Acórdão Nº 0900016-48.2018.8.24.0035 do Terceira Câmara de Direito Público, 02-08-2022

Número do processo0900016-48.2018.8.24.0035
Data02 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900016-48.2018.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: NERI FERMINO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Ituporanga, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou "ação civil pública por ato de improbidade administrativa - ressarcimento ao erário" contra Neri Fermino alegando que, na gestão dos anos de 2005/2008, o demandado exerceu o cargo de Prefeito do Município de Imbuia e ocasionou lesão ao erário, porquanto realizou viagens a países da Europa, às expensas do Poder Público Municipal; que a viagem foi realizada com desvio da finalidade pública; que as viagens foram realizadas com agentes políticos da região do Vale e Alto Vale do Itajaí/SC, com a denominação de "Missão Técnica"; que o roteiro englobava visitas aos países da Alemanha, França, Itália, Portugal e Suíça; que o motivo da viagem teve por base a troca de experiências e conhecimentos através de contato com projetos desenvolvidos pelos países europeus; que a viagem custou ao Poder Público Municipal o importe de R$ 6.701,50; que o Decreto Legislativo n. 002/2005, autorizativo da viagem, estabeleceu a liberação do montante de R$ 8.686,00 para custear as despesas com estada, além da passagem aérea; que, no entanto, a viagem se destinou a lazer do demandado; que o tempo total de viagem foi de 16 dias; que não é possível caracterizar a viagem como "Missão Técnica"; que a prova apresentada no processo dá conta de que a viagem teve cunho turístico e não teve utilidade ao Município de Imbuia; que o demandado praticou ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, caput, da Lei Federal n. 8.429/92, ocasionando, desta forma, prejuízo ao erário e, por isso, deve ser condenado a ressarcir o Poder Público.

Devidamente notificado, o demandado apresentou defesa prévia.

Após, a inicial foi recebida pelo juízo, e o requerido, citado, ofertou contestação alegando que deve ser declarada a prescrição da pretensão autoral; que a viagem realizada aos países da Europa teve por base uma Missão Oficial, o que faz descaracterizar a ocorrência de ato ímprobo; que, ao retornar da viagem, apresentou a devida prestação de contas demonstrando os gastos de forma detalhada; que a viagem foi realizada a trabalho, com a finalidade de conquistar conhecimento e buscar inovações para a população do Município, tendo sido planejada e efetivada pela Associação de Municípios do Alto Vale (AMAVI); que não cometeu qualquer atitude dolosa para caracterizar a ocorrência de ato de improbidade administrativa; que não agiu de má-fé, tampouco ocasionou dano ao erário; que não é cabível o ressarcimento ao Poder Público.

Posteriormente, foram realizadas audiências de instrução, com a juntada de cartas precatórias ao processo, e as partes apresentaram alegações finais.

Ato contínuo, o MM. Juiz, Dr. Márcio Preis, proferiu sentença julgando procedente o pedido autoral e condenou o demandado a ressarcir ao erário o importe de R$ 6.701,50 (seis mil e setecentos e um reais e cinquenta centavos).

Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação, repisando, em síntese, os termos da defesa, e reforçou que não há provas de que foi beneficiado pessoalmente com a viagem realizada; que não agiu com dolo, porquanto a viagem foi realizada em caráter técnico e partiu da iniciativa da Associação dos Municípios do Alto Vale (AMAVI), composta por Prefeitos e Vereadores de 11 Municípios de Santa Catarina; que apresentou devidamente a prestação de contas dos gastos com a viagem; que não ocasionou dano ao erário e, por isso, a sentença deve ser reformada.

Após contrarrazões, os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria-Geral de Justiça, que, no parecer da lavra do Exmo. Dr. César Augusto Grubba, opinou pela conversão do julgamento em diligência para análise da admissibilidade do recurso ante a intempestividade.

Afirmando a tempestividade de seu recurso, manifestou-se nos autos o apelante, alegando que a certidão de sua intimação consignou o prazo de trinta dias para a interposição do recurso.

