Acórdão Nº 0900173-21.2018.8.24.0035 do Quinta Câmara de Direito Público, 07-06-2022

Número do processo0900173-21.2018.8.24.0035
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900173-21.2018.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: OSNI FRANCISCO DE FRAGAS (RÉU) E OUTRO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: EDITORA JORNAL A COMARCA LTDA (RÉU) INTERESSADO: ROSANGELA APARECIDA FRANCA WIESE (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença:

Trata-se de Ação Civil Pública Cível movida por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra OSNI FRANCISCO DE FRAGAS, ARNITO SARDA FILHO, ROSANGELA APARECIDA FRANCA WIESE e EDITORA JORNAL A COMARCA LTDA, em que consta(m) o(s) seguinte(s) assunto(s): Violação aos Princípios Administrativos.

O Ministério Público relata, em síntese, que o Município de Ituporanga, entre os anos de 2017 e 2018, adquiriu 750 exemplares por mês do jornal "A Comarca", fornecidos pela ré Editora Jornal A Comarca Ltda., sob a justificativa de que os periódicos estariam sendo utilizados no projeto educacional "Jornal na Sala de Aula: leitura e escrita" supostamente implementado nas escolas da municipalidade. Enfatiza, porém, que a aquisição dos periódicos se deu sem licitação ou mesmo procedimento formal de dispensa ou inexigibilidade e que os réus Osni, Arnito e Rosângela, à época Prefeito e Secretários Municipais, respectivamente, tinham plena ciência de que a aquisição se dera ao arrepio da lei. Destaca, também, que, ao realizar diligências para averiguar os fatos, o Órgão Ministerial constatou que nenhum dos diretores das escolas municipais tinha sequer conhecimento da existência do referido projeto educacional, sendo que alguns dos profissionais da educação informaram que até receberam os jornais em suas escolas, mas que davam ao material a destinação que entendiam oportuna porque jamais receberam qualquer tipo de orientação específica sobre como utilizá-los. Destaca, ainda, que o projeto educacional foi criado exclusivamente para tentar justificar a aquisição dos periódicos, que tal manobra teve como único propósito beneficiar particular, que os gastos desnecessários da municipalidade com a compra dos jornais foi de R$ 20.250,00 em um ano e que todos os requeridos concorreram para a ocorrência da lesão ao erário, porquanto bem sabiam do ardil e concordaram em participar dele.

Dessa feita, por entender que está demonstrada a prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e/ou afrontou os princípios da Administração Pública, requer a concessão de medida liminar para decretação da indisponibilidade de bens dos demandados no valor de R$ 64.510,62, relativos aos danos por eles causados ao erário municipal devidamente corrigidos (R$ 21.503,54) mais o valor da multa civil prevista no art. 12, inciso II, da Lei n. 8.429/1992 (duas vezes o montante do dano). Por fim, requer que, após o processamento do feito, os réus sejam condenados nas sanções previstas no inciso II ou III da Lei n. 8.429/1992.

Foi deferida a indisponibilidade de bens dos réus (evento n. 3).

O requerido Arnito Sardá Filho agitou a impenhorabilidade dos valores constritos em sua conta, alegação esta que foi acolhida em parte (evento n. 20).

Notificados, os requeridos se manifestaram nos autos.

Os réus Osni Francisco de Fragas, Arnito Sardá Filho e Rosângela França Wiese alegam, preliminarmente, a impossibilidade de aplicação da Lei n. 8.429/1992 aos agentes políticos. No mérito, defendem a regularidade da aquisição dos jornais, pois realizada para atender projeto de relevância para a sociedade. Enfatizam que os jornais adquiridos foram entregues e utilizados de forma regular e adequada, não havendo ilegalidade na sua aquisição. Destacam a impossibilidade de se presumir a ocorrência de danos na espécie e que, em decorrência disso, resta clara a inocorrência de qualquer prejuízo ao erário. Ressaltam que não existem provas de má-fé na hipótese e que a Lei de Improbidade Administrativa não pune mera irregularidade ou ilegalidade. Por fim, pugnam pela extinção do feito (evento n. 33).

A ré Editora Jornal A Comarca Ltda., por seu turno, agita, em primeiro lugar, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que não é responsável pelas licitações do município e que forneceu todos os jornais adquiridos. Alega cerceamento de defesa no inquérito civil porque jamais foi chamada pelo Ministério Público para prestar esclarecimentos. Ressalta que jamais agiu com dolo ou culpa na espécie, motivo por que o suposto ato de improbidade administrativa não lhe pode ser imputado. Enfatiza que não houve qualquer prejuízo ao erário municipal, já que todos os jornais foram devidamente fornecidos ao município, inclusive com preço inferior ao normalmente cobrado pela ré. Defende que, na hipótese em tela, a realização de licitação era incabível, uma vez que se trata da única empresa da cidade que fornece jornais. Ressalta que não há provas de violação a qualquer dos princípios da Administração Pública e que inexiste dever de devolver os valores pagos pela municipalidade. Por fim, pugna pela extinção do processo (evento n. 34).

