Acórdão Nº 0900183-67.2015.8.24.0036 do Terceira Câmara de Direito Público, 18-04-2023

Número do processo0900183-67.2015.8.24.0036
Data18 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0900183-67.2015.8.24.0036/SC



RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS


APELANTE: LIVIA MARQUES DA MOTTA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo Ministério Público Estadual em desfavor do acórdão que julgou o recurso de Apelação Cível interposto por Livia Marques da Motta contra a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa n. 0900183-67.2015.8.24.0036, ajuizada pelo ora Embargante, na qual a Juíza Titular da Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trab. e Registros Púb. da Comarca de Jaraguá do Sul julgou procedente a pretensão Ministerial, no sentido de condenar a Acionada pela prática do ato ímprobo previsto art. 11, inc. II, da Lei n. 8.429/1992 - tendo em vista a recusa da Ré, Delegada da Polícia Civil ao tempo dos fatos, em lavrar Auto de Prisão em Flagrante resultante de operação conduzida pela Polícia Militar no dia 3-5-2013 - nas seguintes sanções (Evento 266, Eproc/PG):
[...] a) perda do cargo público ocupado (Delegado de Polícia Civil), a ser cumprida nos termos do artigo 20 da Lei n. 8.429/1992;
b) pagamento de multa civil, arbitrada no valor de 2 (duas) vezes a sua remuneração percebida no cargo de Delegado de Polícia Civil, relativa ao mês de maio do ano de 2013, corrigida monetariamente pelos índices oficiais, a partir daquele mês, e acrescida de juros de mora, a contar da citação; e
c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 3 (três) anos.
O valor relativo à multa civil aplicada deverá ser revertido ao Estado de Santa Catarina.
CONDENO a ré, ainda, no pagamento das custas processuais.
O Acórdão embargado conheceu do apelo interposto pela Ré e deu-lhe provimento para absolvê-la da condenação pela prática de improbidade administrativa por ausência de tipicidade legal, ao passo que a conduta praticada pela Acionada, após as alterações implementadas na Lei n. 8.429/1992 pela Lei n. 14.230/2021, não configura a prática de nenhum ato ímprobo (Evento 35, Eproc/SG).
O Embargante sustentou que o aresto embargado incorreu em omissão, pois não se manifestou quanto aos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da proibição de proteção deficiente bem como no tocante aos arts. 5º, item 1, e 65, item 2, da Convenção de Mérida, promulgada pelo Decreto n. 5.687/2006, e aos arts. 5º, inc. XXXVI, e 37, §4º da Constitutição Federal.
Ademais, destacou a necessidade de pronunciamento, deste Órgão Fracionário, acerca da Convenção Interamericana contra a Corrupção, a qual ingressou no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto n. 4.410/2002, e a imprescindibilidade de esmiuçar o princípio constitucional da vedação ao retrocesso, ''o qual representa a concepção de que, concretizado um direito fundamental por meio da regulamentação infraconstitucional, não pode o Poder Legislativo retroceder, seja reduzindo ou suprimindo direito que já estava concretizado no âmbito legislativo'' (Evento 42, fl. 10, Eproc/SG).
Outrossim, requereu a reforma do julgado a fim de que seja reconhecida e declarada a inconstitucionalidade e inconvencionalidade incidental do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, após as alterações implementadas pela Lei n. 14.230/2021.
De outro norte, caso este Órgão Julgador afaste a alegada inconstitucionalidade do Dispositivo Legal em discussão, pugnou pela ''a análise sistemática do caput do referido dispositivo conduz à compreensão de que o seu teor, por si só, possui a capacidade de subsunção de atos ilícitos, dado que precede um rol meramente exemplificativo de condutas ímprobas que afrontam os princípios da Administração Pública, mormente a fim de que seja reconhecida a caracterização do ato ímprobo diante da subsunção da conduta do acusado descrita na exordial ao caput do art. 11 da Lei n.8.429/1992 com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021'' (Evento 42, fl. 19, Eproc/PG).
A Embargada apresentou contrarrazões (Evento 47, Eproc/SG).
Este é o relatório

