Acórdão Nº 0900145-03.2019.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 15-07-2021

Número do processo0900145-03.2019.8.24.0008
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0900145-03.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: RIVELINO ALVES FEITOSA (RÉU) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Rivelino Alves Feitosa, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, e do art. 11, "caput", ambos da Lei 8.137/1990, na forma do art. 71, "caput", do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado Rivelino Alves Feitosa, na época dos fatos, exercia a função de sócio e administrador da empresa PRB Entregas Rápidas Ltda Me, com endereço comercial na rua Professor Carlos Techentin, n. 170, bairro Escola Agrícola, Blumenau/SC.

Na condição de sócio e administrador da referida empresa, o denunciado deliberava (e concorreu para a deliberação), entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Município de Blumenau/SC.

Nos períodos de janeiro a dezembro de 2016; janeiro a dezembro de 2017; janeiro a junho de 2018, o denunciado passou a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, deixando de recolher o tributo ISS.

Para tanto, em cada período elencado acima, o denunciado determinou que a empresa PRB Entregas Rápidas Ltda Me deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram apuradas pelo próprio contribuinte através da emissão de Notas Fiscais de Serviço Eletrônicas - NFS-e.

O valor do tributo não recolhido, foi cobrado do tomador do serviço e/ou comerciante que ao realizar o pagamento acabou por recolher, também, o imposto embutido que estava na precificação realizada pela empresa/contribuinte.

Assim, o valor do imposto reconhecido com o devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos cofres do Erário Municipal.

Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, o denunciado causou/sonegou certa elevada monta, resultando em prejuízo aos cofres públicos e a toda coletividade.

Dessa forma, o denunciado deixou de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:

Notificação Fiscal n. 2 6 7 / 2 0 1 8

Demonstrativo de Valores Apurados

Base de cálculo R$ 139.289,00

Imposto a recolher R$ 6.964,45

Atualização Monetária R$ 349,27

Juros de Mora R$ 1.309,94

Multa p/ infração R$ 3.656,864

Total geral a pagar R$ 12.280,52

Foi assim que o denunciado, dolosamente, deixou de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.

Em assim sendo, agindo reiteradamente, o denunciado determinou que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 12.280,52 com a multa e juros, ao Fisco Municipal, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade blumenauense.

Nos casos em tela, a Secretaria de Gestão Financeira, com base nas Notas Fiscais Eletrônicas emitidas voluntariamente e espontaneamente pelo próprio contribuinte, constatou a ocorrência da sonegação fiscal, ante o não recolhimento dos valores de ISS informados e destacados em ditos documentos fiscais, lavrando-se, posteriormente, a notificação fiscal ou, ainda, tendo o contribuinte anuído/assinado o termo de denúncia espontânea.

Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária municipal no local onde encontra-se o contribuinte segundo o cadastro municipal, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda Municipal, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal.

O ato fiscal é materializado na notificação fiscal/termo de denúncia espontânea emitidos (evento 1/PG).

Pronunciamento impugnado: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo rejeitou a denúncia, ante a atipicidade da conduta, com fulcro no art. 395, II, do Código de Processo Penal (evento 3/PG - em 14-11-2019).

Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em síntese, que o fato descrito na denúncia é típico, pois o ISS, assim como o ICMS, é tributo indireto e sua carga econômica é repassada ao consumidor final, de modo que, ao sujeito passivo (prestador do serviço), incumbe o dever legal de recolher ao fisco, a tempo e modo, o referido tributo, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência deste Tribunal de Justiça.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito de origem (evento 6/PG - em 22-1-2020).

Contrarrazões de Rivelino Alves Feitosa: a defesa impugnou as razões recursais, reforçando o acerto da decisão de origem, ao sustentar que o caso retrata mero inadimplemento de dívida tributária, sem qualquer conduta voltada ao desconto ou cobrança prévia a revelar apropriação ilícita do ponto de vista criminal.

Postulou a manutenção da decisão atacada (evento 29/PG - em 28-5-2021).

Juízo de retratação: o juiz de direito Eduardo Passold Reis manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 31/PG - em 1-6-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rogério A. da Luz Bertoncini opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 11/SG - em 25-6-2021).

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

A acusação logrou derruir a convicção formada pelo Juízo "a quo", o qual, prematuramente, rejeitou a denúncia ao entender pela atipicidade do fato imputado ao recorrido e subsumido ao delito descrito no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990.

Em síntese, eis o fundamento absolutório:

A conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 alcança apenas o responsável tributário, isto é, o sujeito passivo indireto da obrigação, que deixa de recolher o tributo descontado ou cobrado, devido por outrem (contribuinte).

O sujeito passivo direto da obrigação tributária, contribuinte, que deixa de recolher aos cofres públicos o ISS (próprio), comete infração administrativa, mas não incorre no delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.

Logo, antecipa-se, o fato narrado na denúncia é atípico.

Antes de discorrer sobre o tema, cabem três observações. Primeira, a matéria é polêmica na doutrina e jurisprudência. No Superior Tribunal de Justiça, há divergência entre as Turmas julgadoras e Ministros. No Supremo Tribunal Federal, o tema será analisado no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 163.334-SC, cujo Ministro Relator, Luis Roberto Barroso, registrou, na decisão proferida em 11.02.19: "O tema é controverso, tendo sido objeto de discussão acirrada no Superior Tribunal de Justiça, com cinco votos pela tipicidade e três votos pela atipicidade da conduta (HC 399.109). Não houve ainda manifestação expressa sobre a controvérsia por nenhuma das Turmas do Supremo Tribunal Federal." Por conta disso, decidiu que matéria deve ser apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (julgamento pendente). Não existe até o momento, porém, nenhuma decisão em incidente de resolução de demandas repetitivas, em recursos especial ou extraordinários repetitivos ou súmula sobre a questão. Daí a liberdade para o julgador decidir, fundamentadamente, conforme a orientação doutrinária e jurisprudencial que reputa mais adequada.

Segunda, não se discutirá aqui a constitucionalidade do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90. Esta decisão tratará da interpretação de lei infraconstitucional.

Terceira, não se desconsidera que o não recolhimento de ISS devido importa em prejuízo à coletividade, na medida em que o Município deixa de receber os recursos necessários à consecução de suas atividades. Ocorre que o Juiz não deve decidir com base em argumentos morais ou consequencialistas, mormente em direito penal, por força do princípio da legalidade, até porque, por outra via, o fisco dispõe de aparato suficiente para efetuar a cobrança de dívida tributária e reverter ou minimizar o prejuízo decorrente do não recolhimento do ISS.

Pois bem, o contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária) do ISS é a empresa, empresário ou profissional autônomo que presta um...

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