Acórdão Nº 0900276-43.2015.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Público, 06-12-2022

Número do processo0900276-43.2015.8.24.0064
Data06 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 0900276-43.2015.8.24.0064/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0900276-43.2015.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ-SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de Reexame Necessário e de Apelações simultaneamente interpostas, por Estado de Santa Catarina e por Município de São José, em objeção à sentença prolatada pelo magistrado Otávio José Minatto - Juiz de Direito titular da Vara da Fazenda Pública da comarca de São José -, que na Ação Civil Pública n. 0900276-43.2015.8.24.0064, ajuizada por Ministério Público do Estado de Santa Catarina, julgou procedente o pedido nos seguintes termos:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA propôs "AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de antecipação de tutela" em face do ESTADO DE SANTA CATARINA e do MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, fundada na alegação de inexistência de procedimentos destinados a implantação do Serviço Residencial Terapêutico nesta Urbe, visando a efetiva implementação do referido serviço, em forma e número suficiente para suprir a demanda existente no Município.

Requereu, em sede antecipação de tutela (fls. 21/23), a determinação para que o Município Réu dê início às providências necessárias à implementação do Serviço Residencial Terapêutico-SRT de forma adequada e organizada, no prazo de 30 (trinta) dias.

[...]

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ e o ESTADO DE SANTA CATARINA, em consequência, determino em sede de antecipação de tutela que o que o Município de São José dê início às providências necessárias à implementação do Serviço Residencial Terapêutico tipo I e tipo II nos termos do item a da exordial, no prazo de 120 (cento e vinte) dias.

No mais que os réus, no prazo de 01 (um) ano (decorrido o período acima) e agora sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de descumprimento, esgotem os procedimentos destinados à implantação do SRT (Serviço Residencial Terapêutico) no âmbito do Município de São José, obedecendo as etapas constantes às folhas 23/27, com exceção do prazo inicial (item a). Assim cada réu deve cumprir a obrigação que lhe cabe na forma discriminada àquelas folhas, as quais transcrevo para que não haja qualquer dúvida acerca da obrigação a ser cumprida.

[...]

Para que se entenda de forma inequívoca: o Município e o Estado têm um prazo (suficiente e razoável) de 01 (um) ano a contar do trânsito em julgado da presente decisão para a colocar em pleno funcionamento os SRT's, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) cada ente, com reversão (revertida em prol do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina), por dia de descumprimento, contados do término do prazo retro mencionado.

Malcontente, o Estado de Santa Catarina argumenta que:

[...] não pode o Ministério Público Estadual por intermédio do Poder Judiciário obrigar que o Poder Executivo Estadual substituía o Poder Executivo Municipal em relação às competências que lhe são afetas, quando apenas o ente federado municipal tem a competência para a criação dos serviços residenciais terapêuticos.

Não se olvida que a residência terapêutica é um modelo ideal de socialização dos portadores de transtorno mental. Mas incabível exigir dos Poderes Públicos Municipal e Estadual a implantação incontinenti desta medida, se imiscuindo nos atos de gestão e planejamento governamental.

A inexistência de residências terapêuticas suficientes ao atendimento integral dos munícipes que delas necessitam, não significa que o Município deixe desamparado o paciente que sofre distúrbios mentais.

[...] estão sendo tomadas as medidas adequadas para a efetivação dos Serviços Residenciais Terapêuticos, sobretudo por parte do Estado de Santa Catarina, com política pública voltada a implementação dos ditames prescritos constitucionalmente no art. 196.

Nestes termos, lançando prequestionamento da matéria, brada pelo conhecimento e provimento do apelo.

Já o Município de São José, a seu turno, aduz que:

[...] o Município entende que as sentenças recorridas interferem em sua autonomia; motivo pelo qual o recorrente requer o provimento deste recurso, a fim de que não seja obrigado à implantação do Serviço Residencial Terapêutico, podendo, assim, deliberar pela implantação ou não do serviço nos moldes do idealizado pela União, por meio do Ministério da Saúde, na medida que impôs um modelo de serviço residencial terapêutico, não admitindo a possibilidade do gesto municipal adequá-lo à sua realidade local.

Na ação originária deste recurso, o ora recorrente já arguiu incidentalmente a inconstitucionalidade das Portarias n. 106/2000, 1.220/2000 e 3.090/2011, todas do Ministério da Saúde, sob o argumento de afronta à autonomia municipal.

Muito embora a sentença recorrida tenha rechaçado tal argumento, o apelante insiste no mesmo pleito, refutando a obrigatoriedade das citadas portarias ministeriais aos demais entes federados, ante a sua inconstitucionalidade.

