Acórdão Nº 0900084-08.2017.8.24.0043 do Quinta Câmara de Direito Público, 14-07-2022

Número do processo0900084-08.2017.8.24.0043
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900084-08.2017.8.24.0043/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: RENALDO MUELLER (RÉU) E OUTRO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: LEOCIR MEAZZA (RÉU) INTERESSADO: MUNICÍPIO DE RIQUEZA/SC (RÉU) INTERESSADO: BALDO, GRACIOLLI & HECKLER ADVOGADOS ASSOCIADOS (RÉU) INTERESSADO: IUMAR JUNIOR BALDO (RÉU) INTERESSADO: LIDIANE GRACIOLLI (RÉU) INTERESSADO: MARCIO LUIZ SIMON HECKLER (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença:

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública em face de Renaldo Mueller, Manfried Rutzen, Leocir Meazza, Município de Riqueza, Baldo & Graciolli Advogados, Lidiane Graciolli, Márcio Luiz Simon Heckler e Iumar Baldo, todos qualificados nos autos, aduzindo, em síntese, que: em que pese o Município de Riqueza possua em sua estrutura administrativa dois cargos na área jurídica (cargo efetivo de procurador municipal e cargo em comissão de assessor jurídico), ambos permaneceram vagos durante os anos de 2012 a 2016; ao invés de prover os cargos através de concurso público ou livre nomeação, durante a gestão dos requeridos Renaldo e Manfried, estes optaram por contratar serviços de assessoria jurídica terceirizada; assim, entre os anos de 2012 a 2015, houve a contratação, por licitação, de Leocir Meazza e, no ano de 2016, do escritório de advocacia Baldo & Graciolli Advogados Associados para a prestação de serviços de assessoria jurídica; no entanto, tais contratações foram significativamente dispendiosas ao ente público e burlaram a necessidade de o município manter profissionais da área em seu quadro de pessoal para a prestação de assessoria jurídica (através de concurso público e nomeação).

Assim discorrendo, postulou, dentre outros pedidos, a procedência da ação para reconhecer a prática de atos de improbidade administrativa pelos réus, previstos no art. 10, VIII, da Lei n. 8.429/92, condenando-os nas sanções do art. 12, II, do mesmo diploma legal ou, subsidiariamente, o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa pelos requeridos previstos no art. 11, caput e I, da Lei n. 8.429/92 e a condenação nas sanções do art. 12, III, da legislação já mencionada. Deu valor à causa. Juntou documentos.

Os réus foram devidamente notificados (eventos 13, 17, 20.4 e 20.8) e apresentaram defesa prévia nos eventos 16, 22, 23, 26, 27 e 28.

Manifestação do Órgão Ministerial no evento 32.

A ação civil pública foi recebida (evento 34).

Os réus foram citados (eventos 49, 52, 55, 58, 61, 64 e 67) e apresentaram suas respectivas contestações nos eventos 40, 71, 72, 73 e 74.

Réplica no evento 80.

Realizou-se audiência de instrução e julgamento, no entanto, em razão de não ter sido requerido o depoimento pessoal dos requeridos no momento oportuno e os réus que arrolaram testemunhas terem desistido de sua oitiva, não foi realizada prova oral no ato (evento 117).

O requerido Renaldo Mueller juntou documentos (evento 124).

Informações do Município de Riqueza no evento 128.

As partes apresentaram alegações finais (eventos 142, 149, 150, 151, 152 e 166).

Acrescento que os pedidos foram dados por parcialmente procedentes:

ANTE O EXPOSTO, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina para RECONHECER a prática de atos de improbidade administrativa previstos no art. 11, caput e inciso I, da Lei n. 8.429/92, por violação aos princípios da legalidade, impessoalidade, igualdade e eficiência, em relação aos réus Renaldo Mueller, Manfried Rutzen.

Por consequência, com suporte no artigo 12, inciso III e parágrafo único da Lei n. 8.429/92, APLICO aos réus as seguintes sanções de cunho civil-administrativo:

I - Ao réu Renaldo Mueller, aplico as sanções de pagamento de multa civil no valor equivalente a uma remuneração do demandado à época, calculada com base na última percebida pelo agente no cargo exercido, devidamente corrigida.

II - Ao requerido Manfried Rutzen, aplico as sanções de pagamento de multa civil no valor equivalente a três remunerações do demandado à época, calculada com base na última percebida pelo agente no cargo exercido, devidamente corrigida, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Condeno os réus indicados acima, ademais, ao pagamento despesas processuais, de forma solidária, mas pro rata.

Ainda, ABSOLVO os réus Leocir Meazza, Baldo & Graciolli Advogados, Lidiane Graciolli, Márcio Luiz Simon Heckler e Iumar Baldo, diante da ausência de provas acerca do cometimento de atos de improbidade administrativa.

