Acórdão Nº 0900242-45.2019.8.24.0091 do Segunda Câmara Criminal, 22-02-2022

Número do processo0900242-45.2019.8.24.0091
Data22 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900242-45.2019.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: MAURICIO SILVEIRA (RÉU) ADVOGADO: NOEL ANTONIO BARATIERI (OAB SC016462)

RELATÓRIO

Na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Mauricio Silveira, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 319 e 322 do Código Penal Militar, em razão dos fatos assim descritos:

INTROITO

No dia 3 de abril de 2018, os policiais militares RISKALA MATRAK FILHO, SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR, RICHARD VICTOR CRUZ e WALTER DIAS TEIXEIRA criaram grupo de Whatsapp a fim de investigar Carlos Alberto Pereira, vulgo "Betinho", em virtude de suas diversas passagens policiais por tráfico de drogas, associação criminosa, posse e porte de arma de uso restrito e furto.

Dessa forma, por diversas vezes, o policial militar RISKALA MATRAK FILHO determinou a realização de operação militar, consistente em diligências investigativas, aos policiais militares SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR e WALTER DIAS TEIXEIRA.

Apurou-se que a conduta praticada pelo Oficial RISKALA MATRAK FILHO foi ilegal, na medida em que os policiais militares SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR e WALTER DIAS TEIXEIRA pertenciam a Batalhões distintos [4ºBPM e 7ºBPM, respectivamente], daquele em que o Cap Riskala é lotado [Batalhão de Choque], de modo que não poderia providenciar a movimentação ou ação militar dos agentes públicos referidos, por não se tratar da atividade própria deles, bem como porque agiu sem o conhecimento e autorização de seus comandantes, o que fere diretamente a hierarquia e a disciplina militar a que estava sujeito.

Além disso, em consequência das investigações iniciadas pelo Cap RISKALA MATRAK FILHO, no dia 13 de maio de 2018, por volta das 5 horas e 20 minutos, no Condomínio Luci Guimarães, situado na Rua Caetano José Ferreira nº 440, bairro Kobrasol, na cidade de São José, SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR, RICHARD VICTOR CRUZ e WALTER DIAS TEIXEIRA, logo após tomarem conhecimento do óbito de Carlos Alberto Pereira, vulgo "Betinho do Morro do Avaí", deslocaram-se até a residência da vítima de homicídio e ingressaram clandestinamente no apartamento 1203, de "Betinho".

Por fim, em razão de tudo que foi exposto, respondem os policiais militares: a) RISKALA MATRAK FILHO por infração aos artigos 169, caput, e 322 do Código Penal Militar; b) RICHARD VICTOR CRUZ, SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR E WALTER DIAS TEIXEIRA POR INFRAÇÃO AO ART. 226, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR, NOS AUTOS Nº 0900172-28.2019.8.24.0091.

DOS CRIME DE CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA e PREVARICAÇÃO

Depois do dia 13 de maio de 2018, logo após tomar conhecimento dos fatos por meio do Policial Militar Riskala Matrak Filho, em data a ser melhor apurada na instrução processual, o denunciado MAURÍCIO SILVEIRA deixou de responsabilizar subordinados que cometeram infração no exercício do cargo, bem como não levou o fato ao conhecimento da autoridade competente, quando podia e devia agir.

Além disso, o denunciado MAURÍCIO SILVEIRA deixou de praticar indevidamente ato de ofício para satisfazer seu sentimento pessoal de coleguismo com o Policial Militar Riskala Matrak Filho, seu subordinado direto.

Segundo apurado, o denunciado MAURÍCIO SILVEIRA tomou conhecimento dos delitos alhures narrados3 , porém, mesmo ciente da conduta criminosa dos policiais militares, o denunciado deixou de responsabilizar RISKALA MATRAK FILHO, por ter procedido serviço de inteligência para o qual não possuía atribuição, e RICHARD VICTOR CRUZ, pela invasão ao domicílio de "Betinho", seus subordinados, bem como não levou o fato a conhecimento dos comandantes de SEBASTIÃO COELHO JÚNIOR e WALTER DIAS TEIXEIRA, quando podia e devia agir diferente. Aliás, como Comandante do Choque, tinha a obrigação legal de apurar os fatos, mas mesmo assim nada fez.

Encerrada a instrução, a acusação foi julgada improcedente, conforme resolveu o Conselho Especial de Justiça, por unanimidade, para absolver Mauricio Silveira, da prática dos crimes de prevaricação e condescendência criminosa (arts. 319 e 322, ambos do CPM), com fundamento no art. 439, caput, "e", do Código de Processo Penal Militar (Evento 136 dos autos de origem).

Inconformado, o Ministério Público interpôs Recurso de Apelação (Evento 142 dos autos de origem) e, nas Razões do Evento 150 daquele feito, pugna pela condenação do acusado, nos termos da Exordial, por entender, em síntese, que há "prova mais do que suficiente ao sustento da condenação e, por via de consequência, para a reforma da decisão objurgada".

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 155 do feito de origem), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Rui Arno Richter, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do Apelo (Evento 14).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso deve ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Da prescrição

De início, faz-se necessário o reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva em abstrato quanto ao delito tipificado no art. 322 do Código Penal Militar.

