Acórdão Nº 0900009-88.2015.8.24.0026 do Primeira Câmara de Direito Público, 28-03-2023

Número do processo0900009-88.2015.8.24.0026
Data28 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0900009-88.2015.8.24.0026/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


APELANTE: MUNICÍPIO DE GUARAMIRIM APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação civil pública" em face do Município de Guaramirim.
Sustentou que: 1) o réu não está cumprimento a oferta de vagas para a educação infantil; 2) de acordo com dados prestados pelo próprio ente público, cerca de 371 crianças aguardam vaga em creche pública e 3) destas, 189 são objeto do TAC firmado em 2012, cujo cumprimento está sendo fiscalizado administrativamente.
Postulou a condenação em obrigação de fazer consistente em: 1) criar 182 novas vagas em creches até 1º-6-2015; 2) elaborar planejamento estratégico que estime a evolução da demanda, combinando taxa de natalidade e índice de migração interna de novas famílias vindas de outras localidades e 3) disponibilizar acesso a todas as crianças de 0 a 3 anos de idade residentes em Guaramirim, cujas famílias manifestem interesse.
Em contestação, o requerido argumentou que: 1) vem trabalhando para dirigir a demanda reprimida; 2) o repasse do fundo especifico para educação infantil é insuficiente e 3) os pedidos ofendem o princípio da separação dos poderes, a reserva do possível, além de causarem impacto significativo no orçamento (autos originários, Evento 33).
Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:
[...] Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para: 4.1) CONFIRMAR em parte a tutela antecipada deferida (fls. 608-614); 4.2) CONDENAR o Município de Guaramirim, a:
a) CRIAR 182 (cento e oitenta e duas) vagas em creches até o dia 31.12.2015;
b) ELABORAR, até o dia 31.12.2015, um planejamento estratégico que estime a evolução da demanda por vagas em creche, combinando taxa de natalidade e índice de migração interna de novas famílias vindas de outras localidades;
c) a DISPONIBILIZAR vagas em creches públicas ou privadas (neste caso, a expensas do próprio Município) a todas as crianças de 0 a 3 anos de idade residentes em Guaramirim, cujas famílias manifestem interesse. O pagamento de creche em instituição privada, caso necessário, fica condicionado à comprovação de que a família não tem condições financeiras de custear o pagamento da mensalidade sem prejuízo de seu sustento, bem como de que o(s) responsável(is) exerce(m) atividade laborativa em horário que impeça de prestar os cuidados à criança. O não cumprimento desta obrigação no prazo assinalado poderá acarretar na fixação de multa diária ou no sequestro dos exatos valores necessários, para cumprimento da ordem, na conta do Município. Isento os réus do pagamento das custas processuais, a teor do disposto na Lei n. 156/97. Decorrido o prazo para recurso voluntário, remetam-se os autos ao E. Tribunal de Justiça Catarinense, para reexame necessário (art. 496, inciso I, do CPC/2015). [...] (autos originários, Evento 82)
O ente municipal, em apelação, alegou que: 1) está adotando medidas administrativas para solucionar o déficit de vagas em creche; 2) não houve omissão ou ilicitude capaz de autorizar a intervenção do Judiciário, notadamente porque aplica porcentagem maior do que o previsto constitucionalmente; 4) há ofensa aos princípios da separação dos poderes, eficiência, transparência, equilíbrio orçamentário, razoabilidade e à reserva do possível; 5) o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica - Fundeb repassa poucos recursos e 6) é impossível zerar o déficit porque há limites materiais e jurídicos no orçamento (autos originários, Evento 89).
Com as contrarrazões (autos originários, Evento 102), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso, em parecer do Dr. César Augusto Grubba (Evento 49).
O processo foi suspenso em razão da pandemia do Covid-19 (Evento 53).
Findo o prazo as partes se manifestaram sobre a atual situação fática descrita na exordial (Eventos 91, 100 e 107)

VOTO


1. Esclarecimentos preambulares
Antes de adentrar na análise das razões do recurso, ressalvo meu ponto de vista de interferência mínima e restrita do Judiciário na efetivação de políticas públicas.
A forma de organização em que se estrutura nosso Estado Democrático de Direito prevê competências constitucionais bem definidas para cada um dos Poderes, que devem atuar com independência e de forma harmônica entre si.
E nessa concepção de Estado, cabe ao Poder Executivo, numa atuação conjunta das esferas federal, estadual e municipal "assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", bem como "promover programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem" (art. 227, caput e §1º, da CF/1988).
Isso porque, compete a esse Poder realizar o juízo de conveniência e oportunidade para decidir em quais políticas públicas, que são inúmeras e de grande necessidade, serão empregados os recursos públicos disponíveis, que são finitos e insuficientes, bem como em que local serão oferecidos determinados serviços de atendimento à saúde da criança e do adolescente.
Afinal, a soberania do poder popular que elegeu os Administradores Públicos, por meio do voto direto, lhes confere legitimidade para definir quais serão as prioridades a serem atendidas com o dinheiro público.
Logo, a execução das políticas administrativas compete ao Poder Executivo, inclusive a implementação do seu orçamento, com base nas prioridades que estabelece.
Estamos num país pobre, com inúmeras carências, cuja resolução depende de uma série de providências e de decisões, até mesmo de caráter político. Se administradores públicos eleitos pelo voto soberano de nosso povo não puderem projetar suas ações para dar respaldo aos seus planos de governo, ficará difícil a convivência harmônica e independente dos Poderes da República.
Nós, do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT