Acórdão Nº 0900039-69.2017.8.24.0086 do Quarta Câmara de Direito Público, 12-05-2022

Número do processo0900039-69.2017.8.24.0086
Data12 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualRemessa Necessária Cível
Tipo de documentoAcórdão
Remessa Necessária Cível Nº 0900039-69.2017.8.24.0086/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

PARTE AUTORA: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PARTE RÉ: MUNICÍPIO DE PALMEIRA/SC PARTE RÉ: OSNI FRANCISCO DE SOUSA

RELATÓRIO

Na comarca de Otacílio Costa, Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou "ação civil pública por ato de improbidade administrativa" contra Osni Francisco de Sousa.

À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 50 - 1G):

Perante este Juízo, o representante do Ministério Público de Santa Catarina, no uso de suas atribuições legais, propõe "ação civil pública por ato de improbidade administrativa" em face de Osni Francisco de Sousa alegando, em síntese, que ele, na condição de então prefeito do Município de Palmeira, violou princípios da Administração Pública ao utilizar recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA) no exercício de 2011 para a manutenção do Conselho Tutelar, inclusive o pagamento da remuneração dos Conselheiros Tutelares.

Citado, o réu oferece resposta em forma de contestação (fls. 562-566) sustentando, em suma, a absoluta ausência de consciência e vontade (elementos do dolo) na prática do ato em questão, não sendo justa sua condenação pelo aventado ato ímprobo.

Pede a improcedência do pleito.

Há juntada de documentos (fls. 14-520); recebimento da inicial (fls. 547-550); contestação (fls. 562-566); impugnação à contestação (fls. 571-572); decisão saneadora (fls. 573-574); e audiência de instrução (fls. 583-584).

É relatório possível e necessário.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos seguintes termos (Evento 50 - 1G):

Assim, quer pelo expressamente consignado nesta decisão, quer por tudo que do seu teor decorre, JULGO IMPROCEDENTE o pleito inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Sem custas ou honorários de sucumbência.

Com ou sem recurso, ao TJSC para reexame necessário.

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça para análise da remessa necessária.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento da remessa (Evento 15 - 2G).

É o relatório.

VOTO

A actio em testilha alçou a este Pretório em razão da aplicação, por analogia, do disposto no artigo 19 da Lei n. 4.717/1965 (Cf. EREsp 1220667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/05/2017, DJe 30/06/2017).

Contudo, a remessa necessária não deve ser conhecida.

A temática foi objeto de análise do eminente Desembargador Pedro Manoel Abreu, por ocasião do julgamento da Remessa Necessária Cível n. 0910214-59.2013.8.24.0023, e que, pela magnificência da fundamentação, reproduzo:

Inicialmente, deve-se indagar se é possível ou não, conhecer do reexame, por conta da supressão dessa figura jurídica, nos casos de improcedência do pedido inicial, havida na Lei n. 14.230/2021, que modificou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa. O signatário, tão logo tomou conhecimento do advento da nova Lei, encetou exercício interpretativo, pois inicialmente tendia a não admitir a supressão da remessa a sentenças proferidas antes do advento da novel norma.

Na espécie, entendia o signatário que a natureza da LIA não recebia os influxos dos preceitos oriundos do ordenamento jurídico penal, notadamente as chamadas cláusulas de garantia, tais como a retroatividade da norma penal mais benigna, a indivisibilidade da ação penal, entre outros. Havia, no âmbito do STJ, um indicativo claro de que tais preceitos não se aplicariam. Observe-se, por exemplo, da indivisibilidade da ação penal:

