Acórdão Nº 0900627-33.2015.8.24.0026 do Segunda Câmara Criminal, 27-10-2020

Número do processo0900627-33.2015.8.24.0026
Data27 Outubro 2020
Tribunal de OrigemGuaramirim
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0900627-33.2015.8.24.0026, de Guaramirim.

Relatora: Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO II, C/C O ARTIGO 12, INCISO I, AMBOS DA LEI N. 8.137/90, NA FORMA DO ARTIGO 71, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ARGUIDA PRELIMINAR DE SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL EM RAZÃO DO PARCELAMENTO DA DÍVIDA. NÃO CABIMENTO. ADESÃO POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA INICIAL. LEI N. 12.382/11. PREFACIAL AFASTADA.

MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS. AVENTADA ATIPICIDADE DA CONDUTA PRATICADA PELO AUTOR. NÃO OCORRÊNCIA. DOLO CONFIGURADO. AGENTE QUE, NA QUALIDADE DE ADMINISTRADOR (CONTRIBUINTE DE DIREITO), DEIXOU DE RECOLHER AOS COFRES PÚBLICOS, NO PRAZO LEGAL, TRIBUTOS (ICMS) COBRADOS E EFETIVAMENTE PAGOS PELOS CONTRIBUINTES DE FATO. ALEGAÇÃO, ALTERNATIVAMENTE, DE ESTADO DE NECESSIDADE E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ORIUNDA DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DO EMPREENDIMENTO ADMINISTRADO. INADMISSIBILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR MEDIDA RESTRITIVA DE DIREITOS, CONSISTENTE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 46, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Com o advento da Lei n. 12.382/11, o ingresso em programa de parcelamento do débito tributário apenas conduz à suspensão da pretensão punitiva do Estado se a adesão ocorrer antes do recebimento da denúncia.

Conforme o Superior Tribunal de Justiça, "configura-se, em tese, o crime previsto no art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990, em qualquer hipótese de não recolhimento de ICMS, seja próprio ou por substituição, uma vez comprovada em juízo, após regular instrução criminal, a pretensão do agente de apropriar-se - animus rem sibi habendi - dos valores tributados, ao não efetuar, no prazo legal, o recolhimento do imposto por este apenas retido pela venda de mercadorias" (AgRg no AREsp n. 1.464.941/GO, Mina. Laurita Vaz, j. em 3/9/2019).

Esta Corte já decidiu que "o argumento de a sociedade empresária estar passando por dificuldades financeiras não culmina na exclusão da culpabilidade do administrador, assim como não influi na tipicidade e antijuridicidade da conduta daquele que se apodera do valor pertencente ao Estado, enquanto deveria repassá-lo. O ICMS incidente sobre operações próprias é imposto indireto, cujo pagamento é realizado pelo adquirente final da mercadoria - na qual está embutido o valor deste, de modo que o comerciante atua como mero intermediário para o repasse do tributo ao Fisco" (TJSC, Apelação Criminal n. 2015.054273-1, Des. Carlos Alberto Civinski, j. em 13/10/2015).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0900627-33.2015.8.24.0026, da comarca de Guaramirim 2ª Vara em que é Apelante(s) Nelson Zanotti e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, negar-lhe provimento, vencido o Excelentíssimo Desembargador Sérgio Rizelo. De ofício, altera-se a medida restritiva aplicada, à título de substituição da sanção corporal, para limitação de final de semana. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Norival Acácio Engel, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Rizelo.


Funcionou como representante do Ministério Público, o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Lio Marcos Marin.

Florianópolis, 27 de outubro de 2020.

Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

Relatora

RELATÓRIO

Denúncia (fls. 1/2): o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Nelson Zanotti, nos autos n. 0900627-33.2015.8.24.0026, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 8 (oito) vezes, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado, na condição de sócio administrador de 'CUBALUX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS PLÁSTICOS PARA CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA.', CNPJ n. 10.471.168/0001-39 e Inscrição Estadual n. 25.574.668-7, estabelecida na Rua 84, n. 177, Área Industrial, em Massaranduba, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 124.359,25 (cento e vinte e quatro mil e trezentos e cinquenta e nove reais e vinte e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012, documentos integrantes da Notificação Fiscal n. 136030044534, de 25/04/2013.

É de se registrar que o débito da Notificação Fiscal n. 136030044534 foi objeto de Processo Contencioso perante o Tribunal Administrativo Tributário (Autos n. 1370000023340) e restou integralmente confirmado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 22/05/2013 a 06/06/2014, conforme decisão nesse sentido proferida em HC n. 81.611-8/DF, em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal de 10/12/2003.

Sentença (fls. 1.514/1.523): O Juiz de Direito Rogério Manke julgou PROCEDENTE a denúncia, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina para condenar o acusado Nelson Zanotti, já qualificado nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no valor individual de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato, por infração ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, por oito vezes, em continuidade delitiva.

SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, nos termos da fundamentação supra.

CONDENO o réu ao pagamento das custas, nos termos do art. 804 do CPP.

CONCEDO o acusado o direito de recorrer em liberdade, pois assim permaneceu durante toda a instrução criminal (art. 594 do CPP), sem que houvesse qualquer alteração fática, bem como diante do regime prisional fixado.

Trânsito em julgado (fl. 1.530): muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de Nelson Zanotti (fls. 1.543/1.594): a defesa sustentou, preliminarmente, a suspensão do processo por força do parcelamento do débito fiscal. No mérito, requereu a absolvição pela atipicidade e inexigibilidade de conduta diversa.

Contrarrazões do Ministério Público (fls. 1.604/1.612): a acusação impugnou as razões recursais e postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória nos termos em que foi proferida.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 1.617/1.626): o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira opinou pelo conhecimento e o desprovimento do recurso.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Nelson Zanotti contra a sentença que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade fixada em 6 (seis) meses de detenção, bem como ao pagamento da pena de multa fixada em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo ao tempo do fato, por reconhecer que praticou o crime descrito no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 8 (oito) vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal.

A pena corporal foi substituída por uma restritiva de direito, consubstanciada em prestação de serviço à comunidade.

1. Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.

2. Da preliminar de suspensão do processo por conta do parcelamento do débito fiscal

A defesa pleiteou a suspensão da ação penal, tendo em vista o ingresso do agente em programa de parcelamento do débito tributário.

Não obstante, com o advento da Lei n. 12.382/11, o parcelamento do débito apenas conduz à suspensão do feito se a adesão ocorrer antes do recebimento da denúncia.

Segundo a nova redação do artigo 83, § 2º da Lei n. 9.430/96, "é suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal" (destacou-se).

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PARA FINS DE SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO APÓS A NOVA REGRA. PARCELAMENTO POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

- Apesar de os fatos perpetrados haverem ocorrido nos anos de 2008 e 2009, nos termos da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo".

- Desse modo, o entendimento firmado pelas instâncias de origem, para negar o pedido de suspensão da pretensão punitiva estatal ao paciente, está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior pois, havendo a consumação do delito ocorrido em 16/8/2012 - com sua inscrição em dívida ativa -, e após e entrada em vigor da Lei n. 12.382/2011, ocorrida em 1º/3/2011, a qual alterou a Lei n. 9.430/1996, a suspensão da Ação Penal...

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