[...] o apelante pleiteia que lhe seja oportunizado o direito de implementação do serviço conforme as suas especificidades locais e próprias, de modo autogerir o serviço a devida eficiência e qualidade.

[...] um dos principais obstáculos é justamente a necessidade disponibilização de servidores públicos para o atendimento nos SRT's dos tipos I e II durante as 24 horas de cada dia, ininterruptamente, não importando de se tratar de dia útil ou feriado e fins de semana. Não bastaria apenas montar uma mera escala de serviço, antes as peculiaridades do regime jurídico estatutário. A ocorrência de afastamentos de servidores por curto ou longo prazos e a dificuldade de reposição servidores (exigência de concurso público) poderiam comprometer a eficiência do serviço residencial terapêutico, bem como a saúde dos seus usuários.

Assim, o Município defender a contratação de vagas em instituições privadas similares aos residenciais terapêuticos, arcando integralmente com os custos da estadia dos moradores.

[...] é imprescindível a reforma da sentença para oportunizar que o ora recorrente não seja compelido à implantação e custeio de serviço especializado para os quais não dispõe de recursos financeiros suficientes.

Subsidiariamente, requer o Estado de Santa Catarina seja condenado a auxiliar o Município na implantação e custeio do referido serviço público de saúde mental, ante a responsabilidade solidária de União, Estados e Municípios em matéria de saúde pública.

[...] o mais correto é a reforma da decisão para não impor as limitações atinentes a portarias ministeriais já revogadas ou passíveis de futura revogação, o que tornaria imutável determinado critério defasado ou obsoleto ao serviço público. É neste viés que o Município se insurge na pretensão de que, uma vez sendo mantida a condenação em sede recursal, não seja vinculada a especificidades de específicas portarias ou normativa infralegal.

De outra banda, o recorrente requer a alteração da quantidade máxima de ocupação dos SRT's para, no máximo, dez usuários do serviço, bem como não sejam considerados os demais critérios de portarias já revogadas pelo Ministério da Saúde.

[...] caso a condenação prevista em sentença seja mantida, seria necessário o estabelecimento do prazo único de, no mínimo, 36 meses, contados do trânsito em julgado, para início dos procedimentos de implantação dos SRT's e também para o efetivo funcionamento dos serviços.

[...] Excelência, a sentença dos embargos promoveu verdadeiro juízo de retratação acerca de ponto que teve o efeito prático de prejudicar o então embargante, ampliando a condenação da obrigação de fazer, no sentido de manifestadamente reduzir o prazo o início dos procedimentos de implantação para apenas 30 dias e, ainda, incluindo esse período no prazo final de um ano para o pleno funcionamento do serviço.

Neste sentido, em sendo mantida a condenação prevista em sentença, o Município de São José requer a fixação de prazo de 90 ou 120 dias para dar início aos procedimentos de implantação do SRT e, somente posteriormente ao transcurso desse prazo, que comece a fluir o prazo de até um ano para o efetivo funcionamento do citado serviço.

Ipsis verbis, exora pelo conhecimento e provimento do reclamo.

Na sequência sobrevieram as contrarrazões, onde o membro competente do Parquet atuante no juízo a quo refuta uma a uma as teses manejadas, evocando pelo desprovimento dos reclamos.

O Estado de Santa Catarina apresentou contrarrazões ao recurso do Município de São José, invocando o desprovimento do inconformismo.

Já o Município de São José, em 04/03/2021 compareceu de forma espontânea nos autos (Evento 195) - suprindo a falta de intimação para contrarrazoar -, sem, contudo, apresentar resposta.

Em Parecer do Procurador de Justiça Carlos Alberto de Carvalho Rosa, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento de ambas as insurgências.

Em apertada síntese, é o relatório.

VOTO

Por preencherem os pré-requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

Considerando que as apelações possuem tópicos de insurgência em comum, passo a apreciá-las conjuntamente.

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou a Ação Civil Pública n. 0900276-43.2015.8.24.0064, objetivando a implantação do SRT-Serviço Residencial Terapêutico no Município de São José, a fim de ofertar aos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência em hospitais psiquiátricos e de custódia que não possuam suporte social e laços familiares, moradias para viabilizar sua inserção social.

Pois bem.

Em 08/03/2013, o membro competente do Parquet atuante no juízo a quo instaurou o Inquérito Civil n. 06.2013.00002778-3, "visando acompanhar a efetiva implementação da rede de atendimento à saúde mental...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT