Acórdão Nº 0900075-50.2016.8.24.0053 do Terceira Câmara de Direito Público, 13-06-2023

Número do processo0900075-50.2016.8.24.0053
Data13 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0900075-50.2016.8.24.0053/SC



RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS


APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (RÉU) APELANTE: MUNICÍPIO DE FORMOSA DO SUL/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina em face da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN e do Município de Formosa do Sul, com o objetivo de compelir os Demandados a corrigir irregularidades presentes na Estação de Tratamento de Água de Formosa do Sul, enumeradas e descritas no relatório de Fiscalização do Sistema de Abastecimento de Água (Ofício Coord. Fiscalização n. 052/2016/ARIS), a fim de melhorar o sistema de tratamento de água no âmbito municipal.
Ao final, a Magistrada singular acolheu parcialmente os pedidos formulados na inicial (Evento 135 - Eproc/PG):
Isso posto, ACOLHO PARCIALMENTE os pedidos formulados na inicial, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e, por conseguinte, CONDENO os réus, de forma solidária, a implementar as medidas necessárias no sentido de proporcionar o serviço público de água, conforme os itens listados no relatório do evento 47, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Para o caso de descumprimento das medidas aplicadas aos Requeridos, fixo a multa diária no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais), até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a ser revertida ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados, por força das disposições contidas no art. 84, § 4.°, do Código de Defesa do Consumidor e art. 11 da Lei 7.347/85.
Em se tratando de ação civil pública deflagrada pelo Ministério Público e com pedido acolhido, os réus não podem ser condenados a suportar honorários advocatícios, por ser vedado ao autor recebê-los. Com efeito, "dentro da absoluta simetria de tratamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública" (STJ Resp. n.493.823-DF).
E mais, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, quando a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público for julgada procedente, descabe condenar a parte vencida em honorários advocatícios (STJ, REsp n. 1038024/SP,rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.9.09).
Condeno a ré COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN ao pagamento de 50% das custas e despesas processuais.
O Município, por sua vez, é isento do pagamento, por força do disposto no art. 35, h da Lei Complementar n. 156/97, com as alterações promovidas pela Lei Complementar n. 524/2010.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sentença não sujeita à remessa necessária, pois trata-se de uma ação civil pública julgada procedente, situação que afasta o duplo grau de jurisdição obrigatório1.
Transitada em julgado, arquive-se.
Inconformada, a Companhia Catarinense de Água e Saneamento - CASAN interpôs Apelação Cível, na qual aventou, em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, pela ausência do relatório técnico atual quanto às supostas não conformidades apontadas na inicial, a ser elaborado pela ARIS. Alegou, ainda, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da presente ação, bem como ausência de interesse processual, porquanto o fornecimento de água está sendo realizado dentro dos padrões estabelecidos pela Portaria n. 2914/2011, do Ministério da Saúde.
Quanto ao mérito, alegou que o sistema de abastecimento de água está em constante construção e elaboração de melhorias, o que ocorre de modo progressivo. Sustentou que a interferência do Poder Judiciário é indevida, pois não cabe a um terceiro direcionar a forma de operacionalização de um sistema de tratamento de água. Ao final, pugnou pela anulação da sentença, ou alternativamente, a redução do valor da multa (Evento 147 - Eproc/PG).
O Município de Formosa do Sul, por seu turno, interpôs Apelação Cível, na qual alegou que compete à ARIS a fiscalização das atividades de saneamento básico e à CASAN a efetiva prestação do serviço público de saneamento básico (exigindo, inclusive, contraprestação pecuniária dos usuários para a prestação do serviço), de modo que não há como atribuir ao Município de Formosa do Sul qualquer responsabilidade por eventuais irregularidades/inadequações. Aduziu ainda, acerca da ausência de responsabilidade solidária, bem como do exíguo prazo de 180 (cento e oitenta) dias para o cumprimento da obrigação, requerendo sua dilação para o período de 12 (doze) meses. Por fim, requereu o afastamento da multa ou sua redução (Evento 150 - Eproc/PG).
Houve contrarrazões (Evento 155 - Eproc/PG).
Após, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça, a qual, em parecer do Procurador de Justiça César Augusto Grubba, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos Recursos (Evento 18 - Eproc/SG).
É o relatório

VOTO


1. Do recurso interposto pela Companhia Catarinense de Água e Saneamento - CASAN
1.1 Das preliminares
1.1.1 Do cerceamento de defesa
A Apelante aponta a ocorrência de cerceamento de defesa, por entender necessária a juntada de relatório técnico atual quanto as supostas não conformidades apontadas na inicial, a ser elaborado pela Agência Reguladora ARIS.
Nesse ponto, esclarece-se que, embora as partes tenham concordado com a intimação da ARIS para que acostasse aos autos relatório de fiscalização atualizado, o que não restou cumprido pela Agência Reguladora (Evento 123 - Eproc/PG), tem-se que, no Evento 132 - Eproc/PG, ao apresentar alegações finais, a Companhia Catarinense de Água e Saneamento - CASAN nada sinalizou acerca da suposta ausência da referida prova documental, ou seja, não postulou, a tempo e modo a reiteração da intimação da ARIS para a juntada do documento que julga ser imprescindível ao caso concreto.
E mais:
Subsistindo real interesse da parte demandada, poderia esta promover contato e requerer a emissão de relatório ou então insistir nos autos por esta medida, caso julgasse ser imprescindível à sua plena defesa, haja vista que o ingresso na ação como amicus curiae foi requerido pelo Município demandado (evento 28), mas transcorreu o prazo sem intervenções, o que confirma que o contraditório e ampla defesa foram efetivamente observados nos autos (Evento 155 - Eproc/PG).
Dito isso, tendo em conta que a sentença foi proferida a partir da prova documental produzida sob o crivo do contraditório e por ser a matéria essencialmente de direito, a prefacial não merece prosperar.
É cediço que, dentro do princípio da persuasão racional adotada pelos artigos 370 e 371 do Código de Processo Civil, cabe ao Magistrado, como presidente da instrução processual, a apreciação da conveniência e/ou necessidade, ou não, de realização de provas no feito, inexistindo, pois, obrigação de sempre ordenar a produção daquelas postuladas pela parte, especialmente quando claramente inútil ao deslinde da questão, como é o caso dos autos, circunstância que lhe transfere o poder discricionário de dispensar as demais provas, por desnecessárias ou, ainda, quando puderem ser substituídas por outros elementos probatórios (art. 464 do Código de Processo Civil).
Sobre o assunto, aliás, leciona Moacyr Amaral Santos:
"Ao juiz é concedido o poder de formar livremente a sua convicção quanto à verdade emergente dos fatos constantes dos autos. Quer dizer que o juiz apreciará e avaliará a prova dos fatos e formará a sua convicção livremente quanto à verdade dos mesmos. A convicção, que deverá ser motivada, terá que se assentar na prova dos fatos constantes dos autos e não poderá desprezar as regras legais, porventura existentes, e as máximas de experiência" (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, Editora Saraiva, 1997, p. 78).
Neste sentido, "o STJ tem pacificado o entendimento no sentido de que não há 'falar em cerceamento de defesa quando o conjunto probatório já existente nos autos se faz suficiente para o convencimento do magistrado.' (REsp 1641349/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 15/03/2017)" (STJ, AgInt no MS 19.977/DF, Relator: Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção, j. 13/12/2017).
Destarte, tendo em vista que a prova já produzida foi considerada suficiente pela Magistrada sentenciante, a preliminar de cerceamento de defesa há de ser afastada.
Por outro lado, no tocante ao interesse de agir, consoante destacado pelo Ente Ministerial de Segunda Grau, por ocasião das contrarrazões recursais, o "Parecer Técnico da ARIS - Processo Administrativo n. 386/2017, Relatório RF-SAA-CVD-Formosa do Sul -002/2019, anexo 2, evento 147 , embora não tenha sido juntado pela agência reguladora ao ser intimada, relaciona-se aos quesitos de capacidade de produção e reserva de água tratada, sendo o objeto da presente ação ainda mais amplo, vez que a ausência das conformidades se referem também ao sistema estrutural da unidade, bem como o não seguimento dos padrões e das normas estabelecidas, sendo flagrante o interesse de agir" (Evento 18 - Eproc/SG).
As preliminares, portanto, não comportam acolhimento.
1.1.2 Da ilegitimidade ativa
Ao revés do que alega a Apelante, não há falar em ilegitimidade ativa do Ministério Público de Santa Catarina para o ajuizamento da presente Ação Civil Pública, uma vez que a demanda envolve questão afeta ao direito ambiental e a defesa do direito ao consumidor e abarca, portanto, a defesa de interesses transindividuais em suas três categorias: individuais homogêneos, coletivos e difusos, diante dos desdobramentos do caso concreto.
Acerca dos direitos difusos, vislumbra-se a tutela ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde pública e à defesa ao direito do consumidor, relacionado à prestação de serviço público, todos de natureza indivisível, em que os titulares estão ligados por uma circunstância de fato.
Tem-se, do mesmo modo, a defesa de interesses coletivos...

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