Acórdão Nº 0900049-96.2016.8.24.0006 do Primeira Câmara de Direito Público, 04-02-2020

Número do processo0900049-96.2016.8.24.0006
Data04 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemBarra Velha
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão

Apelação Cível n. 0900049-96.2016.8.24.0006, de Barra Velha

Relator: Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA DAS ATIVIDADES DA DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE BARRA VELHA. RISCO À SEGURANÇA DOS SERVIDORES E POPULAÇÃO QUE FREQUENTA O LOCAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO DO ESTADO.

1) INTERESSE PROCESSUAL MATÉRIA DECIDIDA EM INTERLOCUTÓRIA NÃO RECORRIDA. PRECLUSÃO. NÃO CONHECIMENTO. OBSERVADA A REGRA DO ART. 10 DO CPC.

2) OMISSÃO E INÉRCIA DO ESTADO EVIDENCIADAS. CONSTATAÇÃO DE QUE SEM A INTERFERÊNCIA JUDICIAL NÃO CESSARIA O PERIGO PARA A INTEGRIDADE FÍSICA DAS PESSOAS QUE FREQUENTAVAM O ESTABELECIMENTO.

3) MANUTENÇÃO DO PRAZO DE SEIS MESES PARA APRESENTAÇÃO DE ALVARÁS E DEMAIS DOCUMENTOS EXIGIDOS POR LEI. MULTA DIÁRIA AFASTADA. APELO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0900049-96.2016.8.24.0006, da comarca de Barra Velha 2ª Vara em que é Apelante Estado de Santa Catarina e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nesta, dar-lhe parcial provimento para afastar as astreintes. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Pedro Manoel Abreu e Luiz Fernando Boller (Presidente).

Florianópolis, 4 de fevereiro de 2020.

Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

Relator


RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação civil pública" em face do Estado de Santa Catarina.

Alegou que: 1) por meio de ofício da Fundação do Meio Ambiente – Fundema e parecer geológico sobre fatores físicos e ambientais de vulnerabilidade e deslizamentos da Associação do Municípios do Vale do Itapocu – Amvali, constataram-se indícios de movimentação do talude e de sobrecarga no prédio da Delegacia de Polícia Civil de Barra Velha; 2) esses indícios diminuem a segurança estrutural do edifício, oferecendo riscos para os servidores e para a população que frequenta o local; 3) diante de tais fatos, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil interditou o prédio e concedeu prazo para a desocupação; 4) tendo em vista que nenhuma providência foi tomada, passou a acompanhar o desenrolar dos fatos, solicitando providências, realização das obras necessárias para garantir a segurança da construção e/ou desocupação do imóvel e elaboração de laudo técnico conjunto entre a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros Militar; 5) a conclusão do laudo, realizado após mais de um ano da interdição do bem, foi no sentido de que o local permanece oferecendo riscos aos servidores e à população e 6) apesar de todo esforço empreendido, o fato é que a delegacia está interditada há mais de um ano e a Administração Pública não adotou medidas concretas dentro de um prazo razoável para resolver o problema e 7) consequentemente, não viu outra saída senão procurar o Judiciário.

Postulou, liminarmente, a condenação do réu para que, no prazo de 45 dias, providencie a transferência das atividades da delegacia para local diverso que possibilite a prestação de serviços de forma adequada, suficiente, segura e contínua.

Ainda, requereu a apresentação dos alvarás do Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária e indenização por todos os danos individuais e coletivos constatados no decorrer da demanda, provenientes da omissão na prestação do serviço de forma adequada.

Em contestação, o réu arguiu falta de interesse processual. No mérito, sustentou: 1) impossibilidade de interferência do Poder Judiciário no caso concreto; 2) realização de providência administrativa; 3) inexistência de omissão que justifique atuação judicial; 4) inadequação do arbitramento de multa diária contra ente público; 5) exiguidade do prazo para cumprimento da decisão e 6) impossibilidade de indenizar danos que não ocorreram e não se sabe se ocorrerão, razão por que tal pedido beira à inépcia (f. 115/129).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:


Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pelo Ministério Público (art. 487, I, do CPC) para (a) DETERMINAR que o Estado de Santa Catarina providencie a transferência das atividades da Delegacia de Polícia da Comarca de Barra Velha/SC para lugar que possibilite a prestação de serviços de forma adequada, eficiente, segura e contínua, DECLARANDO já cumprida essa transferência, e (b) IMPOR ao Estado de Santa Catarina, no prazo de 06 (seis) meses, o dever ainda remanescente de obter e apresentar em juízo os alvarás do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária e os demais documentos que forem exigidos pela legislação para atestar a segurança e salubridade da nova edificação em que instalada a Delegacia de Polícia da Comarca de Barra Velha/SC, sob pena de multa cominatória arbitrada no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) por dia de descumprimento.

