Acórdão Nº 0900027-89.2016.8.24.0086 do Quinta Câmara Criminal, 26-05-2022

Número do processo0900027-89.2016.8.24.0086
Data26 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900027-89.2016.8.24.0086/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: NEI ARAUJO BIANCHINI FILHO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público de Santa Catarina com atuação na Vara Única da Comarca de Otacílio Costa ofereceu denúncia em face de Nei Araújo Bianchini Filho, dando-o como incurso nas sanções do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990, conduta esta que foi praticada por 07 (sete) vezes, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento n. 01):

"Inicialmente, cumpre esclarecer que o denunciado Nei Araújo Bianchini Filho era, ao tempo dos fatos narrados na denúncia, sócio-administrador da empresa Frigorífico Bianchini Ltda (conforme cláusula 11ª, fl. 22), empresa esta inscrita no CNPJ sob o n. 04.770.112/0001-82, estabelecida na Localidade Vila Aparecida, S/N, interior da cidade de Otacílio Costa-SC, CEP 88540-000, tendo por objetivo social "a distribuição e comércio varejista e atacadista de carnes de bovinos, suínos e ovinos em geral; entreposto de carnes e fábrica de conservas; frigorífico - abate de bovinos; frigorífico - abate de suínos e ovinos; matadouro - abate de reses para terceiros; transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, municipal, próprio e para terceiros; transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional, próprio e para terceiros; participação em outras empresas, como meio de realizar seu objeto social ou para beneficiar-se de incentivos fiscais" (conforme cláusula 3ª, fl. 20).

A cláusula gerencial assim estabelece: "Para administração da sociedade, fica investido o sócio Sr. Nei Araújo Bianchini Filho, que terá a designação de ADMINISTRADOR, ficando este investido, individualmente, de todos os poderes necessários para a sua representação ativa e passiva em todos os atos da vida civil e mercantil, bem como a realização de todos os atos necessários à efetivação da atividade da sociedade ora constituída" (fl. 22).

Administrando a empresa citada, o denunciado Nei Araújo Bianchini Filho tinha ciência e controle das transações e negócios realizados bem como responsabilidade legal pela apuração e recolhimento do ICMS devido, possuindo, assim, domínio integral do fato e responsabilidade pelo seu resultado, sendo, ainda, como sócio e administrador, o principal beneficiado dos lucros da atividade empresarial.

Nessa qualidade, o denunciado deixou de recolher, no prazo legal (10º dia do mês seguinte ao mês de apuração, conforme artigo 60 do Regulamento do ICMS/SC), o ICMS que integrou o preço da entrada no Estado de carnes bovinas e/ou bufalinas e suas miudezas comestíveis adquiridas de abatedor ou distribuidor estabelecido em outras Unidades da Federação, nos meses de maio a agosto e dezembro de 2013 e janeiro a fevereiro de 2014, apropriandose, dessa forma, de valores recolhidos que deveriam ser entregues ao Estado de Santa Catarina, destinatário final do tributo.

Conforme artigo 60, § 1º, inciso II, alínea "c" do Regulamento do ICMS:

[...]

Por tal infração fiscal e penal, os Auditores Fiscais de Tributos Estaduais Ingon Luiz Rodrigues e Valdir Sebastiani lavraram contra a citada empresa a Notificação Fiscal n. 156030011738 (R$ 9.277,15), com a apuração do imposto devido, multa fiscal e juros de mora, montante este que até a presente data não foi devolvido ao Fisco.

As apropriações realizadas pelo denunciado Nei Araújo Bianchini Filho podem ser delineadas conforme a tabela abaixo, tomando por parâmetro o período de apuração e a data limite para repasse do montante recebido ao Fisco:

[...]

A infração fiscal foi apurada através da análise das Declaração de ICMS e do Movimento Econômico - DIMEs - fornecidas pelo próprio contribuinte, elementos estes trazidos às fls. 49/70 dos autos.

