Acórdão Nº 0900466-63.2018.8.24.0011 do Primeira Câmara Criminal, 01-06-2023

Número do processo0900466-63.2018.8.24.0011
Data01 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0900466-63.2018.8.24.0011/SC



RELATOR: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO


APELANTE: EVERSON CLEMENTE (RÉU) APELANTE: EDUARDO JORGE (RÉU) APELANTE: MAICON ANDERSON DE SOUZA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O representante do Ministério Público da Comarca de Brusque, com base no incluso Procedimento de Investigação Criminal, ofereceu denúncia contra Everson Clemente, Eduardo Jorge e Maicon Anderson de Souza, devidamente qualificados nos autos, dando todos como incursos nas sanções do artigo 90 da Lei n. 8.666/93, na redação vigente à época dos fatos, pelos fatos assim narrados na preambular acusatória, in verbis (Evento 21 dos autos da ação penal):
Conforme apurado no PIC nº 06.2017.00001057-5, no mês de outubro do ano de 2015, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Brusque instaurou a licitação na modalidade carta convite nº 10/2015, que tinha por objetivo a "contratação de empresa prestadora de serviços de roçada mecanizada costal nas rodovias sob a cirscunscrição da SDR de Brusque" (cópia do edital às fls. 35/43).
Ainda conforme apurado no referido PIC, houve atuação conjunta de duas empresas com o objetivo de direcionar o resultado da licitação.
Com efeito, da licitação participaram três empresas: a Múltiplos Serviços e Obras, a Triângulo Engenharia e Consultoria e a Sona Construtora Ltda, tendo a Múltiplos se sagrado vencedora da competição.
À primeira vista, a participação das três empresas obedeceu à legislação e tudo correu conforme se esperaria de uma licitação legítima. Todavia, quando o Ministério Público escrutinou a documentação acostada na licitação, descobriu que, na verdade, a empresa Múltiplos Serviços e Obras e a empresa Triângulo Engenharia e Consultoria estavam agindo em conjunto, de modo a garantir a vitória da Múltiplos no certame.
Isso é certo, em primeiro lugar, porque a certidão de falência, concordata e recuperação judicial apresentada pela Triângulo na licitação (documento de habilitação obrigatório), a qual se encontra na fl. 104, foi, na verdade, obtida pela própria Múltiplos, como pode ser conferido às fls. 564/569.
Esse agir da Múltiplos não é nenhuma novidade, tendo ocorrido várias outras vezes e com várias outras empresas, como amplamente discorrido na ação penal nº 0900100-58.2017.8.24.0011, que também tramita nesta Vara Criminal de Brusque.
Não fosse isso suficiente, é fácil verificar que o "layout" da proposta da Múltiplos (fls. 120/121) é idêntico ao da proposta da Triângulo (fls. 124/125), sendo certo que não é aceitável que "coincidência" de tal grandeza seja creditada ao acaso.
A tudo isso se soma que nenhum dos aqui denunciados é neófito na arte da fraude em licitações, estando todos eles já sendo processados em outros feitos pela prática desse tipo de ilícito.
Participaram da fraude, por inferência lógica, os responsáveis pelas empresas que se combinaram (os quais são as mesmas pessoas que assinaram as propostas), isto é, Everson Clemente (Múltiplos) e Maicon Anderson de Souza (Triângulo).
Participou da fraude também Eduardo Jorge, funcionário da Múltiplos que, confessadamente, obteve, através do e-mail da Múltiplos, o documento que veio a ser apresentado pela Triângulo na licitação.
Encerrada a instrução processual, o MM. Juiz a quo julgou procedente a denúncia, para condenar o acusado Everson Clemente à pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto, além de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 01 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, na redação vigente à época dos fatos e os acusados Eduardo Jorge e Maicon Anderson de Souza à pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto, além de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/4 (um quarto) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, na redação vigente à época dos fatos, substituindo a pena corporal atribuída aos réus Eduardo Jorge e Maicon Anderson de Souza por 02 (duas) medidas restritivas de direitos (art. 44 do Código Penal), consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos e prestação de serviços à comunidade (Evento 129 dos autos da ação penal).
Os acusados, irresignados, interpuseram recursos de apelação, manifestando o interesse de arrazoá-los nos termos do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal (Eventos 137, 139 e 141 dos autos da ação penal).
Após a ascensão dos autos, aportaram ao feito as razões de inconformismo.
A defesa de Everson Clemente, preliminarmente, suscitou a inépcia da denúncia, por seu caráter genérico, e a consequente nulidade de toda a persecução penal. Ainda em sede prefacial, alegou a ocorrência de conexão entre a presente ação penal e outras derivadas do mesmo procedimento investigatório (nomeadamente, aquelas de autos n. 0900100-58.2017.8.24.0011, 0901081-53.2018.8.24.0011, 0900338- 43.2018.8.8.24.0011, 0900041-70.2017.8.24.0011 e 0900986-23.2018.8.24.0011), nos termos do art. 76 do Código de Processo Penal, o que, em seu entendimento, ensejaria a nulidade do feito. Quanto ao mérito, requereu a absolvição, sob o argumento de que não restou comprovada a prática ilícita. Argumentou que não há prova do dolo específico necessário à configuração do ilícito. Ponderou, outrossim, que não poderia haver fraude ao caráter competitivo da licitação com a concordância de apenas dois competidores. Caso mantida a condenação, pugnou pelo reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) em relação ao crime sob apuração nesta ação e aqueles delitos apurados em outras ações penais derivadas do mesmo procedimento investigatório. Por fim, pleiteou o direito de recorrer em liberdade (Evento 11 dos autos em segundo grau).
Eduardo Jorge, em seu arrazoado recursal, também suscitou a inépcia da denúncia, por considerá-la genérica, e a consequente nulidade dos atos processuais. No que concerne ao mérito, clamou pela absolvição, por ausência de provas, em especial do dolo específico necessário à configuração do delito. Também requereu a aplicação da minorante referente à participação de menor importância (art. 29, § 1º, do Código Penal), dada a pouca relevância de sua contribuição ao crime. Por derradeiro, pugnou pelo direito de recorrer em liberdade (Evento 12 dos autos em segundo grau).
Maicon Anderson de Souza, a seu turno, limitou-se a requerer a absolvição. Ao longo de seu arrazoado, argumentou de que a peça acusatória não narrou a obtenção de qualquer vantagem e que não há prova suficiente da prática ilícita em discussão (Evento 15 dos autos em segundo grau).
Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (Evento 20 dos autos em segundo grau).
Ato contínuo, a defesa de Eduardo Jorge trouxe aos autos uma petição subscrita pelo próprio acusado, na qual pleiteada a desistência do seu recurso de apelação (Evento 22 dos autos em segundo grau).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Rui Carlos Kolb Schiefler, opinou: a) pela homologação da desistência do recurso de Eduardo Jorge; b) pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo de Everson Clemente; c) pelo conhecimento e desprovimento do recurso manejado por Maicon Anderson de Souza (Evento 24 dos autos em segundo grau)

