Acórdão Nº 0900220-06.2017.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Civil, 26-05-2022

Número do processo0900220-06.2017.8.24.0075
Data26 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900220-06.2017.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: CADQ COMUNIDADE DE APOIO AO DEPENDENTE QUIMICO EIRELI ADVOGADO: LILIAN VARGAS (OAB SC015009) ADVOGADO: RAPHAEL VIEIRA VOLPATO (OAB SC024739) INTERESSADO: RODNEI FOGACA

RELATÓRIO

Perante o juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Tubarão, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina deflagrou ação civil pública em face de CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda., representado por seu sócio-administrador Rodinei Fogaça, asseverando que, sob a forma de sociedade empresária limitada, a ré atua na reabilitação de dependentes químicos no município de Tubarão/SC e possui características asilares, contudo sem fornecer às pessoas acometidas de transtornos mentais, e que ali também estão abrigadas, assistência à saúde em período integral, especialmente no que diz com os serviços médicos. Informou ter recebido diversas notícias de que a instituição estaria realizando internações psiquiátricas involuntárias, e fez menção às notícias de fato nºs 01.2017.00017659-8, 01.2017.00019519-5, e 01.2017.00020486-7, bem assim ao termo de Informação nº 0023/2017/04PJ/TUB, dizendo que todos os expedientes deram conta, outrossim, da falta de avaliação médica antecedente às internações, em violação ao artigo 8º da Lei nº 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica). Em referência ao § 3º do artigo 4º do mesmo diploma, reputou taxativa a proibição da internação de pacientes portadores de doenças mentais em instituições com características asilares, ou seja, desprovidas de serviços para garantir assistência integral às pessoas portadoras de transtornos mentais, e que não assegurem os direitos enumerados no artigo 2º, parágrafo único, da mesma Lei, insistindo ser este o caso da ré. Acrescentou, à p. 8: "A prévia avaliação diagnóstica não é realizada pelo CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda., já que, conforme documentos apresentados pelo próprio demandado, o residente Rodrigo Motta Porto, a título de exemplo, foi internado sem a apresentação de qualquer laudo médico ou submissão a exame".

Reputando presente fundamento relevante e também o risco iminente de dano, propugnou a concessão de liminar inaudita altera parte a fim de que a ré (i) se abstivesse de praticar ou manter qualquer tipo de internação psiquiátrica, restringindo-se ao acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas que, voluntariamente, buscassem os serviços, e (ii) liberasse todos os residentes acolhidos involuntariamente, entregando aqueles sem condições mentais de gerir a própria pessoa aos familiares dispostos a buscá-los e, na ausência destes, conduzindo-os até o seus domicílios em segurança.

Requereu a designação de audiência de conciliação e a ampla produção probatória, buscando, no mérito, a confirmação do item "i" do pedido liminar, bem assim a fixação de multa, em valor não inferior a R$ 10.000,00 para cada ato de descumprimento do comando judicial, incluído o de caráter liminar.

Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1 - INF2 a INF92).

O pedido liminar ficou indeferido no evento 5, ressaltando o magistrado Edir Josias Silveira Beck, em suma, que "não há como até aqui ver presentes elementos suficientes dando conta da probabilidade do direito, vale dizer da efetiva manutenção de alguém em internação involuntária à revelia dos requisitos legais".

O Ministério Público propugnou a juntada de cópia integral dos autos da notícia de fato nº 01.2017.00022113-3, registrada a partir de atendimento realizado em 11/10/2017 junto a 4ª Promotoria de Justiça da comarca de Tubarão, dizendo que corroboravam "os elementos de convicção que instruíram a exordial, nos termos do artigo 435, parágrafo único, do Código de Processo Civil" (evento 10 -PET98, INF99 a INF108).

O Parquet também comunicou, no evento 13, a interposição de agravo de instrumento da decisão que refutara o pedido liminar (PET111, INF112 a INF143), e, em juízo de retratação, o togado singular manteve a decisão agravada por seus fundamentos (evento 15).

A ré contestou os pedidos no evento 31. Defendeu atuar tão somente no acolhimento, em caráter voluntário, de pessoas com problemas associados ao uso ou à dependência de substâncias psicoativas e minimamente interessadas no tratamento, ou seja, sem praticar internações psiquiátricas involuntárias. Acrescentou já observar as práticas que o Ministério Público pretende ver implementadas, discorrendo, à p. 3: "Além de toda documentação exigida, principalmente, ficha do paciente, termo de internação voluntária (agora com a subscrição de 2 testemunhas), a comunidade terapêutica vem realizando a avaliação médica prévia à internação dos acolhidos". Refutou, uma a uma, as alegações relacionadas às internações de Gentil de Souza, Rodrigo Motta Porto e Roberto Cunha Medeiros, também afirmando que todos passaram por triagem com assistente social, psicólogo e coordenadores para preenchimento da ficha do interno, termo de internação voluntária e outros documentos referentes à avaliação médica.

