Acórdão Nº 0900413-98.2018.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 27-07-2021

Número do processo0900413-98.2018.8.24.0038
Data27 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0900413-98.2018.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA


APELANTE: ISRAEL PEREIRA DE MELO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O magistrado Luís Paulo Dal Pont Lodetti, por ocasião da sentença (evento 80), elaborou o seguinte relatório:
O Ministério Público de Santa Catarina, no uso de suas atribuições constitucionais (art. 129, I da CF/88) e legais (art. 24 do CPP), alicerçado em peça informativa, propôs ação penal e denunciou Israel Pereira de Melo como incurso no art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por onze vezes, na forma do art. 71 do CP, porque:
O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'T.G.M. TRANSPORTES LTDA', CNPJ n. 84.964.840/0011-36 e Inscrição Estadual n. 25.684.308-2, atualmente estabelecida na Rua da Pedreira, n. 555, Galpão 03, Sala 02, Bairro Santa Catarina, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 272.431,76 (duzentos e setenta e dois mil quatrocentos e trinta e um reais e setenta e seis centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 16010723060, de 16/12/2016.
Recebida a denúncia, realizou-se a citação por hora certa do acusado, que ofereceu resposta escrita através da Defensoria Pública.
Durante a instrução, realizou-se o interrogatório do acusado por meio de carta precatória.
Em alegações finais, o Ministério Público disse pela procedência da denúncia, enquanto a defesa, por sua vez, alegou a atipicidade da conduta e requereu moderação na aplicação de eventual pena.
Acrescente-se que a denúncia foi julgada procedente para condenar o réu à pena de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, mais pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 8137/90, por 11 (onze) vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). A pena privativa de liberdade restou substituída por uma pena restritiva de direito.
A defesa interpôs recurso de apelação (evento 106). Em suas razões (evento 107), pugnou pela absolvição diante da atipicidade da conduta de apropriação indébita tributária e caracterização de mero inadimplemento, da ausência de comprovação de dolo e de contumácia e também diante da falta de materialidade.
Contrarrazões (evento 113).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira (evento 9, nesta instância), manifestou-se pelo desprovimento do recurso

Documento eletrônico assinado por SALETE SILVA SOMMARIVA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1165030v3 e do código CRC ac7d3bcc.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SALETE SILVA SOMMARIVAData e Hora: 9/7/2021, às 17:41:38
















Apelação Criminal Nº 0900413-98.2018.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA


APELANTE: ISRAEL PEREIRA DE MELO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


O recorrente calcou sua argumentação no fato de não considerar crime o não recolhimento de ICMS sem que tal conduta derive de ação fraudulenta, portanto, sem dolo específico de locupletação em desfavor do Fisco, devendo-se reputar o comerciante em tal situação como simples inadimplente tributário, e jamais como criminoso. Alegou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC 163.334, entendeu por criminalizar apenas os devedores contumazes do tributo. Por fim, aduziu que "não consta dos autos a necessária prova de que todas as mercadorias vendidas foram efetivamente pagas pelos seus destinatários" e que, "por consequência, não há prova de qualquer apropriação dos valores descontados ou cobrados."
Tais entendimentos, no entanto, são sistematicamente rechaçados por esta Corte de Justiça.
Primeiro, porque as instâncias civil e penal são independentes entre si, razão pela qual a existência de ação civil não é empecilho à persecução criminal.
A propósito, extrai-se de julgado do Tribunal da Cidadania:
A impugnação do débito na seara cível, embora possa ter consequências sobre o julgamento da lide penal, não obsta automaticamente a persecutio criminis, haja vista a independência da esfera cível e penal. (AgRg no REsp n. 1158834/ES, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 19-02-2013).
Como se vê, mostram-se completamente distintas a ação civil e penal, porquanto a primeira busca a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública (Lei n. 6.830/80), ao passo que a segunda objetiva a aplicação de sanção penal em virtude da ocorrência de um crime contra a ordem tributária (Lei n. 8.137/90). Desse modo, são fatos idênticos, porém, com consequências distintas previstas em lei.
Com efeito, em nada a ação de execução fiscal guarda relação com a ação penal que visa punir a conduta descrita no tipo penal em comento, que é a omissão fraudulenta em deixar de repassar aos cofres públicos tributo cobrado ou descontado, integrante do preço da mercadoria vendida, locupletando-se o agente por meio de apropriação de quantia pertencente ao Estado, sem a qual este não poderá cumprir suas funções igualmente estabelecidas no texto constitucional.
Nesse contexto, não há que se falar em comparações entre o direito privado, submetido às normas de coordenação e, por outro lado, o direito público, direcionado por normas de subordinação e no qual se encontram o direito tributário e o penal. Assim, a responsabilidade tributária em nada se relaciona com relações negociais entre particulares, derivando, em verdade, do jus imperium.
Desse modo, inegável a caracterização do tipo penal descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, que trata de crime omissivo contra a ordem tributária, consistente em "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos", quando o agente, mesmo cobrando de terceiros o ICMS, não o repassa o valor de tributo ao Fisco.
Acerca do tipo penal em comento, leciona Luis Régis Prado:
Deixar de recolher equivale a não depositar, não pagar, a reter indevidamente a quantia descontada ou cobrada do contribuinte. Consagra-se aqui a previsão de um dever jurídico a ser observado pelo sujeito passivo tributário, cujo descumprimento configurará um delito omissivo impróprio. Trata-se de conduta que deveria ter sido observada pelo responsável legal tributário (arts. 121, II, e 128, CTN) e não o foi (v.g., retenção de imposto de renda na fonte pelo empregador quando do pagamento de salário).O prazo legal para configuração do tipo é fixado em lei tributária, o que caracteriza a presente disposição como norma penal em branco, já que para a subsunção da conduta ao tipo é necessária a remissão a outras regras do ordenamento jurídico.[...]A cobrança consiste na exigência feita pelo...

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