Acórdão Nº 0900251-81.2014.8.24.0026 do Segunda Câmara de Direito Público, 21-06-2022

Número do processo0900251-81.2014.8.24.0026
Data21 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 0900251-81.2014.8.24.0026/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ

APELANTE: MUNICÍPIO DE GUARAMIRIM (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE GUARAMIRIM contra a sentença (evento 23 dos autos na origem) que, na "Ação Civil Pública de n. 09002518120148240026" ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, julgou procedente o pedido formulado na inicial, nestes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para CONFIRMAR a tutela de urgência deferida às fls. 24/27 e CONDENAR o Estado de Santa Catarina e o Município de Guaramirim, a fornecerem ao paciente idoso José Marcel Zezuino, de forma regular, por meio do SUS - Sistema Único de Saúde, Fraldas Descartáveis tamanho P, na quantidade e tempo necessários ou até ordem judicial em contrário, sob pena da aplicação de multa diária já fixada em sede de cognição sumária e de sequestro da quantia suficiente para aquisição do insumo (fralda) concedido, devendo a paciente comprovar junto à Secretaria de Saúde do Município de Guaramirim, a cada 6 (seis) meses, a necessidade da continuação do tratamento.

Condeno os réus no pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), conforme o preconizado no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Isento os réus do pagamento das custas processuais, a teor do disposto na Lei n. 156/97.

Decorrido o prazo para recurso voluntário, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça, pois se trata de matéria sujeito ao duplo grau de jurisdição (artigo 475, inciso I, do Código de Processo Civil).

Cientifique-se a União da existência da presente ação.

A parte insurgente sustenta em preliminar: a) incompetência da justiça estadual, integração da União na lide e a ilegitimidade passiva ad causam da municipalidade; b) No mérito: b) ausência de comprovação da hipossuficiência da parte autora e de seu núcleo familiar, pugnando pela realização de estudo social a fim de verificar a impossibilidade de obtenção das fraldas geriátricas pelos seus próprios recursos (evento 31 dos autos na origem).

Contrarrazões apresentadas (evento 39 dos autos na origem).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Murilo Casemiro Mattos, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 14).

VOTO

Remetidos os autos à Justiça Federal, esta declarou a competência desta Corte de Justiça para análise do feito, razão pela qual, passo a análise do recurso de apelação do Município de Guaramirim/SC.

De início, acerca da ilegitimidade passiva do Ente Municipal, tem-se que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados membros e Municípios, ou seja, o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum (CC, art. 275), tratando-se de litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I). Dessa forma a ação pode ser movida em face de qualquer ente federado de forma individualizada, contra dois deles ou contra todos.

Aliás, o STF reafirmou sua jurisprudência em sede de repercussão geral acerca da solidariedade existente no concernente à implementação de políticas públicas, a fim de atender o direito à saúde estabelecido da Constituição Federal (Tema/STF 793):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, j. 05/03/2015).

Recentemente, em sede de embargos de declaração julgados em 23/5/2019, a Suprema Corte fixou nova tese relativa ao Tema 793, mantendo a solidariedade:

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente (tese firmada em 06/03/2015).

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro (nova tese firmada em 23/05/2019).

Em abono a esse posicionamento, colhe-se decisões deste Sodalício as quais também reconhecem a solidariedade das três esferas de governo para fornecimento de tratamento médico:

'Prepondera a obrigação do Estado-Membro de suportar com o fornecimento dos medicamentos pretendidos, uma vez que conta o Estado com o dever constitucional de zelar pela saúde do povo catarinense (art. 9º, II, da CE) e com a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à saúde, por meio de repasses efetuados pelo Sistema Único de Saúde - SUS. Embora se tenha a responsabilidade como comum às três esferas do governo, a solidariedade faculta o direcionamento da causa à pessoa do recorrente (art. 23, II, da CF)' (TJSC, Reexame Necessário n. 0014474-59.2012.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 02-02-2017)" (AI n. 4009586-91.2016.8.24.0000, de Blumenau, rel.ª Des.ª Vera Lúcia Ferreira Copetti, j. 31-8-2017) (AI n. 4016383-49.2017.8.24.0000, de Chapecó, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 30-01-2018).

"A CF/1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda." (STJ, AgRg no REsp n. 690.483/SC, rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, j. 19.4.05). [...]. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA. (AC n. 0006924-87.2013.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Francisco Oliveira.

Nesse contexto, afasta-se a ilegitimidade passiva ad causam.

Na questão de fundo, a Constituição Federal (arts. , , 196 e 198), como não poderia deixar de ser, trata do direito à vida e à saúde, impondo ao Estado o correspondente dever de provê-la. A Lei n. 8.080/90, ao regular o Sistema Único de Saúde - SUS e dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços a ela correspondentes, estabelece no art. 6º que "estão incluídas ainda no campo de atuação do...

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