Sobre a regularidade de sua situação perante os órgãos fiscalizadores, prosseguiu, às p. 6-7: "Possui os competentes alvarás (fls. 93), habite-se, licenças dos bombeiros (fl. 92), Inspeção Sanitária (fl. 87-90), dentre outras colacionadas aos autos [...] foi vistoriada pela Vigilância Sanitária e já providenciou todas as exigências enumeradas pelo órgão [...] faz relevante trabalho social recebendo internos de forma de serviço assistencial e social, recebendo requisição das mais variadas entidades, CAPS, munícipio, foro da comarca, atualmente estão internados (sem teto, moradores de rua, desabrigados, etc.) 20 pessoas sem nenhuma espécie de remuneração ou contraparticipação [...]. Realizando-se os inquéritos policiais e a juntada dos documentos, não se constatam, em momento algum, as irregularidades apontadas, nem ofensa às normas vigentes (Leis e Resoluções)". Propugnou a concessão da gratuidade, a produção de todas as provas admitidas e, enfim, a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (evento 31 - INF156 a INF168).

Saneado o feito e autorizada a produção de prova oral (evento 38), sobrevieram os róis de testemunhas da ré e do Ministério Público (eventos 45 e 47).

Na audiência do dia 26/4/2018 foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo Ministério Público, que insistiu na oitiva das faltantes. A ré propugnou a oitiva de suas testemunhas somente ao final da inquirição das do Parquet, o que ficou deferido.

Na audiência de continuação, realizada em 30/8/2018, foi ouvida uma testemunha do Ministério Público, que desistiu da inquirição de Rodrigo Motta Porto e de Jaqueline Rosa Nascimento. Foram ouvidas outras três testemunhas arroladas pela ré, que desistiu da oitiva das demais (eventos 57 e 88).

O agravo de instrumento nº 8000527-74.2017.8.24.0000 foi julgado por esta Quarta Câmara de Direito Civil no dia 23/8/2018, sob a relatoria da digna desembargadora Rosane Portella Wolff, ficando assim redigida a ementa (evento 83):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JUÍZO A QUO QUE INDEFERE A TUTELA DE URGÊNCIA.INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA IMPOSIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE NÃO REALIZAÇÃO DE INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS INVOLUNTÁRIAS E LIBERAÇÃO DOS INTERNOS QUE NÃO AQUIESCERAM COM O TRATAMENTO. LEI N. 10.2016/2001. TUTELA DE URGÊNCIA QUE DEVE SER CONCEDIDA QUANDO DEMONSTRADA A PROBABILIDADE DO DIREITO E O PERIGO DE DANO. INTELIGÊNCIA DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CIRCUNSTÂNCIAS QUE DENOTEM NÃO VOLUNTARIEDADE DOS INTERNOS AUSENTES. TERMOS DE INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA SUBSCRITOS PELOS PACIENTES SUPOSTAMENTE ASILADOS COMPULSORIAMENTE. SATISFAÇÃO, A PRINCÍPIO, DO COMANDO DO ART. 7º DA LEI N. 10.216/2001. IMPERATIVO INDEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR ALMEJADA.DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

O Ministério Público ofereceu alegações finais no evento 93. Discorreu sobre o conteúdo dos depoimentos colhidos durante a audiência de instrução e concluiu ressair do acervo probatório que, ao menos em 29 oportunidades, a ré admitiu internações involuntárias nas suas dependências, o que contraria a legislação vigente. Insistiu no acolhimento dos pedidos e na condenação da ré ao pagamento das custas processuais, verbas de sucumbência e demais cominações de estilo, a serem revertidas a fundo para reconstituição dos bens lesados (artigo 13 da Lei nº 7.347/85).

Nos eventos 94 e 95, consoante autorizado na audiência do dia 30/8/2018, o Parquet procedeu à juntada de documentação referente aos autos do inquérito policial convertido na ação penal pública incondicionada nº 0003607-88.2016.8.24.0075 (INF224 a INF415).

As alegações da ré sobrevieram no evento 101.

No evento 103, o juiz Edir Josias Silveira Beck julgou improcedente a demanda, isentando o autor do pagamento de custas e honorários.

No evento 111, recorreu o Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Fazendo referência, dentre outros, à Resolução nº 2.057/2013, do Conselho Federal de Medicina, a qual consolida as diversas resoluções da área da psiquiatria, bem assim à Resolução nº 1/2015, do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, insistiu que a apelada se caracteriza como comunidade terapêutica não médica, de sorte que somente pode receber pacientes interessados no tratamento, sendo-lhe vedado praticar ou permitir ações de contenção física ou medicamentosa, isolamento ou restrição à liberdade da pessoa acolhida. Destacou o conteúdo dos depoimentos colhidos durante a fase instrutória e, assim, repetiu a tese de que o acervo probatório bem demonstra que, ao menos em 29 oportunidades, a recorrida admitiu internações involuntárias nas suas dependências, em contrariedade à legislação vigente, concluindo, à p. 15: "o CADQ uma comunidade terapêutica não médica, não pode receber pacientes, sob a forma de internação psiquiátrica (compulsória ou involuntária) em...

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