Acórdão Nº 0900040-36.2018.8.24.0016 do Quarta Câmara Criminal, 12-03-2020

Número do processo0900040-36.2018.8.24.0016
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemCapinzal
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0900040-36.2018.8.24.0016, de Capinzal

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 2°, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90), EM CONTINUIDADE DELITIVA, POR TRÊS VEZES - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA ACUSAÇÃO.

PRELIMINAR - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM - POSSIBILIDADE DE SE PROPOR ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - NÃO CABIMENTO - NORMA BENÉFICA QUE VISA IMPEDIR O INÍCIO DA AÇÃO PENAL - CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DESDE QUE CUMPRIDOS OS REQUISITOS - FRAGMENTARIEDADE DESTA SEARA CRIMINAL OBSERVADA - TRATATIVA CABÍVEL PARA PROCESSOS NÃO SENTENCIADOS ATÉ A ENTRADA EM VIGOR DA LEI - CASO EM TELA NÃO AGRACIADO.

I - O acordo de não persecução criminal disciplinado no Código de Processo Penal em seu art. 28-A, em reprise ao já sistematizado na Resolução n. 181/2017, do CNMP, enseja a promoção de arquivamento da investigação quando o Ministério Público celebra acordo com o investigado, desde que cumprido requisitos legais, mitigando o princípio da obrigatoriedade da ação penal a fim de aprimorar, sem dúvida, o modelo consensual da Justiça Criminal.

II - Considerado como uma causa extintiva da punibilidade do réu, a sua oferta pelo Ministério Público deve retroagir para beneficiar o réu, haja vista a natureza mista de norma processual penal e norma penal, vedado, contudo, a litígios com sentença proferida até a entrada em vigor da lei.

PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO - AFASTAMENTO - MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES - EMPRESÁRIA QUE DEIXA DE RECOLHER ICMS AOS COFRES PÚBLICOS EM TRÊS OPORTUNIDADES - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO TRIBUTO QUE TIPIFICA O CRIME - DECLARAÇÃO NA DIMES QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO DE RECOLHER O TRIBUTO - MERO INADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO NÃO CONFIGURADO - PRECEDENTES - DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA QUE NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE DA RÉ NA ÉPOCA DOS FATOS

I - O crime de sonegação fiscal, tipificado no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, ocorre quando o agente que, como contribuinte de direito, declara o valor do ICMS, mas não o recolhe aos cofres públicos, aquilo que lhe é devido por força de lei.

II - Em sede de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal firmou o Tema n. 937, declarando a constitucionalidade do "tipo previsto no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por não se figurar a conduta nele descrita como mero ilícito civil".

III - Eventual dificuldade financeira sofrida pela empresa não constitui fundamento idôneo para afastar a culpabilidade do administrador, uma vez que o ICMS é imposto indireto, cabendo à empresa (contribuinte de direito) tão somente a função de arrecadar e repassar os valores ao Fisco (TJSC, AC 0010808-97.2015.8.24.0033, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 16.08.2018).

PEDIDO DE SUSPENSÃO DA DEMANDA - TRAMITAÇÃO DO RHC N. 163334, PERANTE O STF - NÃO ACOLHIMENTO - MATÉRIA JÁ ANALISADA E FIRMADA TESE DE TIPICIDADE DA CONDUTA.

Ainda que não transitada a questão, a matéria já foi analisada pelo pleno do referido Supremo Tribunal Federal e, em 18.12.2019, por maioria, negou-se provimento ao Recurso Ordinário, nos termos do voto do Relator, fixando a tese de que "o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990".

CONEXÃO COM OUTRO FEITO - ALMEJADA REUNIÃO - IMPOSSIBILIDADE - DEMANDAS JÁ SENTENCIADAS - PENA QUE PODE SER UNIFICADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO.

A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado (Súmula 235 do STJ), nada impedindo a reunião ulterior para o efeito se soma ou unificação das penas (art. 82 do CPP) no Juízo de Execução Penal.

PENA PECUNIÁRIA - RETIFICAÇÃO DE OFÍCIO - INAPLICABILIDADE DO ART. 72 DO CP EM CASO DE CRIME CONTINUADO - CÚMULO RESTRITO ÀS HIPÓTESES DE CONCURSOS MATERIAL E FORMAL - ILEGALIDADE SANADA.

