Acórdão Nº 0900033-59.2018.8.24.0011 do Terceira Câmara Criminal, 22-09-2020

Número do processo0900033-59.2018.8.24.0011
Data22 Setembro 2020
Tribunal de OrigemBrusque
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0900033-59.2018.8.24.0011, de Brusque

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Apelação Criminal. Crime contra a ordem tributária. Não recolhimento de icms (art. 2º, II, da lei n. 8.137/90, por sete vezes, na forma do art. 71, caput, do Código penal). Sentença condenatória. Recurso da defesa.

Preliminares. 1. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL. DÍVIDA DE NATUREZA TRIBUTÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM DE NATUREZA CIVIL. INADIMPLEMENTO QUE PREJUDICA TODA A COLETIVIDADE ELEVADO À CATEGORIA DE CRIME. AFRONTA À CARTA MAGNA OU AO PACTO INTERNACIONAL INEXISTENTE. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL.

"[...] I - O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria debatida nos presentes autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte, no sentido de que os crimes previstos na Lei 8.137/1990 não violam o disposto no art. 5º, LXVII, da Constituição. II - Julgamento de mérito conforme precedentes. III - Recurso extraordinário desprovido" (STF/ARE 999425 RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/03/2017).

2. INÉPCIA DA DENÚNCIA. VÍCIO INEXISTENTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS PELO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA QUE DESCREVE DE FORMA PORMENORIZADA E COERENTE A CONDUTA DO ACUSADO. INICIAL ACUSATÓRIA QUE POSSIBILITOU O EXERCÍCIO PLENO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ADEMAIS, COM A PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA FICA ESGOTADO O TEMA, TENDO EM CONTA QUE HOUVE PRÉVIA E AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA NÃO SÓ PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, QUANTO PARA CONDENAÇÃO. PREFACIAL RECHAÇADA. 3. PLEITO PELA SUSPENSÃO DO CURSO DA DEMANDA ATÉ A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO À MATÉRIA DISCUTIDA. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO REALIZADO PENDENTE DE PUBLICAÇÃO. MANUTENÇÃO DO RECONHECIMENTO DA CONDUTA, UMA VEZ QUE HOUVE O ADIMPLEMENTO PELO CONSUMIDOR, COMPETINDO AO COMERCIANTE O RECOLHIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS DA VERBA.

Pleito de absolvição por atipicidade da conduta. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. TRIBUTO INDIRETO, INCLUÍDO NO PREÇO DA MERCADORIA COMERCIALIZADA OU NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. IMPOSTO PAGO PELO CONSUMIDOR, SENDO O COMERCIANTE MERO REPASSADOR DOS VALORES AO FISCO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUE SE SUBSUME AO TIPO PENAL DO ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990. CONDUTA TÍPICA. DÍVIDA DE NATUREZA TRIBUTÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM DE NATUREZA CIVIL. INADIMPLEMENTO QUE PREJUDICA TODA A COLETIVIDADE ELEVADO À CATEGORIA DE CRIME. DECISÃO CONDENATÓRIA MANTIDA (STF/ARE 999425 RG, J. EM 02/03/2017).

ALEGAÇÃO DA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. MÁ SITUAÇÃO ECONÔMICA DA EMPRESA QUE NÃO EXCLUI O COMPORTAMENTO ILÍCITO DO ACUSADO. RECUSA AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DEFINIDA EM LEI. DOLO GENÉRICO CARACTERIZADO. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA.

Dosimetria. 1. Almejada redução da reprimenda em decorrência da atenuante da confissão espontânea. Magistrado a quo que levou em consideração a nominada atenuante durante a imposição da reprimenda. Ausência de interesse recursal. Não conhecimento. 2. Pleito pela redução do valor arbitrado a título de prestação pecuniária. Cabimento. Ausência de fundamentação para a fixação acima do mínimo previsto no art. 45, § 1º, do código penal. Redução da pena substitutiva para 1 (um) salário mínimo.

Recurso parcialmente conhecido e provido em parte.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0900033-59.2018.8.24.0011, da comarca de Brusque (Vara Criminal) em que é Apelante José Augusto Guireli e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer em parte o apelo e, afastadas as preliminares, dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 22 de setembro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão.

Florianópolis, 02 de outubro de 2020

Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Relator e Presidente


RELATÓRIO

Na comarca de Brusque, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra José Augusto Guireli, dando-o como incurso nas sanções previstas no art. 2º, inciso II, da Lei N. 8.137/90 c/c art. 71 do Código penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

Infere-se dos documentos que instruem o procedimento supramencionado, que o denunciado, na época dos fatos, era sócio e administrador da empresa RICCELI COMÉRCIO DE CONFECÇÕES LTDA EPP (fl. 55), CNPJ n. 00.948.341/0001-93 e Inscrição Estadual n. 25.340.420-7, estabelecida, no período de ocorrência dos crimes, na Rua Willy Francisco Maestri n. 100, galpão, bairro Centro, Botuverá/SC, que tem por objeto social o descrito na Cláusula Terceira do Contrato Social Consolidado (fl. 54).