Isso porque a pena máxima prevista no preceito secundário do referido tipo penal é de seis meses de detenção e, de acordo com o art. 125 do Código Penal Militar:

Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º dêste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

[...]

VII - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

No caso, a Denúncia foi recebida em 18 de julho de 2019 (Evento 3 dos autos de origem) e, considerando-se que, na origem, fora proferida Sentença absolutória, inexiste qualquer marco interruptivo a ser reconhecido até a data da presente Sessão.

Nota-se, assim, que, entre a data do recebimento da Exordial e a presente, transcorreu período superior a dois anos, tornando-se imperativo o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, em relação ao delito tipificado no art. 322 do Código Penal Militar, restando prejudicada a análise do mérito recursal quanto a esse crime.

Do mérito

O Ministério Público almeja, em síntese, a reforma da Sentença, para condenar o acusado Mauricio Silveira pela prática dos delitos de prevaricação e condescendência criminosa, previstos nos arts. 319 e 322, ambos do Código Penal Militar.

Como já destacado, em relação ao crime de condescendência criminosa, foi reconhecida a prescrição neste Voto e, quanto ao delito de prevaricação, salvo melhor juízo, deve ser mantida a absolvição. Vejamos.

O Apelado foi denunciado em razão de ter, em tese, tomado conhecimento de condutas ilegais praticadas supostamente pelo Oficial Riskala Matrak Filho e pelo Policial Militar Richard Victor Cruz, diretamente subordinados a Mauricio, sem instaurar qualquer apuração, além de deixar de comunicar aos Comandantes respectivos acerca dos fatos praticados pelos Policiais Militares Sebastião Coelho Junior e Walter Dias Teixeira.

Importante ressaltar que as condutas dos Policiais Militares Riskala Matrak Filho, Richard Victor Cruz, Sebastião Coelho Junior e Walter Dias Teixeira, estão sendo apuradas nos autos 0900172-28.2019.8.24.0091, ainda em trâmite e, com base no depoimento do Apelado no referido processo, na qualidade de testemunha, foi oferecida a Denúncia objeto deste feito.

No ponto, vale ressaltar que esta Câmara, na Sessão do dia 13/09/2019, julgou o Habeas Corpus n. 4022255-74.2019.8.24.0000, impetrado em favor do Apelado, com a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. CRIMES MILITARES. ARTS. 319 E 322, AMBOS DO CAPUT, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. PRETENDIDO O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL LASTREADA EM TESTEMUNHO PRESTADO PELO PACIENTE. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA COLHIDA SEM A CIENTIFICAÇÃO QUANTO À POSSIBILIDADE DO ACUSADO EXERCER SEU DIREITO AO SILÊNCIO, À PRESENÇA DE ADVOGADO E POR DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGENTE QUE CONFESSA VOLUNTARIAMENTE A PRÁTICA DE ILÍCITO AO PRESTAR TESTEMUNHO, SEM OSTENTAR A CONDIÇÃO DE INVESTIGADO. PROVA LÍCITA. ADEMAIS MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA DOS CRIMES SUPOSTAMENTE PRATICADOS QUE ENSEJAM O RECEBIMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA. JUÍZO DE CERTEZA NÃO EXIGIDO NESTA FASE PROCESSUAL. PACIENTE QUE, EM TESE, NA CONDIÇÃO DE CHEFE DE GRUPAMENTO DA POLÍCIA MILITAR, DEIXOU DE RESPONSABILIZAR SUBORDINADOS QUE COMETERAM INFRAÇÕES NO EXERCÍCIO DO CARGO. AGENTE QUE, AINDA, OLVIDOU-SE DE PRATICAR ATO DE OFÍCIO PARA SATISFAZER SENTIMENTO PESSOAL DE COLEGUISMO COM SUBALTERNO. JUSTA CAUSA MANIFESTA. ILEGALIDADE INEXISTENTE. SEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL QUE SE IMPÕE. "[...] 1. Não é prova ilícita, por ausência de informação sobre o direito de permanecer em silêncio e de estar acompanhado de advogado, o depoimento de pessoa que é arrolada e ouvida como testemunha, mas que resolveu, enquanto prestava declarações, confessar sua participação na infração penal". (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4007582-81.2016.8.24.0000, de Tangará, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 08-11-2016). MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO CARGO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. ACOLHIMENTO. OFENSA AOS VETORES DA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO E JUSTIFICATIVA RAZOÁVEL ACERCA DA URGÊNCIA OU DE PERIGO DA INEFICÁCIA DA MEDIDA, QUE JUSTIFICAM A REVOGAÇÃO DA CAUTELAR FIXADA. ORDEM CONHECIDA E PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Apenas a título de esclarecimento, antes de analisar a prova oral colhida, como se vê da referida ementa, foi reconhecida a licitude da utilização do depoimento do Apelado prestado nos autos da Ação Penal n. 0900172-28.2019.8.24.0091.

Ainda, destaca-se que houve falha em parte dos áudios gravados judicialmente, porém, diante da ausência de impugnação pelas partes, o Juízo de origem apontou na Sentença:

[...] Questão de ordem preliminar

De início, importa salientar que não obstante se tenha observado problemas técnicos relativos aos áudios das audiências coligidas aos autos (Eventos 35 e 65), não houve...

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