Acórdão Nº 0900052-80.2018.8.24.0103 do Primeira Câmara Criminal, 11-11-2021

Número do processo0900052-80.2018.8.24.0103
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900052-80.2018.8.24.0103/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: LEANDRO SOUSA CASTELO (ACUSADO) ADVOGADO: CELSO ALMEIDA DA SILVA (OAB SC023796)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de ARAQUARI em face de Leandro Sousa Castelo, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por 5 vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'ECO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. ME.', CNPJ n. 07.334.578/0001-23 e Inscrição Estadual n. 25.608.387-8, estabelecida na Rua das Carpas, n. 230, Bairro Itinga, em Araquari, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 244.500,56 (duzentos e quarenta e quatro mil e quinhentos reais e cinquenta e seis centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2016, documentos integrantes da Dívida Ativa n. 17001487692, de 28/04/2017.

Sentença: a juíza substituta Gabriela Garcia Silva Rua absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 397, III, do Código de Processo Penal (evento 57/PG - em 23-8-2021).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado nos autos de origem, verifica-se que houve o trânsito em julgado da sentença para a defesa.

Recurso de apelação do Ministério Público: a acusação interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que não há falar em atipicidade da conduta, uma vez que, por ora, há elementos denotativos da materialidade, autoria e tipicidade delitivas, devendo o feito prosseguir até seus ulteriores termos, em especial porque o acusado deixou, deliberadamente, de repassar ao fisco estadual imposto embutido no preço da mercadoria/serviço cobrado do consumidor, atuando, ainda, com dolo apropriativo e de maneira contumaz, no que se insere, em tese, a ação típica prevista no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, a fim de que o processamento do feito tenha regular seguimento e o apelado seja submetido a julgamento exauriente perante o juízo a quo (evento 64/PG - em 2-9-2021).

Contrarrazões de Leandro Sousa Castelo: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que deve ser mantida a sentença absolutória, visto que, à luz da moderna jurisprudência do STF, não resultaram demonstrados o dolo de apropriação e a contumácia delitiva, inclusive, como motivo de manutenção da absolvição sumária, invoca-se o princípio da insignificância e, acaso reformada a sentença impugnada, convém trancar a ação penal de origem, ante o parcelamento no qual se encontra inserida a pessoa jurídica administrada pelo recorrido.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença absolutória; subsidiariamente, o trancamento da ação penal, nos termos da fundamentação (evento 72/PG - em 28-9-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rogério A. da Luz Bertoncini opinou pelo conhecimento e provimento do recurso para determinar o prosseguimento regular do processo na instância de origem (evento 9/SG - em 30-9-2021).

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Da questão preliminar

Em sede de contrarrazões, a defesa aduz que o recorrido aderiu a novo regime de parcelamento da dívida que embasa a peça acusatória, de maneira que é devido o trancamento da ação penal.

Razão não lhe assiste.

De antemão, é preciso consignar que a sentença, em momento algum, apresentou fundamentos pertinentes ao trancamento da ação penal e, de outro lado, a adesão ao regime de parcelamento autoriza, quando muito, a suspensão da persecução criminal e do curso do prazo prescricional, podendo, acaso demonstrada a quitação integral, ensejar a extinção da punibilidade.

Feito esse esclarecimento, a norma do art. 83, §§ 2º e 3º, da Lei 9.430/1996, com a redação dada pela Lei 12.382/2011, preceitua que só é possível a suspensão do feito e da pretensão punitiva estatal nos casos em que o parcelamento tenha ocorrido anteriormente ao recebimento da denúncia criminal, nos termos do entendimento desta Câmara (Recurso em Sentido Estrito 0900026-24.2019.8.24.0014, deste relator, j. 31-10-2019).

No caso, consoante se extrai da peça acusatória:

É de se registrar que o débito da Dívida Ativa n. 17001487692 foi objeto do Parcelamento n. 71100256685, o qual foi cancelado por inadimplemento, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 21/07/2017 a 04/12/2017, conforme disciplina o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11.

Diante desse quadro, a denúncia foi ofertada e recebida em 8-8-2018 (evento 3/PG), inexistindo, nos autos, elemento a demonstrar que houve nova inclusão da dívida perseguida nesta ação penal em regime de parcelamento, de maneira que é de todo indevida a postulação defensiva.

Consigna-se que a defesa apenas sustentou, no bojo das contrarrazões, que os documentos acostados juntamente com a referida peça de resistência demonstrariam a ocorrência do citado parcelamento, contudo, não houve apresentação de documento algum.

Nega-se, pois, acolhimento ao pleito externado em contrarrazões.

Do mérito

A acusação logrou derruir a convicção formada pelo Juízo a quo, que proferiu sentença para absolver sumariamente o apelado do delito descrito no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por cinco vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, face ao reconhecimento da atipicidade da conduta.

Eis o fundamento absolutório:

Segundo o art. 397 do CPP, após a apresentação da resposta do acusado, o juiz pode absolver sumariamente o réu, quando verificar alguma das situações previstas nos incisos I a IV daquele dispositivo. Entre as hipóteses de absolvição sumária, está a constatação de que o fato narrado evidentemente não constitui crime (art. 397, III, do CPP).

Saliento que, na hipótese do crime tributário em apreço, a prova documental que instrui a denúncia é suficiente para constatação da tipicidade do delito, nos moldes admitidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Discute-se a possibilidade de o não pagamento do ICMS declarado configurar o tipo penal previsto no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90 ("deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos").

Há entendimento firmado do STF a respeito do tema, como definido no RHC nº 163.334, julgado em 18.12.2019. Na ocasião, foi fixada a seguinte tese: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990".

O julgado recebeu a seguinte ementa:

Ementa: Direito penal. Recurso em Habeas Corpus. Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. Tipicidade. 1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de "laranjas" no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 7. Recurso desprovido. 8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. (RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020).

Com efeito, para o STF não é necessária a ocorrência de fraude para a tipicidade da conduta...

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