Acórdão Nº 0900306-50.2019.8.24.0028 do Quarta Câmara Criminal, 01-06-2023

Número do processo0900306-50.2019.8.24.0028
Data01 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0900306-50.2019.8.24.0028/SC



RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: KARINA QUAREZEMIN SCREMIN (RÉU) E OUTRO ADVOGADO(A): ALEXANDRE REIS DE FARIAS (OAB SC009038)


RELATÓRIO


Na comarca de Içara, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Ledio Mondardo e Karina Quarezemin Scremin, imputando-lhes a prática do delito capitulado no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, c/c o art. 71 do Código Penal (três vezes), pois, segundo consta na inicial:
I - DA RESPONSABILIDADE DE LÉDIO MONDARDO E KARINA QUAREZEMIN SCREMIN
A empresa Coposul Copos Plásticos do Sul Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 80.493.638/0001-40 e Inscrição Estadual n. 25.167.004-0, estabelecida na Rua Criciúma, s/n, Jaqueline, Içara/SC, até o ano de 2007, tinha como proprietário e administrador Joacir Scremin. Com o seu falecimento, sua esposa Neuza Quarezemin Scremin, na condição de inventariante, assumiu, de acordo com o contrato social, a administração da referida empresa, conforme documento de fls. 91- 97.
Contudo, durante o trâmite da Notícia de Fato n. 01.2016.00012755-9, procedimento extrajudicial instaurado na 6ª Promotoria de Justiça de Criciúma/Promotoria Regional da Ordem Tributária e que deu origem aos processos criminais n. 0900505-43.2017.8.24.0028 e n. 0900369-46.2017.8.24.0028 (cópias em anexo), apurou-se que Neuza jamais administrou de fato a empresa, sendo que tal responsabilidade incumbia e incumbe a Lédio Mondardo, diretor da empresa, e a Karina Quarezemin Scremin, filha de Joacir e de Neuza, conforme será demonstrado durante a instrução do processo.
Registre-se, ademais, que Lédio Mondardo e Karina Quarezemin Scremin, além da administração geral da empresa, determinavam os atos de escrituração fiscal e eram responsáveis pela apuração e recolhimento do ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação devido, sendo certo que quaisquer vantagens ou benefícios obtidos por tal pessoa jurídica eram aproveitados diretamente pelos denunciados, sujeitando-se à regra inserta no art. 11 da Lei 8137/90.
II - DA DÍVIDA ATIVA N. 19000514757
Os denunciados Lédio Mondardo e Karina Quarezemin Scremin, administradores de fato da empresa Coposul Copos Plásticos do Sul Ltda., esta na condição de substituto tributário, em datas de 14 de fevereiro de 2018, 09 de março de 2018 e 23 de abril de 2018, deixaram de efetuar o recolhimento de R$ 44.227,58 (quarenta e quatro mil duzentos e vinte e sete reais e cinquenta e oito centavos), do imposto ICMS retido por substituição tributária com apuração mensal, conforme declarado pelos próprios denunciados nas Declarações do ICMS e Movimento Econômico (DIMEs) dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018.
Por tal motivo foi emitida a Dívida Ativa n. 19000514757, a qual, computando-se o imposto apropriado e os acréscimos de multa e juros, alcançou o montante histórico de R$ 56.241,79 (cinquenta e seis mil duzentos e quarenta e um reais e setenta e nove centavos) sendo que o valor atualizado até a presente data perfaz o total de R$ 56.918,47 (cinquenta e seis mil novecentos e dezoito reais e quarenta e sete centavos).
Acrescente-se, ainda, que, de acordo com os registros do Sistema de Administração Tributária - S@T, da Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, os valores correspondentes aos crimes narrados não foram pagos nem parcelados (Evento 1, PET1, autos originários)
Oferecida a resposta à acusação (Evento 18, DEFESA PRÉVIA1, autos originários), o Magistrado a quo julgou improcedente o pedido formulado na denúncia, para absolver sumariamente os réus quanto ao cometimento do delito descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, c/c o art. 71, caput, do Código Penal, em razão da atipicidade da conduta, na forma do art. 397, III, do Código de Processo Penal (Evento 31, SENT1, autos originários).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o representante do Ministério Público interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou a reforma da sentença, a fim de que seja reconhecida a tipicidade formal do delito previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, imputado aos recorrentes, e determinado o prosseguimento do feito. No mais, prequestionou a matéria discutida nas razões recursais (Evento 44, APELAÇÃO1, autos originários).
Apresentadas as contrarrazões (Evento 49, CONTRAZAP1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do reclamo (Evento 9, PROMOÇÃO1)