CONFIRMO parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela (fls. 81/89), contando-se o prazo de 06 (seis) meses, assim, a partir da intimação da presente sentença.

Cumpre destacar que o Ministério Público, quando sucumbente ou parcialmente sucumbente em ação de natureza coletiva, é isento do pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios (art. 18 da Lei n. 7.347/85), salvo comprovada má-fé (cf. STJ. REsp 1129121/GO). Por outro lado, descabem honorários sucumbenciais (art. 17 da Lei n. 7.347/85 c/c art. 5°, caput, da CF) em favor do Ministério Público (cf. TJSC. AC n. 2013.033401-1), ainda que sejam destinados ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (cf. TJSC. AC 2013.014608-3), havendo isenção de custas ao Estado de Santa Catarina (LC 156/97).

P.R.I.

Sentença sujeita ao instituto do reexame necessário (cf. STJ. REsp. n. 1.108.542/SC, e cf. TJSC. RN n. 2014.089869-7), por paralelismo (art. 19 da Lei n. 4.717/65), tendo em vista a sucumbência parcial do Ministério Público no âmbito da presente ação coletiva.) (f. 646/666)


O réu, em apelação, reeditou as teses da defesa (f. 676/691).

Com as contrarrazões (f. 695/703), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso, em parecer da Dra. Gladys Afonso (f. 709/719).


VOTO

1. Admissibilidade

O réu sustentou a ausência de interesse processual.

Data venia, não há como apreciar a insurgência porque a questão já foi decidida em interlocutória não recorrida (f. 551/567).

Logo, a matéria está preclusa, nos termos do art. 473 do CPC/1973, vigente à época:


Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.


A respeito:


1.

AGRAVO INTERNO (ART. 1.021 DO CPC/15). POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO APELO POR DECISÃO UNIPESSOAL. DECISUM LASTREADO EM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA CONCEDIDA À PARTE ADVERSA. DESCABIMENTO. BENESSE CONCEDIDA EM INTERLOCUTÓRIA NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO À ÉPOCA. PRECLUSÃO TEMPORAL.

"[...] Quando deferida a gratuidade da justiça em primeiro grau de jurisdição, antes do oferecimento da contestação, é nesta que deve ser impugnado o benefício, sob pena de preclusão temporal, porquanto o permissivo legal insculpido no Código de Processo Civil permite impugnar o ato em contrarrazões quando a benesse é concedida em grau recursal" (AC n. 0301121-70.2015.8.24.0082, da Capital - Continente, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 27.03.2018). (AInt n. 0304233-34.2018.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Sônia Maria Schmitz, Quarta Câmara de Direito Público, j. 4-4-2019)


2.

[...] PRETENDIDA REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE. DEFERIMENTO EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NÃO IMPUGNADA NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO TEMPORAL. [...] (AC n. 0301706-88.2015.8.24.0061, de São Francisco do Sul, rel. Des. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 21-11-2017)


Por fim, registra-se que o fato de o Estado cumprir as determinações judiciais não afasta o interesse processual. Ao contrário, reafirma, porque o réu somente tomou atitudes para regularizar a situação em decorrência do acolhimento dos pedidos ministeriais.

Foi observada a regra do art. 10 do CPC/2015.


2. Ingerência do Judiciário

Ressalvo meu ponto de vista de interferência mínima e restrita do Judiciário na efetivação de políticas públicas.

A forma de organização em que se estrutura nosso Estado Democrático de Direito prevê competências constitucionais bem definidas para cada um dos Poderes, que devem se pautar com independência e de forma harmônica.

Nessa concepção de Estado, cabe ao Poder Executivo realizar o juízo de conveniência e oportunidade para decidir em quais políticas públicas, que são inúmeras e de grande necessidade, serão empregados os recursos disponíveis, que são finitos e insuficientes.

Afinal, a soberania do poder popular que elegeu os Administradores, pelo voto direto, lhes confere legitimidade para definir quais serão as prioridades a serem atendidas com o dinheiro público.

Logo, a execução das políticas administrativas compete ao Poder Executivo, inclusive a implementação do seu orçamento.

Estamos num país pobre, com inúmeras carências, cuja resolução depende de uma série de providências e de decisões, até mesmo de caráter político. Se administradores públicos eleitos pelo voto soberano do povo não puderem projetar suas ações para dar respaldo aos seus planos de governo, ficará difícil a convivência harmônica e...

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