Acórdão Nº 0900030-93.2018.8.24.0144 do Primeira Câmara de Direito Público, 20-07-2021

Número do processo0900030-93.2018.8.24.0144
Data20 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0900030-93.2018.8.24.0144/SC



RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU


APELANTE: JEFERSON VEIGA (RÉU) ADVOGADO: MARINA GABRIELA SORO MELO (OAB SC049524) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Jeferson Veiga interpôs recurso de apelação cível contra sentença proferida nos autos da ação civil pública movida pelo Minstério Público Estadual.
A decisão guerreada julgou procedente o pedido de proibição de atuação do recorrente, no exercício da profissão de optometrista, na atividade de prescrição de órteses e próteses oculares.
Irresignado, sustenta que: a) o magistrado aplicou ao caso concreto legislação regulamentadora que data do ano de 1932, época em que se visava impedir a atuação irregular dos chamados "práticos" na ciência da acuidade visual; b) desde a referida regulamentação, os avanços tecnológicos e as demandas sociais fizeram surgir os cursos técnicos e universitários de optometristas, enquanto ciência que oferta os primeiros cuidados ao paciente, preocupada com a qualidade da visão e não com qualquer aspecto médico; c) o atual optometrista não se confunde com o antigo prático, havendo agora uma profissão regulamentada, com oferta de cursos certificados pelo MEC e programa educacional voltados para qualidade visual; d) não há como declarar a impossibilidade de avaliação da necessidade de utilização, pelo paciente, de órteses e próteses que garantam a eficiência visual; e) referida conclusão fora reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual declarou que a regulamentação fora tacitamente revogada pela Lei do Ato Médico, a qual não prescreveu entre as atividades privativas do médico a prescrição de órteses e próteses oftalmológicas; f) tendo em conta o princípio da liberdade profissional, e considerando a inexistência de vedação legal expressa ao exercício pleno da profissão de optometrista, entende que o apelo deve ser provido.
Assim, pede o provimento do recurso, com o reconhecimento da possibilidade de atuar na prescrição de órteses e próteses oftalmológicas, com a reforma integral da decisão recorrida.
Contrarrazões no evento 89, pugnando pela manutenção da sentença.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Durval da Silva Amorim, manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto.
Este é o relatório