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do apelo.
Insurge-se o Ministério Público contra a decisão que absolveu sumariamente Ledio Mondardo e Karina Quarezemin Scremin quanto ao cometimento do delito descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, c/c o art. 71, caput, do Código Penal, em razão da atipicidade das condutas, nos seguintes termos:
Cuida-se, na espécie, de ação penal pública incondicionada, movida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em face de Karina Quarezemin Scremin e Ledio Mondardo, na qual se objetiva a apuração da responsabilidade criminal do acusado pela prática de crime tributário, capitulado no inciso II do artigo 2º da Lei n. 8.137/90, in verbis:
[...]
De plano, cumpre analisar se efetivamente a conduta descrita nos autos subordina-se ou não ao mencionado dispositivo legal, ou seja, se o débito de ICMS declarado regularmente pelo réu e não quitado serve para caracterizar o ilícito penal acima descrito.
Inicialmente, cumpre consignar que me parece óbvia a conclusão de que o sujeito passivo a que alude o referido comando legal não pode, certamente, ser o contribuinte, sob pena de, nessa circunstância, estarmos ferindo - sob esse ângulo de interpretação - o axioma que veda a prisão por dívidas no Brasil.
Neste ponto, corroborando com a jurisprudência emanada pela nossa Corte Estadual de Justiça, entendo que "aqui, não se está a punir, no inciso da lei de que se cuida, pura e simplesmente a inadimplência tributária, mas sim a prática de não ser recolhido ao verdadeiro destinatário o valor que o contribuinte cobrou, precisamente para esse fim, de um terceiro." (grifei) (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.015884-8, de Brusque, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 09-08-2011).
Assim colocada a questão, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade no preceito legal em comento. Justa me afigura a sanção penal, desde que a sujeito ativo efetivamente cometa a conduta descrita na norma, a qual consiste em deixar de recolher valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro.
Por outro lado, não ignoro o posicionamento de que a hipótese em apreço configura crime contra a ordem tributária, ao argumento de que o comerciante (contribuinte de direito) realiza o tipo penal do art. 2°, II, da Lei 8.137/90 ao deixar de recolher ICMS que cobrou do consumidor (que seria um "terceiro"), este apontado como "contribuinte de fato" do imposto.
Todavia, a meu ver, malgrado a importância prática e jurídica desta classificação doutrinária - contribuinte de fato e contribuinte de direito - que, inegavelmente, rende inegáveis repercussões no âmbito do Direito Tributário, refletindo inclusive na questão da repetição do indébito tributário, por exemplo (CTN, art. 166 e STF, Súmula 546), em sede de Direito Penal creio que a matéria deve ser analisada sobre outros e diferentes contornos.
Isso porque, apesar da larga difusão da ideia de que o consumidor é o contribuinte de fato do ICMS, por ser este quem realmente arca com a carga tributária ao final, no particular, entendo que esta realidade não seja suficiente para desprezar a escolha do legislador em eleger o "comerciante" como verdadeiro e único contribuinte do imposto em comento.
Com efeito, dispõe o art. 121 do Código Tributário Nacional que o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo, que, segundo o parágrafo único do mesmo artigo, pode ser denominado contribuinte, aquele que possui relação direta e pessoal com a situação que constitui o fato gerador; ou responsável, cuja obrigação de pagamento decorre de imposição legal, sem que tenha relação direta com o fato gerador.
Ainda, segundo o Código Tributário Nacional (art. 114), o fato gerador da obrigação tributária "é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".
No tocante ao ICMS, a Lei Complementar n. 87/1996, consoante permissivo constitucional (art. 146, III), dispõe acerca dos preceitos gerais do tributo, competindo aos Estados a regulamentação das disposições especiais. Já em Santa Catarina, é a Lei Estadual n. 10.297 que regula o ICMS no Estado.
Mencionada Lei Estadual prescreve em seu artigo 2º as hipóteses em que o ICMS é devido, de modo que a obrigação tributária surge com a concretização da hipótese legal de incidência - fato gerador -, o qual, segundo o artigo 4º, ocorre quando da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte. Outrossim, referida lei considera contribuinte do ICMS qualquer pessoa física ou jurídica que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria (art. 8º).
Neste contexto, constata-se que quem realiza a hipótese legal de incidência é o comerciante, uma vez que é ele quem promove a circulação da mercadoria para o consumidor. E ao realizar a operação comercial (fato gerador), o comerciante passa a compor o polo passivo da respectiva obrigação tributária, ao tempo em que surge para ele o dever de pagar o tributo.
Assim, não se pode ignorar tal aspecto da realidade "jurídica" para, sob o pretexto de encontrar um outro contribuinte, dito "de fato", desfigurar a qualidade que a...

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