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPUTAÇÃO DE FRAUDE LICITATÓRIA. ELETROSUL CENTRAIS ELÉTRICAS S/A. CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS CUJOS SÓCIOS GUARDAVAM RELAÇÃO DE PARENTESCO COM O DIRETOR-EXECUTIVO DA SOCIEDADE ANÔNIMA. ALEGAÇÃO DE INDEVIDO FRACIONAMENTO DA LICITAÇÃO COM VISTAS AO DIRECIONAMENTO DO CERTAME. EXCLUSÃO, NO CURSO DO PROCESSO, DOS INTEGRANTES DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO, DECRETANDO-SE, EM RELAÇÃO A ESSES, A ABSOLVIÇÃO, POR AUSÊNCIA DE CULPA E DOLO, NOTADAMENTE PORQUE NÃO TINHAM CONHECIMENTO DO VÍNCULO HAVIDO. DECRETO DE IMPROCEDÊNCIA GERAL DA AÇÃO, COMO RESULTADO FINAL DA DEMANDA, POR AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS CARACTERIZADORES DO ATO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO, NO APELO MINISTERIAL, CONTRA A ABSOLVIÇÃO DOS RESPONSÁVEIS DIRETOS PELO CERTAME ATACADO. PROVA QUE ERA CRUCIAL À DEMONSTRAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE, DE ESTABELECER O LIAME SUBJETIVO COM O DIRETOR-EXECUTIVO DA COMPANHIA, QUANDO OS AGENTES DIRETAMENTE ENVOLVIDOS FORAM INOCENTADOS POR AUSÊNCIA DE DOLO, E, AO MENOS, DE CULPA, PELOS ATOS PRATICADOS. INDÍCIOS ESMAECIDOS PELA ABSOLVIÇÃO ANTERIOR, QUE NÃO CONTOU COM A IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL DEDUZIDA NO APELO. AÇÃO DE IMPROBIDADE QUE, EMBORA NÃO SE SUBMETA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE, COMO OCORRE NAS AÇÕES PENAIS, NÃO TOLERA QUE CERTOS AGENTES PÚBLICOS PÚBLICOS ENVOLVIDOS NA MESMA CADEIA DE FATOS ADMINISTRATIVOS SEJAM ABSOLVIDOS, POR AUSÊNCIA DE CULPA E DOLO E OUTROS SEJAM CONDENADOS, SALVO SE INDEPENDENTES AS CONDUTAS, O QUE, NA ESPÉCIE, NÃO SE VERIFICA. RECURSO DESPROVIDO.POR FORÇA DE ORIENTAÇÃO PRETORIANA FORMADA NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, O PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL NÃO SE APLICA ÀS AÇÕES DE IMPROBIDADE, DE MODO QUE O AUTOR NÃO CARECE ARROLAR TODOS OS RÉUS NA MESMA AÇÃO, DADO QUE PODEM SER DENUNCIADOS ULTERIORMENTE (STJ, AGINT NO RESP 1666533/MG, REL. MINISTRO HERMAN BENJAMIN).TODAVIA, QUANDO DENUNCIADOS TODOS OS RÉUS DIRETA OU INDIRETAMENTE ENVOLVIDOS NA CADEIA DE ATOS ADMINISTRATIVOS TIDOS POR ÍMPROBOS, NÃO SENDO TAIS ATOS INDEPENDENTES OU ISOLADOS, E OS RESPONSÁVEIS DIRETOS PELA PRÁTICA DO ATO SÃO INOCENTADOS NO CURSO DO PROCESSO, POR AUSÊNCIA DE CULPA OU DOLO, ELEMENTOS SUBJETIVOS SEM OS QUAIS NÃO SE TEM IMPROBIDADE, NÃO HÁ DÚVIDA DE QUE ESSE RESULTADO, FRUTO DA AUSÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO DO PRÓPRIO AUTOR DA AÇÃO NO RECURSO DE APELAÇÃO, INFLUENCIA NA ABSOLVIÇÃO DAQUELES CONSIDERADOS RESPONSÁVEIS INDIRETOS PELA PRÁTICA DO ATO ILÍCITO, POSTO QUE, SEM A AÇÃO DOS PRIMEIROS, NÃO SERIA POSSÍVEL REALIZAR OS ATOS PERSEGUIDOS NA DEMANDA. (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0023605-43.2012.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Pedro Manoel Abreu, Primeira Câmara de Direito Público, j. 19-10-2021).

O próprio STJ já orientava ao distanciamento entre a esfera da improbidade administrativa e a esfera penal. Observe-se, daquela Corte:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AUTONOMIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM RELAÇÃO ÀS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 07/STJ. INCIDÊNCIA.ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.DESCABIMENTO.I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Não existência de omissão, contradição ou obscuridade.III - O acórdão recorrido adotou entendimento consolidado nesta Corte, segundo o qual, por não possuir natureza penal ou administrativa, a ação de improbidade é autônoma em relação a tais instâncias, não configurando óbice ao processamento da presente demanda a existência de processo administrativo ou ação penal em trâmite, não havendo que se falar, portanto, em ofensa aos apontados arts. 489, § 3º, 503, 505 e 927, V, do Código de Processo Civil de 2015, tampouco ao art. 65 do Código de Processo Penal.IV - Rever o entendimento do tribunal de origem, com o objetivo de acolher a pretensão recursal para reconhecer a rejeição sumária da inicial da ação civil pública, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 07/STJ.V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.VII - Agravo Interno improvido.(AgInt no REsp 1879576/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2021, DJe 12/08/2021)

Em princípio, o reexame necessário é uma figura de natureza processual, cujas alterações legislativas se aplicariam de imediato, ressalvados os atos já praticados ao tempo da norma anterior (tempus regit actum). Assim, como qualquer outra norma processual, se a sentença houvesse sido proferida antes do advento da Lei n. 14.230, de 25.10.2021, aplicar-se-ia a ela a regra do reexame, de modo que somente passaria em julgado após sua confirmação, por esse Tribunal.

No caso dos autos, de fato, a sentença de improcedência do pedido data de julho, e se fossem consideradas apenas essas disposições legais, ter-se-ia que conhecer do reexame.

Todavia, o legislador foi mais além na Lei n. 14.230/2021 e, de certa forma, impôs uma radical modificação no entendimento pretoriano, que atestatava, até então, a natureza extrapenal da Lei n. 8.429/92. Com a modificação advinda do art. 17-D, da Lei n. 14.230/2021, impôs o legislador a todos os tribunais pátrios, a ideia da natureza sancionadora da Lei de...

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