Acórdão Nº 0900045-58.2018.8.24.0016 do Segunda Câmara de Direito Público, 13-09-2022

Número do processo0900045-58.2018.8.24.0016
Data13 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900045-58.2018.8.24.0016/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ

APELANTE: SANDRA TEREZINHA COUSSOU (RÉU) APELANTE: JEFERSON DOS SANTOS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por SANDRA TEREZINHA COUSSOU e JEFERSON DOS SANTOS contra sentença que, na ação civil de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em face dos recorrentes, julgou procedente o pedido para condenar estes à "a) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios/incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos; b) pagamento de multa civil no valor de 3 (três) vezes a remuneração percebida pela ré Sandra na função pública que exercia à época dos fatos e 2 (duas) vezes a remuneração percebida pelo réu Jeferson na função pública que exerceu em decorrência do ato improbo, ambas corrigidas monetariamente desde 05.2018 e com a incidência de juros de 1% ao mês a contar da sentença". Outrossim, condenou os requeridos ao "pagamento das custas processuais, na proporção de 60% à ré Sandra e 40% ao réu Jeferson, pelos mesmos motivos que autorizaram a diferenciação do valor da multa civil" (Evento 151, em 1º grau).

De início, os recorrentes pugnam pela gratuidade da justiça. No mérito, em síntese, sustentam que "c.1) Inexiste ato de improbidade administrativa que atenta contra os Princípios da Administração Pública (Pessoalidade e Moralidade); c.2) As condutas praticadas pelos apelantes são atípicas; c.3) Os apelantes não agiram de forma intencional (dolo), com intuito de fraudar o certame e obter vantagens ilícitas; c.4) A apelante Sandra, por não ter qualquer influência e interferência no processo de contratação, não deve ser responsabilizada por isso, ou seja, é parte ilegítima nestes autos para responder por eventuais erros cometidos pela responsável pelo setor de RH da prefeitura; c.5) Não há erro grosseiro e nem culpa grave dos apelantes; c.6) Não há provas produzidas que justifiquem a manutenção da condenação; e, c.7) Todas as provas carreadas nos autos demonstram que os apelantes são inocentes e que todo esse processo não passa de um mal-entendido e que não violaram os princípios da impessoalidade e moralidade ao agirem". De forma sucessiva, requerem que a condenação seja restrita à proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 3 anos (Evento 161, em 1º grau).

Contrarrazões regularmente apresentadas (Evento 167, em 1º grau).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor César Augusto Grubba, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 10, em 2º grau).

O feito foi sobrestado em razão do Tema 1.042/STJ (Evento 12, em 2º grau).

Em face da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2011, determinou-se intimação das partes para manifestação (Evento 25, em 2º grau).

O apelado veio aos autos, oportunidade em que defendeu a irretroatividade dos preceitos estabelecidos pela Lei n. 14.230/202 (Evento 29, em 2º grau).

Os apelantes, por sua vez, reiteraram o pedido de improcedência (Evento 34, em 2º grau).

Após nova vista, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer também exarado pelo Excelentíssimo Senhor César Augusto Grubba, manifestou-se pela não aplicação das alterações trazidas pela Lei n. 14.230/2021 ao caso dos autos (Evento 37, em 2º grau).

VOTO

1. De início, necessário trazer o entendimento acerca dos efeitos da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, a qual alterou grande parte da Lei n. 8.429/1992 - Lei de Improbidade Administrativa.

Com efeito, segundo orientação adotada por esta Corte, a Lei de Improbidade Administrativa faz parte do Direito Administrativo Sancionador, de forma que incidente o art. 5º, XL, da CF/1988, segundo o qual a lei penal deve retroagir apenas e tão somente para beneficiar o réu:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Observe-se que mesmo antes da edição da Lei n. 14/230/2021, já se compreendia a improbidade administrativa dentro do Direito Administrativo Sancionador. Agora, com as alterações, está expresso no art. 1º, § 4º, da LIA: "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Sobre o ponto, bem defendeu o eminente Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva:

Ao adotar o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o objetivo não é negar o caráter fundamental da proteção à probidade administrativa.

Seguindo o paralelo com o Direito Penal, é possível notar que, mesmo com sucessivas alterações legislativas, os bens jurídicos continuam sendo protegidos, mas isso não obsta que, eventualmente, haja abolitio criminis.

