Acórdão Nº 0900049-05.2015.8.24.0080 do Segunda Câmara de Direito Público, 14-06-2022

Número do processo0900049-05.2015.8.24.0080
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900049-05.2015.8.24.0080/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE AGUAS E SANEAMENTO CASAN APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: MUNICÍPIO DE XANXERÊ RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Tratam-se de apelações cíveis interpostas pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN e pelo Ministério Público de Santa Catarina contra sentença proferida nos autos da ação civil pública, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina para, com base no art. 487, I do CPC:

A) tornar definitiva a liminar que determinou que a ré CASAN conclua a obra para regularização da rede de esgoto no Bairro Castelo Branco, incidindo, de pronto, multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) diários, sem prejuízo da multa já acumulada. Anoto que não há prazo para cumprimento da obrigação, porque este já foi fixado em decisão que restou preclusa, sendo que a ré se omitiu.

B) fixar a multa já acumulada em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a qual deverá ser revertida para a retirada do lixo, limpeza e conservação da área da antiga estação de tratamento. Eventual sobra, deverá ser, de forma comprovada, revertida ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados.

C) determinar que o Município de Xanxerê promova, de forma efetiva, a fiscalização para a conclusão da obra atribuída à corré, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). Condeno os réus ao pagamento das despesas processuais.

Sem honorários. P. R. I. Transitada em julgado, arquive-se." (evento 132 dos autos de origem).

Irresignada, a CASAN interpôs recurso de apelação sustentando, em suma, que a sua condenação foi imposta em total contrariedade a prova pericial, tendo em vista que adotou todas as medidas necessárias à adequação do sistema de esgoto do Bairro Castelo Branco, salvo a construção da nova ETE, cuja obrigação foi expressamente afastada em sentença. Assim, a ausência de estação de tratamento não poderia ser utilizada como argumento para fundamentar a sua condenação.

Além disso, explicou que não houve desídia da sua parte, pois há prova nos autos demonstrando que as obras foram finalizadas em 21.07.16, conforme Contrato EOC n. 1002/15. Afirmou que "cumpriu com a implementação da nova rede coletora do Bairro Castelo Branco na data de 21 de julho de 2016, que só não entrou em operação porque a obra do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) do Município, segundo réu, não foi concluída".

Assim, concluiu que "conforme quesitos respondidos pela perícia, se as obras do Sistema de Esgotamento Sanitário do município de Xanxerê tivessem sido concluídas conforme cronograma das obras, a coleta, o transporte, e o tratamento de esgoto sanitário gerado no Bairro estaria finalizada desde 21/07/2016, e a não concretização não pode ser imputada ou suportada pela ora recorrente".

Ainda aventou, quanto ao dano ambiental, que as respostas do perito "foram 'em tese', sem afirmar concretamente e muito menos sem demonstrar por meio de critérios técnicos que existia mau cheiro no Bairro". Aduziu que a equipe operacional da companhia averiguou, em uma vistoria realizada no dia 13.12.17, que não havia mau cheiro no local.

Portanto, "conforme quesitos respondidos pela perícia, a CASAN sempre se empenhou no aprimoramento do sistema de coleta de esgotamento sanitário no Bairro Castelo Branco, de modo que a sentença merece reforma para afastar a condenação imposta à concessionária recorrente".

Também aventou que "o Juízo recorrido não possui a perícia necessária para direcionar a forma de operacionalização de um sistema de tratamento de esgoto. Compete ao Poder Executivo, neste caso, por sua concessionária, por seus critérios técnicos, definir as melhores soluções para resolução dos problemas apontados".

Ademais, pleiteou o afastamento ou a redução da multa fixada na sentença, porquanto todas as atribuições da companhia foram devidamente adimplidas.