A regra do art. 72 do CP, uma vez limitada às hipóteses de concursos material e formal, faz com que a pena pecuniária, reconhecida a ficção do crime continuado, seja exasperada da mesma forma que a pena privativa de liberdade.

RECURSO DESPROVIDO, COM A RETIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA PECUNIÁRIA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0900040-36.2018.8.24.0016, da comarca de Capinzal 2ª Vara em que é/são Apelante(s) Rosemari Zimmermann Boaretto e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso, retificando-se, de ofício, o quantum fixado da pena pecuniária com a definição de 12 (doze) dias-multa para o pagamento, mantidas as demais cominações legais. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 12 de março de 2020.

Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Rosemari Zimmerman Boaretto, empresária, nascido em 23.10.1967, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Daniel Radünz, atuante na 2ª Vara da Comarca de Capinzal/SC, que o condenou ao cumprimento da pena de 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo, por infração ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, em continuidade delitiva, sendo a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos, consistente no pagamento de prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo.

Em suas razões recursais, sustenta a necessidade de reforma da sentença. Para tanto, defende que os fatos narrados na denúncia dão conta de simples inadimplemento fiscal de tributo devido pela própria empresa, de modo que o crime imputado não poderia ter ocorrido, nem mesmo em tese, freado também na inconstitucionalidade de uma eventual prisão por dívida. Por mais que declarado típico, o contexto probatório carece de materialidade e autoria, sobretudo em vincular a conduta dolosa da apelante ao fato, atendo-se somente em afirmar que ela é sócia e administradora da empresa e, portanto, possui responsabilidade legal pelos atos fiscais. Ao lado, ausente também o acréscimo patrimonial da apelante ou sua empresa para firmar o recebimento dos valores, até porque o débito foi espontaneamente declarado, sem apropriação, ou seja, sua conduta está agraciada pela excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa. Ainda, almeja o suspensão dos autos até julgamento definitivo do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163334, perante o STF, em que se debaterá sobre a atipicidade da conduta. Sucessivamente, em caso de não colhimento de nenhuma das matérias, requer a reunião dos autos n. 0900004-57.2019.8.24.0016, que investigam a prática de delitos idênticos, com os presentes.

Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pela manutenção da sentença.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestando-se (i) pela baixa dos autos ao Primeiro Grau, para que o Promotor de Justiça analise a possibilidade de propor à recorrente acordo de não persecução penal; (ii) não atendido, pela conservação do pronunciamento, porém, (iii) com a correção de ofício na pena de multa aplicando a fração da continuidade delitiva.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Rosemari Zimmerman Boaretto, empresária, nascido em 23.10.1967, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Daniel Radünz, atuante na 2ª Vara da Comarca de Capinzal/SC, que o condenou ao cumprimento da pena de 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo, por infração ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, em continuidade delitiva, sendo a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos, consistente no pagamento de prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo.

Segundo narra a peça acusatória, Rosemari Zimmermann Boaretto, na qualidade de sócia-administradora da empresa Supermercado Boaretto Ltda, inscrita no CNPJ sob o n. 85.125.847/0001-55 e estabelecida no município de Capinzal/SC, deixou de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) referente aos meses de agosto, novembro e dezembro de 2016, apropriando-se do total de R$ 23.645,79 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e setenta e nove centavos), razão pela qual foi denunciada pelo crime de sonegação fiscal.

Recebida a peça acusatória, o feito foi regularmente processado e prolatada a sentença ora atacada, sobrevindo o presente recurso, pleiteando, em síntese, em suas razões recursais, a necessidade de reforma do decisum. Para tanto, defende que os fatos narrados na denúncia dão conta de simples inadimplemento fiscal de tributo devido pela própria empresa, de modo que o crime imputado não poderia ter ocorrido, nem mesmo em tese, freado também na inconstitucionalidade de uma eventual prisão por dívida. Por mais que declarado típico, o contexto probatório carece de materialidade e autoria, sobretudo em vincular a conduta dolosa da apelante ao fato, atendo-se somente em afirmar que ela é sócia e administradora da empresa e, portanto, possui responsabilidade legal pelos atos fiscais. Ao lado, ausente também o acréscimo patrimonial da apelante ou sua empresa para firmar o recebimento dos valores, até porque o débito foi espontaneamente declarado, sem apropriação, ou seja, sua conduta está agraciada pela excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa. Ainda, almeja o suspensão dos autos até julgamento definitivo do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163334,...

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