Houve manifestação do Ministério Público (evento n. 35).

Foram afastadas as preliminares agitadas, indeferido pedido de impenhorabilidade pendente de apreciação e recebida a petição inicial (evento n. 38).

O Município de Ituporanga, devidamente notificado a respeito da presente demanda, manifestou desinteresse em integrar a lide (evento n. 43).

Citados, os requeridos apresentaram resposta em forma de contestação alegando, em linhas gerais, as mesmas questões agitadas em sede de manifestação preliminar, mais precisamente a inexistência de ato de improbidade administrativa, ausência de dano ao erário, ausência de qualquer conduta dolosa ou culposa na espécie e inocorrência de quaisquer irregularidades na aquisição dos jornais. Enfatizaram, em especial, a inexigibilidade de licitação na hipótese porque o jornal "A Comarca" possui características específicas que autorizavam sua compra direta. Por fim, pugnam pela improcedência da pretensão inaugural (eventos n. 44 e n. 45).

Houve réplica à contestação (evento n. 49).

Em decisão saneadora, foi deferida a prova oral (evento n. 104).

O Ministério Público de Santa Catarina firmou acordos de não persecução cível com as requeridas Rosângela Aparecida França Wiese e Editora Jornal A Comarca Ltda., os quais restaram homologados (eventos n. 147 e n. 168).

Em audiência de instrução, foram ouvidas seis testemunhas (eventos n. 206 e 282). Após, as partes apresentaram alegações finais (eventos n. 290 e 314).

Adito que os pedidos foram julgados procedentes:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos iniciais formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA e, em decorrência disso:

1.- Declaro a nulidade da aquisição de jornais, pelo Município de Ituporanga, representada pelos empenhos n. 3596/2017, 6495/2017, 7111/2017, 8308/2017, 8889/2017, 1412/2017, 1692/2018, 2944/2018, 3521/2018 e 4166/2018;

2.- Reconheço a prática, pelos réus OSNI FRANCISCO DE FRAGAS e ARNITO SARDA FILHO, de ato de improbidade administrativa que ensejou prejuízos ao erário, forte no artigo 10, caput e inciso VIII, da Lei n. 8.249/1992; e

3.- Condeno os réus OSNI FRANCISCO DE FRAGAS e ARNITO SARDA FILHO às seguintes sanções: (a) ressarcimento integral dos danos causados ao erário, no montante de R$ 20.250,00, a ser revertido ao Município de Ituporanga, acrescido dos encargos moratórios indicados na fundamentação da sentença e descontados os valores já pagos a esse título pelos réus que firmaram acordo de não persecução cível; (b) perda da função pública que os requeridos eventualmente estejam exercendo; (c) suspensão dos direitos políticos dos requeridos pelo prazo de 5 (cinco) anos; (d) multa civil em importe correspondente a 2 (duas) vezes o valor dos danos causados ao erário municipal, para cada demandado, que deverá ser revertido ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, acrescido dos encargos moratórios indicados na fundamentação da sentença; e (e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

De outro vértice, diante do cumprimento do acordo de não persecução cível firmado entre o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA e as demandadas ROSANGELA APARECIDA FRANCA WIESE e EDITORA JORNAL A COMARCA LTDA., julgo extinto o processo em relação a elas, com apreciação do mérito, forte no artigo 487, inciso III, alínea "b", do CPC.

Condeno os demandados OSNI FRANCISCO DE FRAGAS e ARNITO SARDA FILHO, ainda, ao pagamento das custas processuais finais.

Deixo de condenar as requeridas ROSANGELA APARECIDA FRANCA WIESE e EDITORA JORNAL A COMARCA LTDA. ao pagamento das custas processuais, com fundamento no artigo 87, § 3º, do Código de Processo Civil.

Sem honorários advocatícios, pois não é devida verba honorária em favor do representante do Ministério Público (TJSC, Apelação Cível n. 2009.036931-0, de Imbituba, Rel. Des. Júlio César Knoll, julgado em 18/04/2013).

Os condenados recorrem. Alegam que não houve o cometimento de ato de improbidade administrativa, haja vista que, embora incontroversa a aquisição dos periódicos em si sem processo licitatório, a contratação direta foi legitimada pelo art. 25 da Lei 8.666/93 em face da exclusividade do jornal à época - daí decorrendo a impossibilidade de competição, como inclusive atestou uma das testemunhas. Advoga que tal caminho é ratificado por decisão dos Tribunais de Contas do Estado de Santa Catarina e da União. Aliás, o próprio Ministério Público se utiliza do referido dispositivo legal para adquirir seus periódicos, como consta do portal da transparência da instituição. A falta de justificativa formal para a prática do ato, nesse passo, tampouco pode ser considerado algo que supere a mera irregularidade. Destacam que a prova produzida deixou claro o fornecimento dos jornais às...

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