Incabível a condenação dos vencidos ao pagamento de honorários, porque "a vedação constitucional contida nos arts. 127, § 5º, II, 'a' e 129, III, não dá margem à qualquer interpretação permissiva da incidência da verba honorária em ação civil pública ou em qualquer outra em que seja titular o Ministério Público, sob qualquer pretexto, mesmo que tal se reverta em benefício da Fazenda Pública ou do Fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85, posto que este seria, apenas, um pretexto" (RT 714/122).

Vêm dois recursos.

Renaldo Muller alega que, Chefe do Executivo em seu último ano de mandato, considerando que a municipalidade não possuía assessor jurídico -concursado ou comissionado -, solicitou a órgão interno os meios disponíveis para contratação de advogado para o exercício de 2012. Houve abertura de processo licitatório, mas seu trâmite se deu em período no qual estava em gozo de férias, tanto que nem sequer assinou qualquer ato (e vice-prefeito, que subscreveu o tal ato, tampouco foi colocado como demandado). Defende que não houve conduta dolosa, muito menos lesão ao erário ou enriquecimento sem causa, de modo que não poderia ser condenado com base em ofensa a princípios administrativos (art. 11 da LIA) na medida em que "a forma de contratação ocorreu dentro do poder discricionário do Gestor, pois conforme o próprio magistrado menciona na sentença recorrida o Município de Riqueza tem na sua legislação estrutural (lei de cargos e salários) dois cargos de assessor jurídico, um (cargo comissionado) de livre nomeação do prefeito e outro que integra o quadro de carreira. Portando ao ser contratado o advogado Leocir Meazza, em contrato 'ad-tempore' de março de 2012 até dezembro de 2012 (fim de mandato) não infringiu o princípio da legalidade pois a legislação municipal o permitia".

Sustenta que a jurisprudência do STJ vai no sentido de que as meras irregularidades do gestor não ensejam condenação a título de improbidade, notadamente quando inexistente o elemento subjetivo. Pondera que a contratação controvertida foi considerada legítima pelo advogado que à época exercia a função de assessor jurídico da municipalidade, ressaltando inclusive que na respectiva licitação outros interessados participaram (cenário que evidencia a ausência de má-fé de sua parte). Quer a absolvição.

O mesmo caminho é trilhado no recurso de Manfried Rutzen: embora reconheça as contratações em si promovidas, defende que tudo se deu regularmente, ressaltando que o próprio magistrado reconheceu a ausência de prejuízo ao erário. Destaca que o ordenamento jurídico admite a contratação de terceiros para atuar na administração pública mediante processo licitatório ou até sob sua dispensa (a contratação direta foi até mesmo admitida pelo STF em Repercussão Geral: Tema 309). Aliás, o próprio sentenciante reconheceu como menos custosa para a Fazenda Pública a pactuação nesses moldes. Traz precedente do Tribunal de Contas do Estado e do STF a respeito da ausência de obrigatoriedade na instituição de procuradorias municipais. Por fim defende que não houve dolo ou culpa capaz de repercutir em responsabilidade por ofensa a princípios administrativos. Quando menos, pede a redução das reprimendas, pois desproporcionais.

O Ministério Público ratificou o acerto da sentença. Disse que tudo o quanto era objetivado na contratação poderia ser prestado por procurador ou assessor jurídico, nos termos da legislação local e mediante a convocação por concurso público - cuja supressão vale por afronta à LIA, especialmente à legalidade (art. 11 da LIA).

A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento dos apelos.

Diante da perspectiva de implicação, neste processo, das alterações trazidas pela Lei 14.230/21 na LIA, permiti que as partes se manifestassem a respeito.

O autor sustentou que os atos são anteriores à nova Lei, de modo que não pode haver retroatividade. "Não se deve interpretar as normas de Direito Administrativo em paridade com as de Direito Penal, já que a Constituição Federal, de maneira expressa, previu a retroatividade benéfica somente quanto à lei penal (art. 5.º, XV, CF). Além do mais, o princípio da vedação ao retrocesso na concepção de que concretizado um direito fundamental por meio da regulamentação infraconstitucional não pode o Poder Legislativo retroceder, seja reduzindo ou suprimindo direito que já estava concretizado no âmbito legislativo". A aplicação da norma, a partir daí, poderia promover o "esvaziamento da Lei de Improbidade e o retrocesso na proteção da probidade, igualdade e moralidade."

Já os demandados defenderam a retroatividade benéfica da Lei 14.230/21.

A Procuradoria-Geral de Justiça, de seu turno, ratificou a posição do autor quanto ao aspecto temporal.

VOTO

1. A Lei 14.230/21 modificou profundamente a LIA, representando, por assim dizer, um novo marco da probidade administrativa. Ainda que se tenha buscado somente modificar a Lei 8.429/92, surgiu na realidade um regime distinto, com tantas particularidades que a junção das Leis nova e antiga valem por um novo diploma. Houve, é claro, a preservação de muitos dispositivos precedentes e mesmo em alguma medida a manutenção de um...

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