Requereu, assim, o provimento do recurso de apelação para: "I. Afastar a condenação imposta à concessionária recorrente, ante a contrariedade com a perícia produzida nos autos e ante a impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário no direcionamento da políticas públicas de saneamento básito; II. Caso não seja esse o entendimento de Vossa Excelência, o que se admite por argumentação, requer que a sentença seja reformada no mérito, para reconhecer que as atribuições inerentes à CASAN foram satisfatoriamente adimplidas a atribuir a responsabilidade exclusiva do Município de Xanxerê pela condenação imposta, uma vez que restou demonstrado que se as obras do Sistema de Esgotamento Sanitário de responsabilidade do Município tivessem sido concluídas, a coleta, o transporte e o tratamento de esgoto sanitário gerado no Bairro Castelo Branco estaria finalizados desde 21/07/2016, data na qual a CASAN concluiu suas atribuições; III. Sucessivamente, reduzir o montante da condenação, por tratar-se de companhia integrante da administração pública, cujos recursos são destinados exclusivamente ao aprimoramento do saneamento básico no estado de Santa Catarina" (evento 140).

O Ministério Público também apelou requerendo, em suma, que a CASAN fosse condenada à prestação do serviço de tratamento de esgoto de forma adequada, tal como requerido na petição inicial, no item d1. Ainda argumentou que "a partir do conjunto probatório erigido em todas as fases do processo é possível comprovar os danos ambientais causados, assim como foi demonstrado que a responsabilidade da Apelada na manutenção e execução de obras de tratamento de esgoto em Xanxerê decorrente de contrato firmado em 2002, razão pela qual não se pode exigir que os moradores do bairro Castelo Branco - ou qualquer outro - obtivessem autorização para a utilização de rede já existente, construída em terreno de propriedade do próprio município, porquanto é dever do poder público a construção e execução desse tipo de serviço". Assim, a Casan deve arcar com os prejuízos decorrentes dos danos ambientais e promover a compensação ambiental pelos danos já causados no valor total de R$ 1.000.000,00 (evento 147).

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 140, 152 e 153).

A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Procurador Alexandre Herculano Abreu, opinou pelo desprovimento do recurso da CASAN e provimento do recurso ministerial (evento 158).

É o relatório essencial.

VOTO

1. De início, convém salientar que o art. 19 da Lei n. 4.717/65, aplicável ao caso por analogia, estabalece que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo".

Sendo assim, a sentença ora recorrida está dispensada do reexame necessário, por ter julgado parcialmente procedentes os pedidos iniciais.

2. O voto, antecipe-se, é pelo provimento dos recursos.

3. Do apelo da Casan:

3.1. Da obrigação da concessionária:

De início, cumpre ressaltar que a Constituição Federal, ao tratar da matéria relativa ao meio ambiente estabeleceu em seu art. 225, § 1º, III e § 3º:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Além disso, a Carta Magna descreveu o Ministério Público como uma instituição permanente com funções essenciais ao bom desenvolvimento da justiça, que tem a função de defender os interesses sociais indisponíveis, bem como manter a ordem jurídica e zelar pela ordem do regime democrático, incluindo, aí, a proteção ao meio ambiente ("Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis").

Portanto, para dar efetividade ao cumprimento das regulamentações urbanísticas e ambientais, cabe ao Ministério Público, por meio das ações civis públicas, buscar a tutela jurisdicional com o fito de impor certas condutas, a fim de reprimir atos lesivos e exigir dos cidadãos e da própria administração pública, a observância de suas obrigações de fazer ou não fazer insculpidas na legislação.

No presente caso, o Parquet ingressou com a ação civil pública pleiteando a condenação da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN para operar, manter e conservar o sistema de esgotamento sanitário do bairro Castelo Branco de modo adequado, contínuo e permanente, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (evento 1, petição 1, fl. 9).

A medida liminar foi parcialmente deferida para que a CASAN executasse a rede coletora de esgotos para contemplar 389 unidades domiciliares localizadas no bairro Castelo Branco, na forma do projeto já aprovado e orçado pela concessionária de serviços públicos, e no prazo de 360 dias a contar da sua intimação (evento 3).

Após o trâmite processual, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Xanxerê julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para, confirmando a liminar, condenar a ré CASAN a concluir a obra para...

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