Acórdão Nº 0900020-44.2018.8.24.0081 do Terceira Câmara de Direito Público, 25-10-2022

Número do processo0900020-44.2018.8.24.0081
Data25 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900020-44.2018.8.24.0081/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: MUNICIPIO DE LAJEADO GRANDE (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face do Município de Lajeado Grande, objetivando compelir a municipalidade a promover a construção de uma creche, diante da ausência de vagas que atendessem a demanda existente para as crianças entre 0 a 3 anos de idade.

O pedido liminar foi deferido nos seguintes termos (Evento 3 - EPROC/PG):

Isso posto, defiro a liminar para, em consequência, determinar:

a) que o Requerido, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da intimação da presente decisão, providencie vagas em creche a todas as crianças do município de Lajeado Grande, com idade entre 0 a 3 anos, por meio da construção de uma creche municipal, respeitando-se as necessidades de turno (matutino e vespertino) e período (integral ou parcial) e a relação professor/criança estabelecida no art. 11 da Resolução n. 91/99 do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (ou norma que lhe substitua);

b) que o Requerido realize ampla divulgação pelos meios de comunicação, para que a liminar chegue ao conhecimento de todos.

Para o caso de descumprimento das medidas aplicadas ao Requerido, fixo a multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), até o limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser revertida ao de Lajeado Grande, por força das disposições contidas no art. 213, § 2.°, da Lei n. 8.069/90 e art. 11 da Lei 7.347/85.

O Município de Lajeado Grande apresentou contestação (Evento 13 - EPROC/PG).

Houve réplica (Evento 17 - EPROC/PG).

Em decisão, a preliminar de inépcia da inicial por impossibilidade jurídica do pedido foi afastada e o feito saneado, bem como intimadas as partes para especificarem as provas que pretendiam produzir (Evento 22 - EPROC/PG).

A parte autora requereu o julgamento antecipado da lide (Evento 26 - EPROC/PG).

O Demandado pugnou pela extinção do feito, sem julgamento de mérito, por perda do objeto, uma vez que cumpriu a liminar. Subsidiariamente, requereu a renovação do prazo para a especificação de provas (Evento 29 - EPROC/PG).

Afastou-se o argumento da perda do objeto e deferiu-se o pedido de renovação do prazo para especificação de provas, o qual, contudo, decorreu sem manifestação (Eventos 40 e 47 - EPROC/PG).

Ao final, o Magistrado singular julgou procedente o pedido da exordial (Evento 51 - EPROC/PG):

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial deduzido pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de Município de Lajeado Grande, para tornar definitiva a medida deferida liminarmente, condenando o requerido ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente em providenciar vagas em creche a todas as crianças do município de Lajeado Grande, com idade entre 0 a 3 anos, por meio da construção de uma creche municipal, no prazo de 180 dias, respeitando-se as necessidades de turno (matutino e vespertino) e período (integral ou parcial) e a relação professor/ criança estabelecida no art. 11 da Resolução n. 91/1999 do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (ou norma que lhe substitua), bem como realize a ampla divulgação pelos meios de comunicação, para que a informação chegue ao conhecimento de todos, sob pena de multa diária.

Para o caso de descumprimento das medidas aplicadas ao requerido, fixo a multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), até o limite de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser revertida ao município de Lajeado Grande.

O requerido é isento de custas processuais.

Deixo de fixar honorários advocatícios pela aplicação adequada do art. 18 da Lei n. 7.347/1985, que prevê somente a possibilidade de condenação na verba honorária do autor de ação civil pública no caso de comprovada má-fé. A despeito de essa norma ser dirigida à parte autora, a mesma regra deve ser aplicada à parte ré, pois, em face do princípio da isonomia processual, não tendo havido qualquer comportamento do qual pudesse ser inferida a má-fé, inviável condenação em honorários advocatícios.

Decisão sujeita ao reexame necessário.

Inconformado, o Município de Lajeado Grande interpôs Apelação Cível, na qual sustenta, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido e postula a extinção do processo sem julgamento do mérito. Alega, ainda, que a decisão viola o princípio da separação dos poderes, por afronta ao poder discricionário do administrador público e que a intervenção do Judiciário nos atos do Poder Executivo é medida de extrema excepcionalidade. Acrescenta que a execução da construção de uma creche, por importar despesa de verbas públicas, deve estar rigorosamente adstrita aos ditames da lei orçamentária. Por fim, postula pelo afastamento da multa fixada ou, em caso de manutenção da astreinte, pela redução do montante (Evento 57 - EPROC/PG).

Houve contrarrazões (Evento 66 - EPROC/PG).

Após, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça, a qual, em parecer da Procuradora de Justiça Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso de apelação, e, na extensão conhecida, pelo seu desprovimento, bem como pelo conhecimento da remessa necessária e parcial provimento, para fixar o prazo de 360 dias para cumprimento da obrigação imposta na ação (Evento 20 - EPROC/SG).

É o relatório.

VOTO

1. DA REMESSA NECESSÁRIA

O reexame necessário não merece ser conhecido.

Destaca-se que, a despeito da condenação do Município de Lajeado Grande, adota-se o entendimento no sentido de que o escopo da remessa necessária é assegurar que o interesse público seja sempre preservado, mesmo diante de eventual inércia dos órgãos estatais incumbidos de defendê-lo em juízo. O instituto, portanto, não é propriamente uma salvaguarda da Fazenda Pública, mas sim dos interesses por ela representados.

Com efeito, no caso particular da Ação Civil Pública, é o próprio Ministério Público quem atua em defesa do interesse público primário, ao passo que o Ente Público atua, em regra, em defesa do interesse público secundário.

Em tais casos, portanto, sujeitar a eficácia da sentença de total procedência em Ação Civil Pública à confirmação pelo Tribunal de Justiça privilegiaria o interesse puramente econômico da Fazenda Pública, em detrimento da tutela de bens e interesses difusos, o que certamente desvirtuaria a própria finalidade processual do reexame necessário.

À luz de tal perspectiva, cabe averiguar a pertinência do reexame necessário, na espécie, sob a ótica das normas aplicáveis à Ação Civil Pública.

Deveras, tem-se que a Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) e o Código de Processo Civil não exigem, literalmente, o reexame obrigatório das sentenças proferidas em sede de Ação Civil Pública, a exemplo da decisão ora reexaminada.

É bem verdade que, para a corrente majoritária do Superior Tribunal de Justiça, as disposições da Lei de Ação Popular referentes à remessa necessária aplicam-se às demais ações que...

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