A mesma lógica aplica-se ao direito administrativo sancionador - e não porque eventual conduta ímproba passa a ser socialmente aceita, mas pelo fato de o legislador reconhecer que já não era mais viável puni-la com as penas duras e severas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

O objetivo continua sendo a proteção do direito fundamental, mas o rol de condutas não é imutável e isso, por si só, não viola o princípio da vedação ao retrocesso e tampouco configura proteção deficiente.

Assim, não há falar em inconstitucionalidade do art. 4º, VI, da Lei n. 14.230/2021.

O órgão ministerial também sustenta a inaplicabilidade da Lei n. 14.230/2021 aos atos de improbidade praticados antes da sua vigência, pois se aplica o princípio tempus regit actum, segundo o qual deve ser adotada a norma de direito material vigente à época da ocorrência do fato.

Diante da aplicação supletiva das normas de direito penal, fica afastado o princípio tempus regit actum, de modo que a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir para alcançar os fatos pretéritos, no que for mais favorável ao réu (AC n. 0900599-55.2017.8.24.0039, TJSC, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 01-02-2022 - grifou-se).

Nesse contexto, as modificações promovidas por força da Lei n. 14.230/2021, em benefício do acusado, devem ser aplicadas mesmo a fatos ocorridos preteritamente.

Vale registrar que o STF reconheceu repercussão geral sobre essa questão, qual seja, "Definição de eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo - dolo - para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente" (Tema 1.199/STF).

Porém, não houve determinação de sobrestamento de processos nas instâncias ordinárias, mas tão somente dos recursos especiais, de modo que não há obstáculo ao julgamento do feito.

2. Outrossim, tem-se que a pendência de apreciação do Tema 1.042/STJ (que visa "definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992 [...])", não impede o trâmite do feito, uma vez que o art. 17-C, § 3º, da LIA, em razão da alteração da Lei n. 14.230/2021, expressamente fez constar que "não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei".

A respeito, colhe-se precedente desta Câmara de relatoria do eminente Des. Carlos Adilson da Silva:

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO EM RAZÃO DO TEMA 1.042/STJ. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.203/21, QUE, DENTRE OUTRAS ALTERAÇÕES, SUPRIMIU O REEXAME NECESSÁRIO (§ 3º DO ART. 17-C). RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. SENTENÇA NÃO MAIS SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO, APESAR DA AFETAÇÃO DA MATÉRIA PROMOVIDA PELA CORTE SUPERIOR. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "(...) o legislador foi mais além na Lei n. 14.230/2021 e, de certa forma, impôs uma radical modificação no entendimento pretoriano, que atestava, até então, a natureza extrapenal da Lei n. 8.429/92. Com a modificação advinda do art. 17-D, da Lei n. 14.230/2021, impôs o legislador a todos os tribunais pátrios, a ideia da natureza sancionadora da Lei de Improbidade, deixando-se expresso no texto normativo que não se trata de uma "ação civil". É uma claríssima mensagem ao intérprete, para que confira as garantias penais compatíveis ao caso concreto. [...] Dito isso, não há dúvida de que, em se tratando de uma ação sancionadora, a supressão do reexame obrigatório pela nova Lei claramente beneficia o réu, de modo que sua retroatividade, é regra claríssima a ser aplicada" (Reexame Necessário n. 0014372-65.2009.8.24.0075, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 13-12-2021). (TJSC, Apelação n. 0900085-81.2014.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 22-03-2022).

Assim, não há falar em remessa necessária.

3. Na questão de fundo, a sentença condenatória reconheceu a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11, caput, inciso I, IV e V, da Lei n. 8.429/1992 - LIA. Para tanto, assentou que Sandra Terezinha Coussou, na condição de Chefe do Departamento do Serviço de Conivência e Fortalecimento de Vínculos Urbano (CECON) do Município de Capinzal, solicitou a deflagração do Edital de Chamada Pública n. 023/2018 para contratação de monitor de capoeira, a fim de beneficiar Jeferson dos Santos.

Não obstante os bem lançados fundamentos do pronunciamento judicial, o caso merece análise acurada diante da circunstâncias que o envolvem.

Com...

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