VOTO


De largada, registra-se a necessidade de julgar o feito o quanto antes, pois a sentença obsta prática profissional, que subentende-se qualificar o próprio sustento do apelante ou até de sua eventual família. Em casos tais, o julgamento deve dar-se desde logo, dirimindo-se a matéria, a fim de que a insegurança e a dúvida pairem diante dessa delicado acervo fático-jurídico que impregna os autos.
Pois bem.
Da inicial detonada pelo Ministério Público colhem-se os seguintes fatos que levaram ao pedido de proibição de atividade profissional e que desaguou, como se vê, na sentença objurgada (evento 1, petição 1, autos originários):
No dia 14 de julho de 2017, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia CBO protocolou uma representação nesta Promotoria de Justiça, na qual noticiava que o optometrista Jeferson Veiga estava praticando atividade exclusiva de médico em seu consultório situado na Rua 7 de Setembro, n. 17, 2o andar, Centro, Laurentino/SC e, portanto, contrariando a legislação vigente.
Com efeito, a referida entidade relatou que os optometristas, classe a qual pertence o requerido, pretendem realizar diagnóstico nosológico, mesmo sem possuir qualquer formação científica ou autorização legal, bem como realizar procedimentos médicos complexos como exame de refração e a adaptação de lentes de contato. Em documento anexo, o representante juntou um receituário de avaliação refrativa subscrito pelo demandado.
Assim, tendo em vista a necessidade de averiguar os fatos e identificar precisamente as condutas perpetradas pelo representado, especialmente a fim de verificar se adentravam ou não na esfera da atribuição médica e balizar as providências a serem todas, esta Promotoria de Justiça instaurou o Inquérito Civil n. 06.2017.00004258-9 (cópia anexa a esta exordial).
(...)
Após a instauração do Inquérito Civil Público o Ministério Público entabulou Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, com o ora apelante, promovendo o arquivamento do ICP. Submetida a promoção de arquivamento ao Conselho Superior do Ministério Público, foi ela recusada, uma vez que o TAC proposto autorizava, expressamente, o signatário a prescrever óculos e adaptar lentes de contato, o que não é permitido ao profissional optometrista. Isso porque, consoante o entendimento do Egrégio Conselho, inclusive pelo órgão pleno, o profissional optometrista só possui habilitação profissional para fabricar e vender lentes de grau mediante prescrição médica e não pode realizar exames, diagnosticar doenças oculares e receitar uso de lentes, pois tais atos são privativos de médico oftalmologista, segundo diz o autor da ação.
Assim, referido Conselho ministerial designou promotora substituta para dar encaminhamento no procedimento, resultando no imbróglio que ora se vê a solucionar.
Proposta a realização de novo TAC, foi ele recusado pelo ora apelante, já que vedadas, em absoluto, as práticas exclusivas dos profissionais de oftalmologia.
Ajuizada a ação coletiva, chegou-se ao atual estado do feito, para exame da apelação do demandado.
Conquanto exista alguma dissonância nesta Corte acerca do tema, verificada em julgados pontuais, há posição a qual se propõe aderência e, pensa-se, reflete a melhor solução para o caso concreto. Refere-se, no ponto, à decisão da lavra do eminente Des. Jaime Ramos, proferida nos autos da pelação Cível n. 0503842-10.2013.8.24.0008. Colaciona-se a ementa:
APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. PLEITO DE ALVARÁ SANITÁRIO DO MUNICÍPIO NEGADO. TÉCNICO OPTOMETRISTA. PROFISSÃO AINDA NÃO REGULAMENTADA. EXERCÍCIO PERMITIDO COM AS RESTRIÇÕES ESTABELECIDAS NOS DECRETOS N. 20.931/1932 E 24.492/1934 QUE AINDA ESTÃO EM VIGOR E FORAM RECEPCIONADOS PELA ATUAL ORDEM CONSTITUCIONAL COM FORÇA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE INSTALAR CONSULTÓRIO COM EQUIPAMENTOS DE USO EXCLUSIVO MÉDICO, DE PRESCREVER LENTES DE GRAU E DE CONFECCIONAR E VENDER LENTES DE GRAU SEM PRESCRIÇÃO MÉDICA. RESSALVA JÁ FEITA NA SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM. CONFIRMAÇÃO DESSA PARTE. ORDEM JUDICIAL QUE NÃO ABRANGE OUTRAS EXIGÊNCIAS NORMATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A EMISSÃO DO ALVARÁ SANITÁRIO. ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO. RECURSO E REMESSA PARCIALMENTE PROCEDENTES PARA ISSO. Não se pode negar ao optometrista ou tecnólogo em optometria, técnico ou de nível superior, o exercício da profissão, ainda que não esteja bem regulamentada. Todavia, nos termos dos arts. 38 e 39, do Decreto Federal n. 20.931/32, a eles é vedado instalar consultório para atendimento de clientes, bem como prescrever lentes de grau e confeccionar e vender lentes de grau sem a correspondente prescrição médica, já que tais atividades por enquanto são exclusivas do médico oftalmologista. "1. Suspenso o ato normativo que revogou os dispositivos dos Decretos 20.931/32 e 24.492/34 que regulam a atividade profissional de optometria (Decreto 99.678/1990) pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal, seguem em vigor as normas originais. Precedentes: AgInt no REsp. 1.369.360/SC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 24.8.2017; REsp. 1.261.642/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 3.6.2013; MS 9.469/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 5.9.2005. "2. Importa ressaltar que não se trata aqui de repristinação dos Decretos, já que, declarada a inconstitucionalidade formal da lei revogadora, reconhece-se a vigência 'ex tunc' da norma anterior tida por revogada. "3. Agravo Interno do Particular desprovido." (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 440.940/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018). A concessão de mandado de segurança para concessão de Alvará Sanitário para o exercício da profissão de optometrista com as restrições dos Decretos Federais n. 20.931/1932 e 24.492/1934, é restrita ao âmbito do pedido, não se estendendo a outros empecilhos normativos ou administrativos, como, por exemplo, a falta de condições de acessibilidade no estabelecimento da parte impetrante. (TJSC, Apelação Cível n. 0503842-10.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 19-02-2019).
É bem verdade que o STF dirimiu parte da questão na ADPF 131, vazada nos seguintes termos:
Ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Artigos 38, 39 e 41 do Decreto 20.931/32 e artigos 13 e 14 do Decreto 24.492/34. 3. Optometristas com atuação prática mitigada. Proibição de instalação de consultórios e procedência na avaliação de acuidade visual de pacientes. Vedação à confecção e comercialização de lentes de contato sem prescrição médica. 4. Limitações ao exercício da profissão. Supostas violações aos art. 1º, incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV (livre iniciativa, isonomia e liberdade ao exercício de trabalho, ofício e profissão); art. 3º, inciso I; art. 5º, caput, incisos II, XIII, XXXV, LIV, LVI, §§1º e 2º; art. 60, § 4º, inciso IV (segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade); art. 6º, caput, e art. 196 (direito à saúde, no que tange à prevenção), todos da Constituição Federal. 5. Incidência do art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988. Reserva legal qualificada pela necessidade de qualificação profissional. Atividade com potencial lesivo. Limitação por imperativos técnico-profissionais, referentes à saúde pública. Ausência de violação à liberdade profissional, à proporcionalidade e à razoabilidade. Ponderação de princípios promovida pelo legislador. Inexistência de violação à preceito fundamental. 6. Normas recepcionadas pelas Constituições posteriores às legislações e pela Constituição...

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