Dessa forma, o denunciado era responsável pela direção e gerência da empresa, tendo ciência e controle das transações e negócios realizados, bem como responsabilidade legal e fática pela regularidade fiscal.

Além da administração geral da empresa, determinava os atos de escrituração fiscal e era responsável pela apuração e recolhimento do ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação devido.

Quaisquer vantagens ou benefícios obtidos pela empresa, mesmo os de origem ilícita, eram aproveitados diretamente pelo denunciado.

Em procedimento rotineiro, a Fiscalização de Tributos Estaduais constatou que, apesar de ter apresentado as Declarações de Informações do ICMS e Movimento Econômico - DIMEs à Secretaria da Fazenda, o denunciado, no período de julho de 2015 a janeiro de 2016, não recolheu aos cofres públicos, no prazo determinado pelo art. 60 do RICMS/01, os valores apurados e declarados.

Em razão disso, o Fisco Estadual, em 06/04/2016 emitiu o Termo de Inscrição em Dívida Ativa n. 16000767740, juntado às fls. 14/15, que apresenta o seguinte código da infração: "1018 - Conta Corrente - Falta de Recolhimento de ICMS declarado pelo próprio sujeito passivo - Inscrição Direta em Dívida Ativa".

As Declarações do ICMS e do Movimento Econômico - DIMEs que originaram o mencionado Termo de Inscrição em Dívida Ativa estão juntadas às fls. 18/40 do procedimento anexo.

Em relação a apuração do imposto devido, cabe ressaltar que, nos termos do art. 53 do Regulamento do ICMS/2001, "o imposto a recolher será apurado mensalmente, pelo confronto entre os débitos e os créditos escriturados durante o mês, em cada estabelecimento do sujeito passivo".

O art. 60 do RICMS/2001 determina que, ressalvadas as hipóteses que enumera, "o imposto será recolhido até o 10º (décimo) dia após o encerramento do período de apuração".

O art. 168 do Anexo 5 do RICMS/2001 dispõe que os estabelecimentos encaminharão em arquivo eletrônico, enviado pela internet, a Declaração de Informações do ICMS e Movimento Econômico - DIME, que se constituirá no registro dos lançamentos constantes do livro Registro de Apuração do ICMS, dos demais lançamentos fiscais relativos ao balanço econômico e dos créditos acumulados, referentes às operações e prestações realizadas em cada mês.

Consoante se pode constatar do objeto do Termo de Inscrição em Dívida Ativa, apesar de terem sido devidamente escrituradas as operações tributáveis da empresa, o administrador acima relacionado ao atuar no comando da empresa não realizou e nem determinou o pagamento devido dos tributos nas datas de vencimento, ou seja não adimpliu a obrigação tributária lesando, consequentemente, os cofres públicos.

Ora, como é sabido, o ICMS é pago pelo consumidor, sendo o comerciante simples repassador do imposto gerado ao Estado, razão pela qual é classificado como imposto indireto e seu recolhimento é obrigação acessória do contribuinte.

Portanto, considerando que o denunciado detinha os valores, mas optou pelo não repasse ao Estado-SC, resta evidenciado que agiu com manifesto dolo nesta omissão no pagamento do tributo.

DOS VALORES TRIBUTÁRIOS DEVIDOS

Os valores devidos referentes ao Termo de Inscrição em Dívida Ativa n. 16000767740, computando-se a multa e os juros até a data em que foi emitida, totalizam R$153.070,05 (fl. 14).

Salienta-se que, em 18/07/2016, o denunciado ingressou em programa de parcelamento do débito tributário junto à Secretaria de Estado da Fazenda, no entanto, após efetuar o pagamento de oito parcelas, deixou de adimplir as demais, o que ensejou, em 05/06/2017, no cancelamento do mesmo (fls. 72/76).

O referido valor foi atualizado em 12/01/2018 e corresponde ao total de R$164.873,89 (cento e sessenta e quatro mil oitocentos e setenta e três reais e oitenta e nove centavos), conforme consulta extrato S@t de fl. 71.

DA NÃO QUITAÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS

De acordo com o registro no Sistema de Administração Tributária - S@t, da Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, os valores correspondentes aos crimes ora narrados não foram pagos até o momento (extrato de fl. 71 do procedimento anexo).

DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

O denunciado, por ter deixado de recolher ao Erário, no prazo legal, valor do tributo ICMS descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, praticou, de forma dolosa, por sete vezes, o crime previsto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, na forma continuada (art. 71 do Código Penal) (p. 77-81).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado à pena de 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 2º, inciso II, da Lei. n. 8137/90 c/c art. 71 do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direito, a saber, prestação pecuniária no valor de 15 (quinze) salários...

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