Acórdão Nº 0900061-45.2017.8.24.0081 do Quarta Câmara de Direito Público, 26-11-2020

Número do processo0900061-45.2017.8.24.0081
Data26 Novembro 2020
Tribunal de OrigemXaxim
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0900061-45.2017.8.24.0081, de Xaxim

Relatora: Desembargadora Bettina Maria Maresch de Moura

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMOLIÇÃO DE MURO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.

NULIDADE DA SENTENÇA, POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. DECISÃO CONCISA, PORÉM CLARA E OBJETIVA

ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TESE ARREDADA. DANO SOCIOAMBIENTAL À COLETIVIDADE, CUJA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO POSSUI CARÁTER PROPTER REM E É TRANSFERIDA COM A PROPRIEDADE DO IMÓVEL. EVENTUAL RESPONSABILIDADE PELA DEMOLIÇÃO DO MURO E RECUO DO TERRENO QUE, ADEMAIS, RECAI SOBRE OS PROPRIETÁRIOS DO BEM, AINDA QUE A SUA CONSTRUÇÃO TENHA SIDO AUTORIZADA PELO MUNICÍPIO.

CERCEAMENTO DE DEFESA. ACOLHIMENTO. SITUAÇÃO DOS AUTOS QUE ENVOLVE A DEMOLIÇÃO DE MURO ATRAVÉS DA DETONAÇÃO DE ROCHAS, COM RISCO DE DANOS AOS IMÓVEIS VIZINHOS E À COLETIVIDADE. JUÍZO A QUO QUE SE BASEOU UNICAMENTE NO PARECER TÉCNICO APRESENTADO PELOS RÉUS, DURANTE O INQUÉRITO CIVIL. DIVERGÊNCIA, ADEMAIS, ENTRE A SOLUÇÃO ADOTADA NA SENTENÇA E O LAUDO TÉCNICO COLIGIDO AOS AUTOS. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PERÍCIA JUDICIAL, COM AMPLO ESTUDO SOBRE O CASO. DECISUM CASSADO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, PARA REGULAR PROCESSAMENTO.

DENUNCIAÇÃO À LIDE DO MUNICÍPIO. PLEITO ALBERGADO. CONCESSÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO, COM INVASÃO DO PASSEIO PÚBLICO. FATO QUE ATRAI A RESPONSABILIDADE DO ENTE MUNICIPAL, COM RELAÇÃO A PARCELA DA PRETENSÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO CARACTERIZADO.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0900061-45.2017.8.24.0081, da Comarca de Xaxim, 2ª Vara, em que é Apelante Luiz Antonio Ferraz de Oliveira e outro e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para regular processamento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Odson Cardoso Filho, com voto e dele participou a Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti.

Florianópolis, 26 de novembro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora


RELATÓRIO

Ministério Público do Estado de Santa Catarina deflagrou Ação Civil Pública contra Luiz Antonio Ferraz de Oliveira e Irene Maria Marinello de Oliveira aduzindo, em síntese, que ao promover investigação no Município de Xaxim, verificou a existência de "três imóveis lindeiros localizados na Rua Dez de Novembro, Centro, Xaxim/SC, nos quais se invadiu de forma significativa o passeio público, de modo a praticamente inviabilizar o trânsito de pedestres no local", sendo um deles de propriedade dos Réus (fl. 02). Asseverou que, de acordo com informações obtidas e documentadas em inquérito civil, a construção recebeu alvará do município, mas ainda não possui o habite-se e que os Réus "apresentaram um laudo técnico, o qual conclui que o desmonte da rocha por meio de explosivos e acessórios detonantes seria possível de ser executado, mas que não seria recomendável pela existência de diversas residências nas proximidades, inclusive um posto de combustível" (fl. 03). Narrou que após serem "novamente questionados acerca da possibilidade de utilização de outros materiais detonantes de menor impacto, os requeridos apresentaram novo laudo técnico, que igualmente concluiu pela viabilidade de detonação, dessa vez por meio do uso do material chamado argamassa expansiva, que causa baixo impacto durante a detonação". Sustentou que "o custo da detonação deve ser confrontado com o valor de mercado do imóvel, o que justifica o ingresso da presente ação" e que o valor estimado pelo profissional que elaborou o laudo pericial "é referente aos três imóveis que invadiram o passeio naquele local" (fl. 03). Em vista do exposto, requereu a obtenção de "provimento jurisdicional que determine a demolição de muro, recuo do terreno e demais ações que se fizerem necessárias, em razão da invasão do passeio" no imóvel localizado na Rua Coronel Ernesto Francisco Bertaso, 709, Centro, Município de Xaxim/SC, de propriedade dos Réus. Juntou documentos (fls. 07/314).