Os autos foram encaminhados a julgamento na Sessão datada de 04.08.2020, e esta Câmara ao analisar o recurso assim decidiu: "Suspender o julgamento em virtude do pedido de revista pelo Exmo. Des. Relator, após a Câmara decidir, por unanimidade, conhecer do recurso, ressalvado o posicionamento contrário do Exmo. Sr. Relator".

O pedido de revista foi formulado por este Relator para preparar seu voto sobre o mérito, dado o afastamento, pelo Colegiado, da preliminar de intempestividade do recurso que havia proposto.

Posteriormente, os autos foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. César Augusto Grubba, manifestou-se no sentido de desprover a apelação.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Neri Fermino contra a sentença proferida na ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual, que o condenou a ressarcir ao erário o importe de R$ 6.701,50 (seis mil e setecentos e um reais e cinquenta centavos).

Alega o apelante, em suma, que não restou comprovado o ato doloso de improbidade administrativa, razão pela qual a ação civil pública deve ser julgada improcedente.

Pois bem.

Inicialmente, convém destacar que a Lei Federal n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), foi alterada pela Lei Federal n. 14.230/2021 e esta entrou em vigor em 26 de outubro de 2021, o que enseja a discussão acerca da aplicabilidade da "Nova Lei" ao presente feito.

Todavia, verifica-se que a Lei Federal n. 14.230/21, embora tenha efetuado alterações substanciais na Lei Federal n. 8.429/1992, modificando as estruturas da ação por ato de improbidade administrativa, não apresentou previsão específica acerca de sua aplicação retroativa e, diante disso, a princípio, ela se seria aplicável somente aos processos ajuizados e julgados posteriormente à sua publicação, em razão do princípio da irretroatividade das leis estabelecido no art. 6º, da LINDB, assim como por força da previsão do art. 14, do CPC/15, que assim determina:

"Art. 14 - A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada."

No entanto, embora a questão posta acima ainda tenha caráter extremamente discutível, até porque se está diante de direito administrativo sancionador, em que eventualmente são aplicáveis preceitos de Direito Penal, que sempre retroagem para beneficiar o indigitado, deve-se destacar que, em razão do desfecho que será dado ao julgamento do presente caso, tem-se que respectivas alterações na Lei Federal n. 8.429/92 não são capazes de influenciar a presente decisão do recurso.

Por isso, passa-se a analisar o mérito recursal.

A Constituição da República, no art. 37, "caput", determina que "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] ".

Já o § 4º do artigo 37, da CF/88, por sua vez, proclama que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível"; complementando no § 5º, que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."

Para dar concretude ao preceito constitucional, além dos procedimentos atinentes à ação popular e à ação civil pública, a Lei Federal n. 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, ocupa-se dos atos administrativos classificados como "atos de improbidade", que nada mais são do que atos cuja finalidade é alheia ao interesse público.

Ato de Improbidade administrativa, para DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, "pode ser compreendido como o ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública. (Manual de Improbidade Administrativa, 6. ed., 2018, p. 07).

Por sua vez, JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA doutrina que:

"(...) improbidade derivaria do latim improbitas, expressão que significa má qualidade, imoralidade ou malícia. Isto nos leva a concluir que a improbidade revelaria a qualidade do homem que não procede bem, que age indignamente, porque não tem caráter. Improbidade seria o atributo daquele que é ímprobo, ou seja, aquele que é moralmente mau, violador das regras legais ou morais. Vincula-se, portanto, ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má indole"; e complementa o doutrinador que "a improbidade administrativa configurar-se-ia como ação ou omissão dolosa de agente público ou de quem de qualquer forma com a conduta, com a nota imprescindível da deslealdade, desonestidade ou ausência de caráter, que viesse a acarretar, conforme o caso, enriquecimento ilícito, lesão ao patrimônio das pessoas jurídicas mencionadas no art. 1º da LIA ou que violasse os princípios da Administração Pública, nos termos previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da citada Lei." (Improbidade Administrativa: legislação comentada artigo por artigo, 3. ed., 2012, p. 06 e 10).

Já SILVIO ANTÔNIO MARQUES, ao citar JOÃO BATISTA DE ALMEIDA, define improbidade administrativa como "desonestidade, infringência ao princípio da moralidade, com enriquecimento ilícito, dano ao erário ou ofensa aos princípios...

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