Acórdão Nº 0900013-82.2018.8.24.0071 do Segunda Câmara Criminal, 01-06-2021

Número do processo0900013-82.2018.8.24.0071
Data01 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900013-82.2018.8.24.0071/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: JEFERSON DE MOURA (RÉU) ADVOGADO: GIOVANI ACOSTA DA LUZ (OAB SC017635) ADVOGADO: MARLON CHARLES BERTOL (OAB SC010693) APELANTE: ROBENS RECH (RÉU) ADVOGADO: DANIELA RECH (OAB SC036478) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Tangará, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Robens Rech e Jeferson de Moura, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, nos seguintes termos:

I - Objeto da Ação Penal

Os fatos ilícitos aqui narrados decorrem das investigações desenvolvidas na "Operação Resposta Certa" e envolve o particular Jeferson de Moura, funcionário da empresa Auto Elite Ltda., e suas atividades ilícitas com o Município de Tangará, particularmente com o ex-prefeito Robens Rech, ora denunciado.

II - Breve Histórico das Investigações Realizadas

No dia 13 de novembro de 2015, instaurou-se, na Promotoria de Justiça de Tangará, o Inquérito Civil n. 06.2015.00009180-6 com o objetivo de verificar a regularidade na aquisição de um veículo no ano de 2011, pelo Município de Tangará, já subsidiado pelas informações colhidas durante a "Operação Resposta Certa", que comprovou que a empresa Auto Elite Ltda., por meio dos seus representantes, juntamente com funcionários públicos, fraudaram procedimentos licitatórios e realizaram contratações diretas, a fim de favorecer terceiros e obter vantagem econômica por meio de suas funções, importando em enriquecimento ilícito e causando dano ao erário no valor do Município de Ibiam.

Com base no exposto, considerando que as práticas delitivas contra a Administração Pública muitas vezes são reiteradas em outros municípios da região, este Órgão Ministerial requereu cópia integral do procedimento licitatório em que se efetivou a compra do veículo VW Polo no município de Tangará, justamente tendo como vendedora a empresa Auto Elite Ltda. A partir de então, iniciou-se a análise minuciosa de todo o certame, inclusive do seus instrumento convocatório, logrando-se êxito em constatar fraudes ao processo licitatório 30/2011 como se demonstrará pormenorizadamente abaixo.

III - A Descrição dos Fatos e das Suas Circunstâncias

No mês de março de 2011, em data a ser precisada durante a instrução processual, os denunciados Robens Rech e Jeferson de Moura, de forma consciente e voluntária, frustraram o caráter competitivo do Processo Licitatório n. 30/2011, (fls. 11 a 71 da Ação Civil Pública anexa) cujo objeto consistiu na aquisição de um veículo para a Secretaria de Administração e finanças do Município de Tangará, com o intuito de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

Segundo consta, foi elaborado Processo de Licitação n. 30/2011, na modalidade carta convite, ocasião em que foram convidadas apenas as empresas Auto Elite Ltda., Fermac Peças e Veículos Ltda. e Magavel Magarinos Veículos Ltda., sendo a primeira representada pelo denunciado Jeferson de Moura.

A frustração do caráter competitivo da licitação mostra-se visível pelo simples fato da ausência do termo de referência, além da exigência de itens no edital que somente o veículo fornecido pela empresa em que o denunciado Jeferson poderia atender. O termo de referência trata-se de um documento prévio ao procedimento licitatório serve de base para o edital, tendo por função precípua a descrição do objeto a ser adquirido pela Administração Pública. Nesse sentido, para elaboração do termo de referência, é necessário obter-se diversos orçamentos, a fim de elaborar a descrição do objeto a ser licitado de forma a garantir a ampla concorrência e fixar o valor máximo compatível ao praticado no mercado.

Dito isso, o objeto a ser licitado foi descrito no edital (fl. 26 da Ação Civil Pública), com o nítido propósito de atender, somente, as especificações técnicas do veículo VW/Polo, o qual era fornecido pela empresa Auto Elite Ltda., em que o denunciado Jeferson era gerente, conforme se pode depreender do quadro a seguir exposto:

Descrição Objeto Edital - fl. 26 da ACP: Veículo automotor, novo, fabricação nacional, 0Km, modelo 2011, motor flex, capacidade 05 passageiros, quatro portas, 05 marchas para frente e uma a ré, motor 1.6, com potência mínima de 104 CV, com ar condicionado digital, vidros elétricos nas quatro portas, travas elétricas nas quatro portas, alarme com acionamento a distância, espelho retrovisores elétricos, air bag duplo, freios ABS, direção hidráulica, som com bluetooth, mp3, USB, sd Card, com 8 auto falantes, bancos em couro, rodas de liga leve, aro 15, carcaça dos espelhos frisos laterais e aerofólio na cor do veículo, desembaçador traseiro, computador de bordo, sensor de estacionamento, reservatório de combustível com capacidade de 50L., bagageiro com capacidade mínima de 430L, banco com ajuste milimétrico de altura, cor prata.