VOTO


O recurso é tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual comporta conhecimento.
Como visto, a demanda de origem versa sobre Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual em desfavor de Livia Marques da Motta, na qual a Magistrada singular acolheu a pretensão do Autor e condenou a Ré pela prática do ato ímprobo previsto art. 11, inc. II, da Lei n. 8.429/1992 - tendo em vista a recusa da Ré, Delegada da Polícia Civil ao tempo dos fatos, em lavrar Auto de Prisão em Flagrante resultante de operação conduzida pela Polícia Militar no dia 3-5-2013 - nas seguintes sanções (Evento 266, Eproc/PG):
[...] a) perda do cargo público ocupado (Delegado de Polícia Civil), a ser cumprida nos termos do artigo 20 da Lei n. 8.429/1992;
b) pagamento de multa civil, arbitrada no valor de 2 (duas) vezes a sua remuneração percebida no cargo de Delegado de Polícia Civil, relativa ao mês de maio do ano de 2013, corrigida monetariamente pelos índices oficiais, a partir daquele mês, e acrescida de juros de mora, a contar da citação; e
c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 3 (três) anos.
O valor relativo à multa civil aplicada deverá ser revertido ao Estado de Santa Catarina.
CONDENO a ré, ainda, no pagamento das custas processuais.
Irresignada, Livia Marques da Motta interpôs recurso de Apelação Cível, mediante o qual requereu a reforma da sentença a fim de ser desonerada da condenação imposta no juízo de origem. A título subsidiário, destacou a desproporcionalidade e a inadequação das sanções que lhe foram aplicadas, pugnando pelo afastamento da perda do cargo público e da proibição de contratar com a Administração Pública bem como a redução do valor aplicado a título de multa civil. Por fim, pleiteou a readequação dos juros legais incidentes sobre a multa civil para a data do julgado da sentença condenatória (Evento 279, Eproc/PG).
Na sessão de julgamento realizada no dia 13-12-2022, esta Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver a Apelante pela prática de improbidade administrativa, ao passo que, após o advento da Lei n. 14.230/2021, a qual alterou significativamente o art. 11 da Lei n. 8.429/1992, o dispositivo legal no qual foi enquadrado o ato praticado pela acionada (art. 11, inc. II, da LIA) foi revogado, desaparecendo o elemento objetivo necessário à sua condenação (Evento 33, Eproc/SG).
O aresto embargado restou assim ementado (Evento 33, Eproc/SG):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM DESFAVOR DE DELEGADA DA POLÍCIA CIVIL, VISANDO A CONDENAÇÃO DA ACIONADA NAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12, INC. III, DA LEI N. 8.429/1992, PELA PRÁTICA, EM TESE, DO ATO ÍMPROBO DESCRITO NO ART. 11, INC. II, DA CITADA LEI, TENDO EM VISTA A RECUSA DA RÉ, POR MOTIVOS PESSOAIS, DE LAVRAR AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE RESULTANTE DE OPERAÇÃO CONDUZIDA PELA POLÍCIA MILITAR NO DIA 3-5-2013. MAGISTRADA SINGULAR QUE REPUTOU DEMONSTRADO QUE A ACIONADA DEIXOU DE PRATICAR, INDEVIDAMENTE, ATO DE OFÍCIO, INCORRENDO NA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE IMPORTA EM AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO, NAS SANÇÕES DE PERDA DO CARGO PÚBLICO, PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO PELO PRAZO DE 3 (TRÊS) ANOS E AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL NO IMPORTE DE 2 (DUAS) VEZES A SUA REMUNERAÇÃO AO TEMPO DOS FATOS. INCONFORMISMO DA DEMANDADA.
1) ENTRADA EM VIGOR, APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA E DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, DA LEI N. 14.320/2021, QUE ESTABELECEU MODIFICAÇÕES SIGNIFICATIVAS NO TEXTO DA LEI N. 8.429/1992, AS QUAIS, CONFORME ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DESTA CORTE ESTADUAL DE JUSTIÇA, RESSALVADOS OS CASOS EXCEPTUADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO TEMA 1.199 (PROCESSOS TRANSITADOS EM JULGADO E NORMAS RELACIONADAS À PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE), SÃO APLICÁVEIS AOS PROCESSOS EM CURSO QUANDO DA SUA ENTRADA EM VIGOR, EM ADENDO À EXPRESSA PREVISÃO LEGAL ACERCA DA INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR ÀS AÇÕES DE IMPROBIDADE (ART. 1º, §4º, DA LIA).
2) PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE AVENTADA PELA RÉ NESTA INSTÂNCIA RECURSAL, PREVISTA NO ART. 23, §§ 4º E 5º, DA LEI N. 8.429/1992 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.230/2021). MATÉRIA DELIBERADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM REPERCUSSÃO GERAL, NO JULGAMENTO DO TEMA 1.199/STF, QUE REPUTOU O REGIME PRESCRICIONAL PREVISTO NA LEI N. 14.230/2021 IRRETROATIVO, APLICANDO-SE OS NOVOS MARCOS TEMPORAIS A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA DENOMINADA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRETENSÃO INSUBSISTENTE. PRELIMINAR AFASTADA.
3) APELO DA RÉ. REQUERIDA A REFORMA DA SENTENÇA E A IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO MINISTERIAL, AO ARGUMENTO DE QUE NÃO PRATICOU QUALQUER ILEGALIDADE, VISTO QUE DEIXOU DE LAVRAR O CITADO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EM RAZÃO DOS EXCESSOS OCORRIDOS NA OPERAÇÃO CONDUZIDA PELA POLÍCIA MILITAR. ADEMAIS, TECEU CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS AUTONOMIAS FUNCIONAL E OPERACIONAL INERENTES AO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA, ASSEGURADAS PELA LEI ESTADUAL N. 453/2009. ALEGADA AUSÊNCIA DE RECUSA INDEVIDA DA EXECUÇÃO DE ATO DE OFÍCIO E, EM CONSEQUÊNCIA, DA PRÁTICA DE QUALQUER ATO QUE CONFIGURE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIABILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO, CONTUDO, POR FUNDAMENTO DIVERSO. ALTERAÇÃO SIGNIFICATIVA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992, APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI N....

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