel realizada pelo Município de Otacílio Costa em favor da empresa apelante, à reintegração de posse ao patrimônio municipal e à indenização pelo uso ilegal do bem.

Em suas razões (evento 103, APELAÇÃO309, 1G), suscitou ter a sentença incorrido em julgamento ultra petita, argumentando que "em suas razões de decidir valeu-se de fatos estranhos aos autos e sobre os quais sequer foi oportunizado às partes o contraditório". Alegou que "a sentença, ao reconhecer a legalidade e validade do ato legislativo inquinado, acabou por confirmar o direito subjetivo da recorrente à formalização (efetivação formal) da doação, uma vez que esta incontroversamente já se encontra na posse e fruição do referido bem imóvel". Postulou seja extirpado da sentença o trecho que reconhece a prerrogativa municipal em concluir ou não a doação. Pleiteou ainda seja "expressamente reconhecido e declarado que a doação, sob a perspectiva fática já se aperfeiçoou". Requereu o prequestionamento dos "arts. , 10, 110, 489, §1º e 503, § 1º, II do CPC e art. 93, IX da CF/88".

Com as contrarrazões (evento 110, PET318, 1G), ascenderam os autos a esta Corte, sendo distribuídos a este Relator.

A Procuradora de Justiça Sonia Maria Demeda Groisman Piardi lavrou parecer (evento 8, PROMOÇÃO1), opinando "pelo parcial conhecimento do recurso de apelação, afastando-se as preliminares de nulidade da sentença atacada e inadmitindo-se o exame do mérito recursal, por ausência de interesse". E, em remessa necessária, manifestou-se "pelo seu conhecimento e provimento, a fim de que sejam julgados procedentes os pedidos formulados na presente ação civil pública".

É o relatório.

VOTO

De início, cumpre salientar que, diante da improcedência da ação civil pública, a sentença está sujeita à remessa necessária, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965, que regula a ação popular. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual (STJ, AgInt no REsp 1.641.233/MT, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 28/03/2019; e TJSC, Apelação n. 0901221-37.2017.8.24.0039, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 13-07-2021).

Por seu turno, o recurso de apelação não merece ser conhecido, ante a ausência de interesse recursal, conforme se explica no tópico a seguir.

1. Do recurso de apelação:

É evidente a falta de interesse recursal da parte ré, já que a sentença julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público na ação civil pública.

Não por outro motivo as razões recursais - mesmo ao suscitar julgamento ultra petita - limitam-se a impugnar os fundamentos adotados na sentença.

Entretanto, os fundamentos não fazem coisa julgada, a teor do art. 504 do Código de Processo Civil, de sorte que eventual insatisfação a respeito de seu conteúdo, por si só, não justifica a interposição de recurso. Com efeito, "A qualidade de imutabilidade e indiscutibilidade da coisa julgada somente se agrega à parte dispositiva do julgado, não alcançando os motivos e os fundamentos da decisão judicial" (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.593.243/SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 22/8/2017).

É dizer, não há utilidade em recorrer de decisão cujo dispositivo é favorável à parte. Por isso mesmo, preceitua o art. 996 do CPC que "O recurso pode ser interposto pela parte vencida [...]".

Nesse sentido, oportuno citar a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS.1. Não há interesse recursal para opor embargos declaratórios, com pedido de efeitos infringentes, a acórdão que negou provimento a agravo interno interposto pela parte contrária.(EDcl no AgInt no AREsp 1015107/RN, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe 12/09/2019).2. A decisão cuja parte dispositiva é favorável ao recorrente denota a ausência de interesse em recorrer" (REsp 914062/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/09/2011). 3. Embargos de declaração não conhecidos." (STJ, EDcl no AgInt no AREsp n. 1.566.607/MS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 28/3/2022.)

Ademais, elucidativa a seguinte ementa de acórdão desta Corte Catarinense, que inclui excerto doutrinário acerca do tema:

"APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSUAL CIVIL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE ACOLHIDA - EXECUÇÃO FISCAL EXTINTA - RECURSO DO EXECUTADO PARA ALTERAR O FUNDAMENTO UTILIZADO - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL CONFIGURADA - RECURSO NÃO CONHECIDO. 'Inexistente a necessidade do recurso interposto, bem como a sua utilidade no sentido de possibilitar ao recorrente um resultado favorável ou uma situação processualmente mais vantajosa, este não deve ser conhecido, por evidente falta de interesse recursal.' (Apelações Cíveis ns. 0002961-41.2009.8.24.0005, 2014.079879-9, 0002961-41.2009.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 16.05.2017). 'Só a sucumbência na ação é que justifica o recurso, não a diversidade dos fundamentos pelos quais foi essa mesma ação acolhida. Daí, não ter interesse em recorrer quem ganhou a ação por um fundamento, visando a que os outros também sejam acolhidos' (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luiz Guilherme A.; FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 44. ed. atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 628. Nota 2ª ao artigo 499)" (TJSC, Apelação Cível n. 0030610-67.2008.8.24.0020, de Criciúma, rel. Cid Goulart, Segunda Câmara de Direito Público, j. 08-05-2018).

Logo, o recurso não pode ser conhecido, pois ausente o interesse recursal.

Quanto aos honorários recursais, inviável a majoração na forma do art. 85, § 11, do CPC, pois não atendidos os critérios cumulativos (STJ, EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ), já que sequer arbitrados na sentença, por se tratar de ação civil pública promovida pelo Ministério Público.

2. Da remessa necessária:

Em remessa necessária, merece a sentença ser parcialmente reformada.

Versam os autos acerca da validade de atos que deram início ao procedimento de doação de imóvel público pelo Município de Otacílio Costa em favor de Ouro Grandys Florestal Eireli, em especial as Leis Municipais n. 1.470/2004 e 2.064/2013, de efeitos concretos. Tratam também da regularidade da posse exercida pela referida empresa sobre o imóvel em questão.

Sobre a doação de imóveis públicos, dispõe o art. 17 da Lei nº 8.666/1993:

"Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para...

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