Acórdão Nº 0900310-82.2017.8.24.0020 do Terceira Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0900310-82.2017.8.24.0020
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCriciúma
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0900310-82.2017.8.24.0020, de Criciúma

Relator: Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

APELAÇÃO CRIMINAL (RÉUS SOLTOS). CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO E A FÉ PÚBLICA, E OUTROS. IMPUTAÇÃO PELA PRÁTICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2°, § 4°, II, DA LEI N. 12.850/2013), PECULATO (21 VEZES) (ART. 312, CAPUT, DO CP) E FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). NOVE RÉUS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, ABSOLVENDO TODOS OS RÉUS DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E CONDENANDO PARTE DELES PELOS CRIMES DE PECULATO E FALSIDADE IDEOLÓGICA.

RECURSO DA DEFESA (TRÊS RÉUS) E DA ACUSAÇÃO. PONTOS DEVOLVIDOS, NA ORDEM ANALISADA NO ACÓRDÃO, ASSIM ORGANIZADOS PELO EXTENSO VOLUME DO PROCESSO [31 VOLUMES]:

1. PRELIMINAR. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NEGATIVA DE ACESSO A DOCUMENTOS (DEFESA DE EDUARDO). Não há falar em cerceamento de defesa pela "negativa de acesso a documentos" quando demonstrado nos autos que todo o conteúdo que embasou a denúncia e a sentença condenatória, - fruto da quebra de sigilo bancário, fiscal e de interceptações telefônicas autorizadas -, restou devidamente juntado ao caderno processual, sobretudo se, até então, a defesa nunca havia alegado cerceamento, negativa ou atraso no acesso de tais documentos e tampouco demonstrou concretamente o prejuízo sofrido. Preliminar afastada.

2. PRELIMINAR. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO ESPECÍFICO NA CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DOS DANOS (DEFESA DE EDUARDO). Tornar certa a obrigação de indenizar os danos causados pelo crime é efeito genérico da sentença condenatória (art. 91, I, do Código Penal), de modo que o pedido só pode ser analisado se mantidas as condenações do acusado, confundindo-se com o mérito do processo. Análise enquanto preliminar prejudicada e, em sendo o caso, postergada.

3. MÉRITO. PECULATO (EDUARDO). PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELA ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS (DEFESA DE EDUARDO) 3.1 Não há falar em insuficiência probatória quando os elementos informativos e as provas colhidas nos autos, analisados em conjunto, formam um arcabouço probatório suficiente para embasar a condenação. 3.2 Na hipótese, não há dúvidas do cometimento dos crimes de peculato referentes aos Fatos 2, 3, 4, 5, 6, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20 e 22 por Eduardo, uma vez comprovado que, na qualidade de funcionário público equiparado e agindo com dolo específico, apropriou-se e desviou valores de que tinha a posse em razão do cargo, em proveito próprio, conforme fundamentação específica para cada fato. Recurso desprovido no ponto, mantidas as condenações. 3.3 De outro lado, merece provimento o pleito de absolvição relativo ao "Fato 21", porquanto a conduta narrada não se amolda ao tipo penal. Neste caso, Eduardo recebia valores públicos, com o aval do órgão fiscalizador, para desempenhar funções que efetivamente executava, não havendo falar em desvio ou apropriação indevida de verbas públicas, ainda que o cargo contrariasse os termos dos convênios firmados. Recurso de Eduardo parcialmente provido neste ponto.

4. MÉRITO. PECULATO (CÉLIO E MAXWELL). PLEITO DE CONDENAÇÃO PELA ALEGADA SUFICIÊNCIA DE PROVAS (RECURSO DA ACUSAÇÃO). 4.1 Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "No delito de peculato-desvio, previsto no art. 312, caput, segundo figura do Código Penal, o dolo é representado pela consciência e vontade de empregar a coisa para fim diverso daquele determinado, aliado ao elemento subjetivo do injusto, consistente no especial fim de agir, que é a obtenção do proveito próprio ou alheio" (STJ, REsp 1257003/RJ, DJe 12/12/2014). 4.2 No caso, inviável a condenação dos acusados Célio e Maxwell, uma vez que a Acusação não logrou comprovar satisfatoriamente que agiram com dolo específico, sobretudo que ambos sabiam que seus serviços eram pagos com verbas públicas desviadas. Recurso da Acusação desprovido no ponto, mantidas as absolvições com fulcro no art. 386, VII, do CPP.

5. MÉRITO. PECULATO (NILSON). PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELA ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS (DEFESA DE NILSON). 5.1 O Juiz absolverá o réu quando não houver provas suficientes para embasar a condenação, de modo que, havendo dúvida, esta deve militar em favor do acusado, nos termos do art. 386, VII, do CPP. 5.2 Na hipótese, havendo dúvidas consistentes acerca do dolo específico de Nilson, o qual, aparentemente, desconhecia que seus serviços eram pagos com recursos públicos desviados, entre outras alegações pertinentes e corroboradas pelo acervo probatório, mostra-se inviável condená-lo pelo crime de peculato em concurso de agentes. Recurso de Nilson provido para absolvê-lo, prejudicada a análise das teses defensivas subsidiárias.