VOTO


Os presentes recursos de apelação criminal voltam-se contra a sentença que, ao julgar procedente a denúncia formulada pelo Ministério Público, condenou os acusados Everson Clemente, Eduardo Jorge e Maicon Anderson de Souza pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, na redação vigente à época dos fatos.
I - Da desistência do recurso de apelação interposto por Eduardo Jorge e da admissibilidade dos demais reclamos
Após ter manejado recurso de apelação (Eventos 139 dos autos da ação penal e 12 dos autos em segundo grau), Eduardo Jorge, por meio de petição subscrita por si próprio e protocolizada por seu advogado constituído, informou não ter mais interesse na tramitação da insurgência, requerendo a sua desistência (Evento 22 dos autos em segundo grau).
Diante do pedido de desistência formulado pela parte, forçoso concluir que não há mais interesse recursal, encontrando-se prejudicada a análise do inconformismo.
Em caso semelhante, já decidiu este Tribunal:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, C/C § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FORMULADO PELO PATRONO COM PODERES ESPECIAIS E DE PRÓPRIO PUNHO PELO RÉU. HOMOLOGAÇÃO. PREJUDICIALIDADE DO EXAME DO RECLAMO RECURSAL. - O pedido expresso de desistência, ratificado por advogado que detém poderes especiais, revela o conformismo com a sentença condenatória, impondo-se sua homologação e, por consequência, a decretação da perda superveniente do objeto recursal [...]. (Apelação Criminal n. 2014.059599-7, de Rio do Oeste, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. em 09/06/2015).
Assim, homologa-se o pedido de desistência formulado por Eduardo Jorge e, por conseguinte, extingue-se o procedimento recursal no que concerne a ele.
Os demais recursos, manejados a tempo e modo, devem ser conhecidos (um deles, no entanto, apenas parcialmente, como veremos). Dito isso, passa-se à apreciação das teses ventiladas pelos insurgentes remanescentes.
II - Da preliminar de inépcia da denúncia
A defesa de Everson Clemente suscitou a inépcia da denúncia. Afirmou que as acusações formuladas pelo órgão ministerial afiguraram-se vagas.
Em que pese o argumento tecido pela defesa, não se constata a inépcia da exordial acusatória.
Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, a denúncia, peça que inaugura a persecução penal e estabelece balizas para a atividade sentenciante, há de descrever...

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