Acórdão Nº 0900016-84.2015.8.24.0057 do Primeira Câmara de Direito Público, 31-05-2022

Número do processo0900016-84.2015.8.24.0057
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900016-84.2015.8.24.0057/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: CLOVIS DE ASSIS MACHADO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação civil pública" em face de Clóvis de Assis Machado.

Alegou que: 1) o requerido promoveu a construção de um muro de alvenaria a 8 metros do rio Mundéus, no Município de Angelina; 2) o local configura Área de Preservação Permanente e 3) a obra foi embargada pela Prefeitura de Angelina, mas não há indícios de que a construção foi retirada.

Postulou: 1) demolição da construção; 2) recuperação ambiental da área e 3) pagamento de danos morais extrapatrimoniais.

Em contestação, o réu sustentou que: 1) o juízo é incompetente; 2) a petição inicial não observou o disposto no art. 319, IV e VII, do CPC; 3) o valor da causa é desproporcional; 4) o muro conta com 6 m², sendo que apenas 4 m² da obra se encontra a menos de 30 metros do rio; 5) não havia vegetação nativa na área, pois foi antropizada antes da construção do muro; 6) a obra visava a defesa de sua propriedade e impedir a erosão do solo no local; 7) houve a prescrição da pretensão de indenização por danos morais; 8) o processo deve ser suspenso até o julgamento da Ação Penal n. 0001054-69.2009.8.24.0057; 9) a reparação deve ocorrer por meio de medida alternativa à demolição e 10) é necessário inspeção judicial no local (autos originários, Evento 10).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, c/c art. 11 da Lei 7.347/85, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, nos termos da fundamentação, a fim de condenar o réu ao cumprimento de obrigações consistentes em:

1. retirar a edificação inserida na Área de Preservação Permanente existente no terreno descrito na inicial (muro de alvenaria);

2. abster-se de praticar qualquer ato de degradação ambiental ou interferência naquele espaço, salvo em caso de autorização/licenciamento do órgão ambiental competente;

3. reparar integralmente o dano ambiental verificado, conforme Projeto de Recuperação de Área Degradada - PRAD, a ser elaborado por profissional técnico habilitado e aprovado pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente - IMA, e que deverá contemplar a retirada de todo e qualquer material (edificação, entulho, entre outros) e o restabelecimento da vegetação à sua condição original ou o mais próximo disso;

Estabeleço o prazo de 3 (três) meses para a apresentação do PRAD e de 6 (seis) meses para a retirada do muro, tendo em vista o atual cenário da pandemia causada pelo coronavírus e seus reflexos na regular tramitação de processos administrativos e na disponibilidade de mão-de-obra adequada à execução da medida.

Fixo multa diária de R$500,00 para o caso de descumprimento (arts. 497 e 139 do CPC c/c art. 11 da Lei 7.347/85), limitada a R$30.000,00, a ser revertida ao FRBL.

Deixo de condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios porque, ausente a má-fé das partes, incabível em sede de ação civil pública (art. 18 da Lei 7.347/85; STJ, AgInt no AREsp 1462912/AL, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 16/09/2019).

Custas processuais pelo réu. (autos originários, Evento 51)

Em apelação, o réu arguiu, preliminarmente, a anulação da sentença para que a parte autora emende a inicial e informe se opta ou não pela realização da audiência conciliatória, conforme o art. 319, VII, do CPC. No mérito, reeditou as teses de que: 1) a condenação de demolição foi desproporcional; 2) em razão da extensão ínfima da área degradada (4 m²), ocorreu a prescrição da pretensão de reparação do dano ambiental e 3) há anos não havia espécies nativas no local, devendo a medida reparativa ser outra que não o desfazimento do muro. Requereu a redução da multa por eventual descumprimento da obrigação (autos originários, Evento 60).

Com as contrarrazões (autos originários, Evento 65), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento, em parecer da Dra. Sonia Maria Demeda Groisman Piardi (Evento 22).

Intimadas, as partes se manifestaram acerca da aplicabilidade da Lei n. 14.285/2021 (Eventos 33, 36 e 44).

VOTO

1. Nulidade da sentença

Embora a parte autora não tenha sido intimada para informar se optava ou não pela realização da audiência conciliatória, afirmou na réplica o seu desinteresse (autos originários, Evento 14, f. 4).

Além disso, a não realização do ato, por si só, não gera a nulidade do processo, especialmente em casos como o presente, em que se discute direito indisponível.

Era preciso que a parte comprovasse prejuízo concreto pela falta da audiência, mas isso não ficou demonstrado.

Do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO.

INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PLANO DE SAÚDE.

RECUSA INDEVIDA. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A ausência de realização de audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo, especialmente quando a parte não demonstrar qualquer prejuízo pela não realização do ato processual.

2. A decretação de nulidade depende da demonstração de prejuízo à parte que alega.

3. A Corte de origem concluiu que a conduta da parte recorrente, que recusou tratamento médico foi infundada, acarretando a necessidade de reparação em danos morais, o que não pode ser alterado nessa via extraordinária, haja vista o óbice da Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno não provido. (AgInt no AgInt no AREsp 1.690.837/SE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 26-4-2021)

Assim, rejeito a preliminar.



2. Mérito

A sentença proferida pela MM. Juíza Fabiane Alice Müller Heinzen Gerent é confirmada por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razão de decidir:

Sem razão o réu ao invocar a prescrição quinquenal em suas razões finais, uma vez que a pretensão do autor é de reparação civil do meio ambiente - direito fundamental e, portanto, indisponível (art. 225 da CF) -, cujos danos assumem caráter permanente, renovando-se, dia após dia, enquanto mantido o cenário que impede sua regeneração natural.

Isso, aliás, foi recentemente referendado pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Tema 999 da repercussão geral, quando deixou assim assentado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020) (grifei).

Superado esse ponto, e considerando que as preliminares da contestação já foram enfrentadas quando do saneamento, passo ao exame da questão de fundo.

Pois bem. O meio ambiente ecologicamente equilibrado está no catálogo dos direitos fundamentais e sua proteção é dever de todos, porquanto se tratar de bem jurídico de natureza indisponível, de fruição difusa e de titularidade intergeracional, segundo diretrizes traçadas pela Constituição Federal, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Esse dever, manifestado genericamente por condutas omissivas (não poluir) e comissivas (recuperar o dano), está gravado com a tríplice responsabilização ambiental (art. 225, §3º), de tal modo que As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Nessa linha, a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), pautada, dentre outros objetivos, em impor, ao poluidor e ao predador, a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, a de contribuir pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (art. 4ª, VII), assentou expressamente em seu texto que a responsabilização ambiental na esfera civil prescinde de culpa, sendo, portanto, de...

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