Observando o quatro acima, é possível perceber o direcionamento face a existência de exigências de acessórios desnecessários para o uso cotidiano do automóvel. Tais acessórios e características especificadas no edital somente poderiam ser encontradas no veículo ofertado pela empresa Auto Elite Ltda., o que demonstra claro, nítido e evidente direcionamento, caracterizando a fraude. A exemplo:

a) Possuir 8 (oito) auto falantes;

b) Possuir ar condicionado digital;

c) Possuir aerofólio na cor do veículo;

d) Possuir rodas de liga leve, aro 15;

e) Possuir reservatório de combustível com capacidade exata de 50L.

Tais acessórios e características, entre todos os automóveis da categoria, estão presentes somente no VW/Polo. No entanto, a comparação deve ser feita tão somente com os veículos Focus ou Fiesta da Fabricante Ford (concorrentes do VW/Polo), pois foi a única concessionária (Magavel Magarinos) convidada a participar do certame que representa fabricante diversa da VolksWagen.

Assim, nítido perceber o único veículo que poderia atender aos requisitos do edital "fabricado" seria o VW/Polo. Como consectário desse descarado direcionamento, a empresa Auto Elite Ltda., representada no ato pelo denunciado Jeferson de Moura, restou vencedora e firmou com o Município de Tangará o contrato n. 123/2011, no qual sequer foi especificado como objeto o veículo adquirido, somente a descrição genérica dos requisitos apresentados no edital.

A portaria de homologação fora assinada pelo denunciado Robens Rech (fl. 61 da ACP), na data de 28.3.2011, bem como expedida ordem de fornecimento na data de 11.4.2011 e com o mesmo subscritor (fl. 62 da ACP).

Além do direcionamento do procedimento licitatório, a conduta dos denunciados também ocasionou prejuízo aos cofres do Município de Tangará, uma vez que os valores pagos pela Administração Pública pelo veículo fornecido pela Auto Elite Ltda. foi acima do praticado no mercado.

Para melhor elucidar o superfaturamento decorrente das irregularidades cometidas, passa-se a demonstrar com a seguinte tabela:

Veículo: VW Polo Sedan

Valor Pago: R$ 62.000,00

Valor de Mercado de Março de 2011: R$ 50.900,00 (Fipe Março de 2011 - Veículo Zero Quilometro)

Superfaturamento Total: R$ 11.100,00 (onze mil e cem reais)

Com esse proceder, os denunciados Robens Rech e Jeferson de Moura macularam a norma prevista no art. 90 da Lei n. 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal (Evento 1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou, pelo cometimento do delito previsto no art. 90 da Lei 8.666/93:

a) Robens Rech à pena de 3 anos e 1 mês e 10 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e multa de 2% do valor do contrato licitado, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no importe de R$ 2.000,00; e

b) Jeferson de Moura à reprimenda de 2 anos e 4 meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e multa de 2% do valor do contrato licitado, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no importe de R$ 2.000,00 (Evento 463).

Insatisfeitos, Robens Rech e Jeferson de Moura deflagraram recursos de apelação.

Robens Rech persegue, em suas razões, a decretação da nulidade do feito em razão do cerceamento de defesa oriundo do indeferimento de prova requerida.

Aduz, ainda, que é inepta a incoativa, pois "em momento algum a Denúncia se ocupa da demonstração da circunstância elementar do tipo penal que é a descrição do ajuste, da combinação ou de qualquer outro ato tendente a frustrar ou fraudar a licitação".

Quanto ao mérito, almeja a proclamação da sua absolvição porque "não existiu frustração nem fraude, por ajuste ou combinação, para desvirtuar o caráter competitivo do procedimento licitatório, com a finalidade de obtenção de vantagem".

De forma sucessiva, clama pela diminuição das penas privativa de liberdade e da multa (Evento 483).

Jeferson de Moura almeja, em síntese, a proclamação de sua absolvição, pois sustenta que não há "prova da relação do apelante com os fatos, ou seja, a participação ou colaboração para a elaboração do edital".

De forma sucessiva, busca a minoração da reprimenda (Evento 7).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Eventos 11 e 488).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rui Arno Richter, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento dos apelos (Evento 14).

VOTO

Os recursos preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos.

De forma preambular, é necessário definir qual a norma penal aplicável ao caso.

No dia 1º.4.21 entrou em vigor a Lei 14.133/21.

Tal Legislação é definida como a nova "lei de licitações e contratos administrativos" e modificou sensivelmente a Lei 8.666/93. Os arts. 193 e 194 da Lei 14.133/21 trataram da vacatio legis da seguinte maneira:

Art. 193. Revogam-se:

I - os...

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