A Notificação Fiscal objeto desta, lavrada pelo fisco, e que respalda a materialidade da presente denúncia, indica, pelo ICMS declarado pelo denunciado, a criminosa e continuada apropriação do total de R$ 5.557,32 (cinco mil, quinhentos e cinquenta e sete reais e trinta e dois centavos) do ICMS que deveria ser recolhido aos cofres públicos nos períodos acima mencionados, isso em valores históricos, os quais importavam, com os acréscimos legais decorrentes de correção monetária, multa fiscal e juros, à época da emissão da notificação fiscal de fl. 02, o total de R$ 9.277,15 (nove mil, duzentos e setenta e sete reais e quinze centavos).

Tais valores, trazidos para a data atual, em consulta realizada ao SAT no dia 15 de abril de 2016 registravam o montante da dívida tributária em R$ 9.997,38 (nove mil, novecentos e noventa e sete reais e trinta e oito centavos), conforme atualização do débito de fl. 73."

A denúncia foi recebida em 04 de julho de 2016 (evento n. 05), o réu foi citado por edital (evento n. 48) e, após, pessoalmente (evento n. 88) e apresentou defesa (eventos n. 93 e 102), por intermédio de defensor constituído.

A defesa foi recebida e, não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 109).

Durante a instrução, foi inquirida uma testemunha; após, foi realizado o interrogatório do réu (mídias e termo de audiência anexados nos eventos n. 125, 126, 142 e 149).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais orais, sobreveio sentença (evento n. 153), nos seguintes termos:

"DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal e, em consequência, CONDENO Nei Araújo Bianchini Filho ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviço à comunidade, pelo mesmo tempo da pena, à razão de uma hora por dia de condenação, relegando-se à fase da execução penal a escolha das entidades beneficiadas; além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática de crimes de apropriação indébita tributária, por sete vezes, em continuidade delitiva (art. 2º, II, da Lei n. 8137/90 c/c art. 71 do Código Penal)." (grifos originais).

Não resignado, o réu interpôs recurso de apelação (evento n. 163), postulando em razões (evento n. 170) a absolvição, sob o argumento de que o conjunto probatório não indica que houve contumácia, tampouco dolo de apropriação do tributo, o que, no seu entender, afasta a tipicidade do crime pelo qual foi condenado.

Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 178), e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes (evento n. 10, dos autos de segundo grau), opinando pelo conhecimento e não provimento do recurso.

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Consoante sumariado, cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Nei Araújo Bianchini Filho contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da comarca de Otacílio Costa, que julgou procedente a denúncia para condená-lo ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direito, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática de crimes de apropriação indébita tributária, por sete vezes, em continuidade delitiva (artigo 2º, inciso II, da Lei nº. 8137/1990 c/c artigo 71 do Código Penal).

O apelante almeja a absolvição, sob o argumento de que o conjunto probatório não indica que houve contumácia, tampouco dolo de apropriação do tributo, o que, no seu entender, afasta a tipicidade do crime pelo qual foi condenado.

Adianta-se, as teses defensivas não merecem acolhimento.

O artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, é assim disposto:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...] II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

[...]Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa".

Acerca do tipo penal em comento, leciona Luiz Régis Prado:

"Deixar de recolher equivale a não depositar, não pagar, a reter indevidamente a quantia descontada ou cobrada do contribuinte. Consagra-se aqui a previsão de um dever jurídico a ser observado pelo sujeito passivo tributário, cujo descumprimento configurará um delito omissivo impróprio. Trata-se de conduta que deveria ter sido observada pelo responsável legal tributário (arts. 121, II, e 128, CTN) e não o foi (v. g., retenção de imposto de renda na fonte pelo empregador quando do pagamento de salário).O prazo legal para configuração do tipo é fixado em lei tributária, o que caracteriza a presente disposição como norma penal em branco, já que para a subsunção da conduta ao tipo é necessária a remissão a outras regras do ordenamento jurídico. [...] A cobrança consiste na exigência feita pelo credor ao devedor para o cumprimento da prestação que constitui o objeto da relação jurídica de caráter obrigacional estabelecida entre eles. É uma obrigação...

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