6. MÉRITO. FALSIDADE IDEOLÓGICA (EDUARDO). ALEGADA CONSUNÇÃO PELO CRIME DE PECULATO (DEFESA DE EDUARDO). 6.1 A consunção ocorre quando o crime meio é absorvido pelo crime fim, ainda que este seja menos grave, constituindo etapa preparatória ou executória do segundo e nele exaurindo a sua potencialidade lesiva. 6.2 Na hipótese, a inserção de informações falsas por Eduardo nas contas prestadas ao Estado não consistiu em meio ou pressuposto necessário para a consumação dos crimes de peculato, tendo ocorrido, na verdade, em momento posterior, para ocultar e garantir-lhes o proveito, não havendo falar em consunção. Recurso de Eduardo desprovido no ponto.

7. MÉRITO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (CÉLIO, MAXWELL, NILSON, SÉRGIO E EDUARDO). PLEITO DE CONDENAÇÃO PELA ALEGADA SUFICIÊNCIA DE PROVAS (RECURSO DA ACUSAÇÃO). 7.1 Para a caracterização do crime de organização criminosa, necessário o preenchimento concomitante de quatro requisitos: (a) associação de quatro ou mais pessoas; (b) estruturação ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informal; (c) objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, seja direta ou indiretamente; (d) por meio de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou de caráter transnacional (Lei nº 12.850/2013, art. 1º, § 1º). 7.2 Na hipótese, não havendo prova de que Eduardo estava associado a, no mínimo, três pessoas (notadamente porque Célio, Maxwell e Nilson foram absolvidos), tampouco prova da "estruturação ordenada" e da dita "divisão de tarefas", inviável o reconhecimento do crime de organização criminosa, mantida a absolvição, com fulcro no art. 386, VII, do CPP. Recurso da Acusação desprovido no ponto, pela insuficiência de provas.

8. DOSIMETRIA. PECULATOS (EDUARDO). PLEITO DE RECONHECIMENTO DO CONCURSO MATERIAL ENTRE DOIS BLOCOS DE FATOS (RECURSO DA ACUSAÇÃO). 8.1 Mostra-se inviável o reconhecimento da continuidade delitiva quando os crimes foram praticados com modos de execução distintos (art. 71, caput, do Código Penal). 8.2 Na hipótese, os dois blocos mencionados pela Acusação, de fato, apresentam modus operandi diverso. No primeiro, os recursos públicos foram desviados para pagamento de serviços, materiais e obras particulares; enquanto que, no segundo, para contratação de funcionários que atuavam em proveito próprio. Recurso da Acusação provido para reconhecer o concurso material (art. 69, caput, do CP) entre os blocos formados pelos "Fatos 2, 3, 4, 5, 6 e 22" e "Fatos 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19 e 20", mantido o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de cada bloco (art. 71, caput, do CP), em concurso material com o crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP).

9. DOSIMETRIA. PECULATOS (EDUARDO). PLEITO DE AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA CONFERIDA ÀS CONSEQUÊNCIAS DOS CRIMES (DEFESA DE EDUARDO). 9.1 Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: "Não há ilegalidade no aumento da pena-base, a título de consequências do peculato, quando o julgador registra a grande quantia desviada pelo funcionário público em proveito alheio" (STJ, HC 223.071/ES, DJe 17/12/2015). 9.2 No caso, a vultosa quantia desviada por Eduardo, que no total supera 800 mil reais e, para alguns fatos em isolado, ultrapassa 100 mil reais, não deixa quaisquer dúvidas da correta valoração negativa das consequências dos crimes, então mantidas. Recurso de Eduardo desprovido no ponto.

10. EFEITOS EXTRAPENAIS. REPARAÇÃO DOS DANOS (EDUARDO). ALEGADA AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO ESPECÍFICO E INADEQUAÇÃO DOS VALORES (DEFESA DE EDUARDO). 10.1 Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "A fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais causados pela infração exige, além de pedido expresso na inicial, a indicação de valor e instrução probatória específica, de modo a possibilitar ao réu o direito de defesa com a comprovação de inexistência de prejuízo a ser reparado ou a indicação de quantum diverso" (STJ, AgRg no REsp 1785526/MT, DJe 02/08/2019). 10.2 Na hipótese, teve-se por preenchido os requisitos, na medida em que o Ministério Público formulou pedido expresso e formal na denúncia e, em alegações finais, indicou e demonstrou o valor total a ser reparado, especificando em uma tabela, fato por fato, a quantia desviada, com menção aos devidos documentos comprobatórios. As quantias previstas, - com exceção àquela referente ao "Fato 21", pelo qual Eduardo restou absolvido -, porque devidamente demonstradas e submetidas a contraditório específico, foram integralmente mantidas. Recurso desprovido no ponto.

11. EFEITOS EXTRAPENAIS. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS. ARRESTO SOBRE DIREITOS AQUISITIVOS DE IMÓVEL ADQUIRIDO EM COPROPRIEDADE. PLEITO DE LEVANTAMENTO (DEFESA DE SANDRA). 11.1 Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "A hipoteca legal e o arresto, previstos no arts. 134 e 136 do CPP, tem finalidade semelhante à da penhora civil, ou seja, assegurar o patrimônio do réu - e a apenas deste - para o pagamento de danos do crime, custas em multas" (STJ, RMS 47.205/SP, DJe 29/08/2016). 11.2 No caso, - considerando que o imóvel objeto de arresto foi adquirido em copropriedade por Eduardo, ora condenado, e Sandra, absolvida (sem recurso da...

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