Acórdão Nº 0900124-39.2016.8.24.0135 do Quarta Câmara de Direito Público, 06-10-2022

Número do processo0900124-39.2016.8.24.0135
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualRemessa Necessária Cível
Tipo de documentoAcórdão
Remessa Necessária Cível Nº 0900124-39.2016.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

PARTE AUTORA: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) PARTE RÉ: MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC (RÉU)

RELATÓRIO

Na comarca de Gravatal, Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou Ação Civil Pública contra o Município.À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 54, 1G):

Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina em face do Município de Navegantes, objetivando compelir o ente público a reformar a Escola Municipal Profesora Maria de Lourdes Antunes, visando a adaptação às normas que garantem condição de acessibilidade ao prédio.

Requereu que o Município de Navegantes seja obrigado a: a)adequar as calçadas da unidade escolar, incluindo o rebaixamento para acesso de cadeira de rodas à faixa de pedestres e entrada da escola, bem como retirar o telefone público situado na calçada, instalando-o em outra calçada com espaço adequado para tanto e com a respectiva sinalização tátil; b) realizar a sinalização de vaga de estacionamento exclusiva para pessoas portadoras de deficiência próxima à entrada da escola, com rebaixamento da calçada para pleno acesso; c) instalar campainha ou interfone na entrada da escola com pleno acesso para crianças e pessoas que utilizem cadeiras de rodas; d) construir rampa de acesso ao portão e a porta de entrada da escola, com inclinação e comprimento adequados para pessoas portadoras de deficiência, possibilitando o pleno acesso; e) adequar a secretaria da escola, para que haja recepção e atendimento ao público, respeitando-se as dimensões do balcão de atendimento e local para aguardo dos usuários de cadeira de rodas; f) instalar piso antiderrapante e que evite o ofuscamento da visão em dias de sol na entrada da unidade Escolar.

Indeferido o pedido de antecipação de tutela (fl. 134).

Citado, o Município de Navegantes apresentou contestação (fls. 184-193), sustentado que o Município tem o dever de promover, nos limites de sua competência, a acessibilidade para as pessoas portadores de defi-ciência. Discorreu sobre a separação dos poderes, defendendo a impossibilidade de intervenção judicial na atividade administrativa neste caso, além da necessidade de previsão orçamentária e licitatória e observância ao princípio da reserva do possível.

Houve réplica (fls. 200-205).

Em agravo de instrumento, foi deferida a tutela de urgência (fls. 206-212).

Por se tratar de matéria fundada de direito individual difuso da criança e do adolescente, foi declinada a competência para esta Vara.

É o breve relatório.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos termos retro

Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo procedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de Município de Navegantes para condenar o réu a realizar as reformas necessárias na Escola Municipal Profesora Maria de Lourdes Antunes para atendimento de todas as normas de acessibilidade vigentes, corrigindo em sua integralidade as irregularidades explicitadas no Laudo Técnico n. 39/2015 do Centro de Apoio Operacional de Informações Técnicas e Pesquisas do Ministério Público de Santa Catarina, no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00.

Não há condenação de custas e honorários advocatícios.

Sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do art. 496 do CPC.

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça para análise da remessa necessária.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento da remessa (Evento 11, 2G), ao essencial argumento:

In casu, onde verifica-se atuação do Ministério Público objetivando a consecução de interesse público primário (consubstanciado na tutela coletiva à acessibilidade dos alunos e demais frequentadores da Escola Municipal Professora Maria de Lourdes Antunes) versus o Município de Navegantes, este contestando a ação em busca dos seus interesses públicos secundários, a sentença que julgou procedente a ação, condenando o réu à adequação estrutural do educandário (direito social4 de status prioritário5 em nosso arcabouço legislativo, inclusive amplamente reconhecido em precedentes jurisprudenciais6), não necessita de reexame necessário como condição de sua eficácia, eis que, em termos resumidos, é a medida que mais prestigia o interesse da coletividade debatido.

É o relatório.

VOTO

1. Em admissibilidade, entendo que a remessa deve ser conhecida, à luz do art. 496, inc. I, do CPC, por se tratar de sentença proferida contra Município e na esteira de caso semelhante ao presente, também apreciado em sede de Ação Civil Pública (Remessa Necessária Cível n. 0900086-52.2016.8.24.0159, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Diogo Pítsica, Quarta Câmara de Direito Público, j. 25-08-2022).

Não de deixa de observar, contudo, entendimento recente, de que "o Reexame Necessário na Ação Civil Pública, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, somente ocorrerá com a improcedência da ação" (STJ, REsp 1.578.981/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 04/02/2019).

Passa-se, pois, ao exame de mérito.

2. Trata-se de remessa necessária em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina em face do Município de Navegantes, com escopo de determinar que o ente federado promova reforma na Escola Municipal Profesora Maria de Lourdes Antunes, conformando-se às normas que asseguram acessibilidade aos alunos portadores de necessidades .

A sentença deve permanecer incólume, pois incontroversa a necessidade de conformação da edificação - conforme laudo emitido pelo Centro de Apoio de Informações Técnicas e Pesquisa - CIP do Ministério Público de Santa Catarina (ev1, informação 41 a 49, 1G) - às normas de acessibilidade previstas no art. 10 da Lei n. 10.098/2000, art. 19 do Decreto n. 5.296/2004 e item 2 do Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/2001). O Município, no caso, não impugnou o laudo e limitou-se a susentar, na contestação, a tese de impossibilidade orçamentária e reserva do possível.

Devido a sua acertada e brilhante fundamentação, adoto como razões de decidir, transcrevendo-a a fim de evitar tautologia (processo 0900124-39.2016.8.24.0135/SC, evento 54, SENT185):

Cuido de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina em face do Município de Navegantes.

A controvérsia da lide cinge-se em determinar se o Município réu deve realizar a reforma na Escola Municipal Profesora Maria de Lourdes Antunes, visando a adaptação às normas que garantem condição de acessibilidade ao prédio.

A Constituição Federal, no seu art. 227, atribui à família, à so ciedade e ao Estado o dever de zelar pela criança e pelo adolescente, assegurando a eles o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura e à dignidade.

Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente reforça o dever do Estado na proteção dos direitos da criança e adolescente:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condi-ção econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Ainda, a Constituição do Estado de Santa Catarina prevê, em seu art. 163, VI, que o dever o Estado com a educação será efetivado, entre outras disposições, mediante garantia de condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas.

Quanto à promoção de acessibilidade para as pessoas com deficiência, a Lei n. 10.098/2000 estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Dispôs ainda que nos edifícios públicos ou de uso coletivo:

Art. 11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:I - nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a estacionamento de uso público, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente;

II - pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

III - pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e

IV - os edifícios deverão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT