Acórdão Nº 0900120-64.2017.8.24.0006 do Segunda Câmara Criminal, 11-08-2022

Número do processo0900120-64.2017.8.24.0006
Data11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900120-64.2017.8.24.0006/SC

RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

APELANTE: JOSÉ DA SILVA MARCELINO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de José da Silva Marcelino e Lucemar da Silva Marcelino, dando-os como incursos nas sanções do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, sendo José por 19 (dezenove) vezes, na forma dos arts. 69 e 71, ambos do Código Penal, e Lucemar por 2 (duas) vezes, na forma do art. 71 do mesmo diploma legal, em razão dos seguintes fatos:

[...] O denunciado José, na condição de sócio-administrador de 'MOLHEQUÍMICA EIRELI - EPP', CNPJ n. 08.617.892/0001-86 e Inscrição Estadual n. 25.548.364-3, estabelecida na Rua Jeremias Manoel de Souza, n. 260, Galpão B, Centro, em São João do Itaperiu, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 61.215,25 (sessenta e um mil duzentos e quinze reais e vinte e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMScobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de fevereiro, março, abril, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 16001670871, de 17/05/2016.

Ainda na condição de sócio-administrador da pessoa juridica supramencionada, José deixou de efetuar no prazo legal, o recolhimento de R$ 13.333,80 (treze mil trezentos e trinta e três reais e oitenta centavos) de ICMSrelativo a operações tributáveis pelo regime de substituição tributária, destacadas pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs relativas aos períodos de abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 16001400653, de 03/05/2016.

Por sua vez, o denunciado Lucemar, na condição de titular da empresa em tela, deixou de efetuar no prazo legal, o recolhimento de R$ 3.730,97 (três mil setecentos e trinta reais e noventa e sete centavos) a título de ICMScobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs dos meses de fevereiro e março de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 16001670871, de 17/05/2016.

É de se registrar que o débito das Dívidas Ativas n. 16001400653 e 16001670871 foram objetos do Parcelamento n. 71100218651, o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 04/05/2017 a 17/10/2017, conforme disciplina o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11. [...] (evento 1 - PET1).

O denunciado José da Silva Marcelino foi devidamente citado (evento 8) e apresentou sua defesa prévia, por meio de defensor dativo (evento 32), participando de todas as etapas da instrução. Em alegações finais, sua defesa requereu a absolvição, com base no art. 386, inc. III e VII, do Código de Processo Penal. Alternativamente, pediu a aplicação da pena no mínimo legal, a fixação do regime aberto para cumprimento da reprimenda e sua substituição por restritivas de direito. Por fim, pugnou pela fixação de honorários advocatícios (evento 80).

Já o denunciado Lucemar da Silva Marcelino não foi encontrado para apresentar a defesa prévia (evento 18), sendo citado por edital (eventos 34 e 39). Por não ter comparecido aos autos, o processo foi suspenso, com fulcro no art. 366 do Código de Processo Penal, o qual dispõe "Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312." (evento 95).

Sentença: o Juiz de Direito Guy Estevão Berkenbrock julgou PROCEDENTE a denúncia para condenar José da Silva Marcelino ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, sendo substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, a ser executada na forma da lei, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por 19 (dezenove) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal (evento 83).

Trânsito em julgado: a sentença transitou em julgado para o Ministério Público (eventos 88 e 91).

Recurso de apelação de José da Silva Marcelino: a defesa sustentou, em síntese, ausência de dolo na conduta do recorrente, postulando a sua absolvição. Pleiteou, outrossim, a concessão da justiça gratuita (evento 118).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, postulando o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos (evento 123).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini opinou pelo parcial conhecimento e, na parte conhecida, pelo desprovimento do recurso (evento 8 dos autos de Segundo Grau).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2541820v12 e do código CRC 544bbf48.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOData e Hora: 15/8/2022, às 16:54:25





Apelação Criminal Nº 0900120-64.2017.8.24.0006/SC

RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

APELANTE: JOSÉ DA SILVA MARCELINO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por José da Silva Marcelino em face da sentença que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade fixada em 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, sendo substituída por 1 (uma) restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, a ser executada na forma da lei, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por reconhecer que praticou o crime previsto no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por 19 (dezenove) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal.



1 - Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido



2 - Do mérito

A defesa requereu a absolvição do apelante por ausência de provas para sustentar a condenação, assim como pela inexistência de dolo característico do crime que lhe é imputado.

Assim está disposto o crime contra a ordem tributária previsto no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, in verbis:

Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:

[...] II - Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[...] Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

João Luiz Coelho da Rocha, citado por Edmar Oliveira Andrade Filho, pontifica:

[...] não estamos aqui cuidando de ação delituosa assemelhada à apropriação indébita, como já se imputava à conduta da fonte pagadora que não recolhia o imposto ou a contribuição social retidas em nome de outrem, a fonte recebedora.

Disso, aqui, não se trata, porque não se cuida do responsável legal pelo tributo, como era e é ali a hipótese da fonte pagadora, falando agora o dispositivo, expressamente, no não-recolhimento de tributo ou contribuição social descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação (tributária).

Bem, não há dúvidas então que nesse tipo criminal o legislador está se reportando ao débito tributário próprio não pago.

Supõe-se, assim, no seguimento da descrição tipológica, que o industrial, ao vender e acrescer, como de lei, o IPI, na fatura, assim como o comerciante, em sua venda, embutindo e discriminando o ICMS, e que não vierem a pagar, no prazo esses tributos, estarão cometendo ilícito penal.

Trata-se, enfim, e em resumo, de pena privativa de liberdade, por inadimplência de débito próprio. E, rigorosamente falando, o caso de punição por dívida.

O ilustre advogado termina sua exposição criticando o alcance do dispositivo legal sob análise, mas reconhece que: "A verdade é que a norma legal incriminadora existe e não nos parece haver barreira de inconstitucionalidade que a afronte". (ROCHA, João Luiz Coelho. A Lei n. 8.137 e a prisão pro débito tributário. Revista de Direito Mercantil, n. 87, p. 68, in: ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. São Paulo: Atlas, 2009. p. 138)

Acerca da constitucionalidade de referida norma, o pretório Excelso já se manifestou, há tempos, acerca do tema:

É certo que o ordenamento constitucional brasileiro, em preceito destinado especificamente ao legislador comum, proíbe a instituição de prisão civil por dívida, ressalvadas as hipóteses de infidelidade depositária e de inadimplemento de obrigação alimentar (CF, art. 5º, LXVIII).

Observo, no entanto, que a prisão de que trata o art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, longe de reduzir-se ao perfil jurídico e à noção conceitual de prisão meramente civil, qualifica-se como sanção de caráter penal resultante, quanto à sua imponibilidade, da prática de comportamento juridicamente definido como ato delituoso.

A norma legal em questão encerra, na realidade, uma típica hipótese de prisão penal, cujos elementos...

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