Citados (fls. 320 e 322), os Réus apresentaram contestação e documentos (fls. 324/396). Preliminarmente, suscitaram a ilegitimidade passiva, ao argumento de que a demanda deveria ter sido deflagrada contra o Município, "que permitiu o avanço do muro no passeio, em face da existência de imensa pedra no solo" (fl. 328), bem como postularam a denunciação à lide do Município de Xaxim. No mérito, reiteraram o fato de que a residência recebeu alvará de construção do Município de Xaxim. Alegaram que se afigura inviável retirar o muro, porquanto no local existe rocha natural, que se detonada "gerará estragos no quarteirão, rachando paredes de residências e quiçá o que pode ocorrer no posto de combustível em frente à rua, pondo em risco vidas de pessoas ao redor" (fl. 333). Referiram que, segundo consta no laudo técnico por si apresentado, a utilização de argamassa expansiva como meio de solução, "além de consistir num processo muito oneroso, pode não fornecer resultado satisfatório e igualmente gerar abalos estruturais" (fl. 334). Aduziram que "a ampliação da calçada utilizando-se a faixa de estacionamento de veículos, o que não interfere em nada na rua", seria "uma solução viável, rápida, eficaz, sem riscos aos moradores e vizinhos", além de menos onerosa (fl. 338). Requereram a improcedência do pleito e juntaram documentos (fls. 346/396).

Houve réplica (fls. 409/414).

Sobreveio sentença (fls. 409/414), nos seguintes termos:

[...] Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial deduzido pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de Luiz Antonio Ferraz de Oliveira e Irene Maria Marinello de Oliveira para determinar a demolição do muro e o recuo do terreno no prazo máximo de 90 dias do imóvel localizado na Rua Coronel Ernesto Francisco Bertaso, n. 709, Centro de Xaxim/SC, devendo respeitar a testada do imóvel e adotar as ações necessárias para cessar a invasão do passeio do referido imóvel.

Nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85, fixo multa diária no valor correspondente a R$ 200,00 (duzentos reais), no caso de descumprimento da presente ordem judicial, valor este que deverá ser revertido ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.

Tendo em vista a sucumbência, condeno os requeridos ao pagamento das despesas processuais. [...]

Irresignados, os Réus interpuseram apelação (fls. 421/443). Preliminarmente, suscitam a nulidade da sentença por falta de fundamentação no tocante à prefacial de ilegitimidade passiva e que essa deve ser acolhida; a necessidade de denunciação à lide do Município de Xaxim, o qual autorizou a construção da casa e do muro lateral, paralelo ao preexistente; o cerceamento de defesa, pelo julgamento antecipado da lide, ao argumento de que o processo trata de matéria controvertida, que demanda a realização de perícia "para verificação da perigosa situação que apresenta uma detonação e demolição do muro" (fl. 432). No mérito, sustentam que a obra é regular e sua construção foi autorizada pelo Município; a solução para a realização do recuo (utilização de argamassa expansiva), acolhida pela sentença, além de ser muito onerosa, representa um risco para os imóveis vizinhos, pois pode gerar danos às suas estruturas; o magistrado a quo deixou de considerar a solução alternativa apresentada (ampliação da calçada em 60/70 cm de largura sobre o estacionamento de veículos que ali não é muito utilizado), a qual importaria em solução "viável, rápida, eficaz, econômica e sem riscos aos moradores" das redondezas (fl. 440). Destacam que a manutenção da multa diária, poderá conduzi-los a condição de miseráveis, já que "não possuem dinheiro e meios financeiros para pagar uma detonação por argamassa expansiva (R$ 80.000,00)", pois "trabalham como motoristas de transporte escolar, percebendo pouco mais que o salário mínimo, para o sustento da família" (fl. 441). Postulam a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, a reforma da sentença. Prequestionam dispositivos legais.

Com contrarrazões (fls. 463/473), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Carlos Alberto de Carvalho Rosa, pelo desprovimento do recurso (fls. 479/487).

A apelação foi distribuída à Câmara de Direito Civil, mas em decisão de lavra do Exmo. Des. Marcus Tulio Sartorato, foi determinada a sua redistribuição a uma das Câmaras de Direito Público (fls. 491/497).

Às fls. 501/504 foi concedido efeito suspensivo ao recurso.

Os Réus peticionaram às fls. 516/517.

Este é o relatório.


VOTO

1. Da admissibilidade do recurso

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Do recurso

Trata-se de apelação interposta por Luiz Antonio Ferraz de Oliveira e Irene Maria Marinello de Oliveira contra sentença que julgou procedente o pleito formulado na Ação Civil Pública, deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

2.1 Da nulidade da sentença e da ilegitimidade passiva ad causam

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT