Acórdão Nº 0900655-20.2018.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Público, 20-10-2022

Número do processo0900655-20.2018.8.24.0018
Data20 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900655-20.2018.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: DIPLOMATA S/A INDUSTRIAL E COMERCIAL (RÉU) APELADO: VICTOR BATISTA NUNES JUNIOR (RÉU) APELADO: CLARICE ROMAN (RÉU) APELADO: JACOB ALFREDO STOFFELS KAEFER (RÉU)

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública em face de Diplomata S/A Industrial e Comercial, Jacob Alfredo Stoffels Kaefer, Clarice Roman e Victor Batista Nunes Júnior, visando à reparação civil por dano ambiental coletivo, isto em razão de maus-tratos contra animas ocorridos no ano de 2012.

Com fulcro no Inquérito Civil n. 06.2012.0009864-2 - inicialmente instaurado pela 1ª Promotoria de Justiça da comarca de Xaxim e que, em virtude da amplitude do dano identificado, passou à atribuição da 9ª Promotoria de Chapecó, como Curadoria Regional do Meio Ambiente -, narrou o Órgão Ministerial que a empresa ré, frigorífico de grande porte, em razão de notória má administração, interrompeu o fornecimento de ração aos seus produtores integrados em toda a microrregião de Chapecó, ocasionando a morte de milhares de aves por inanição, além de levar os animais, famintos, ao canibalismo.

Apontou, ainda, para a prática de maus-tratos consistente na demora para realização do abate dos frangos, os quais foram mantidos confinados dentro dos caminhões de transporte, no pátio da empresa ré, sob o sol e sem alimentação, prolongando o sofrimento animal, fatos amplamente noticiados pela imprensa e que chocaram não apenas os avicultores da região, mas toda a população local.

Requereu, assim, liminarmente, a concessão de tutela de urgência para determinar a indisponibilidade dos bens dos acionados até o montante do valor da causa, como forma de garantir o pagamento da indenização postulada; ao final, a procedência dos pedidos, para condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) a título de danos morais coletivos e difusos, com destinação de 50% (cinquenta por cento) desse montante ao Fundo de Restituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina e de 50% (cinquenta por cento) aos Fundos Municipais de Direitos Difusos.

A análise do pedido liminar foi postergada (Ev. 3 - 1G).

Formada a relação jurídica processual, observado o contraditório e intimadas as partes para especificação de provas (Ev. 28 - 1G), o autor se manifestou pelo julgamento antecipado da lide (Ev. 31 - 1G), ao passo que os réus pugnaram pela designação de audiência de instrução e julgamento, arrolando testemunhas (Ev. 36-37 - 1G).

Ato subsequente, porém, o magistrado a quo julgou o pedido inicial improcedente, com acolhimento da prefacial de prescrição, nos termos do art. 487, II, do CPC (Ev. 40 - 1G).

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, arguindo, em síntese, que "o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais coletivos decorrente do cometimento de ilícitos ambientais está protegido pelo manto da imprescritibilidade", uma vez que o meio ambiente saudável constitui direito fundamental indisponível e há nos autos robusta prova do dano ambiental, consistente em maus-tratos contra milhares de aves submetidas a longo período de inanição, levadas ao canibalismo e cujo abate sofreu excessiva demora. Pugna pela reforma da sentença e pela imediata condenação dos demandados ao pagamento dos danos morais coletivos, pois desnecessária a dilação probatória (Ev. 47 - 1G).

Com contrarrazões (Ev. 54-55 - 1G), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça pelo conhecimento e provimento do apelo (Ev. 7).

Incluído o feito em pauta de julgamento (Ev. 9), sobreveio pedido tempestivo de preferência, inclusive com sustentação oral, o que determinou a redesignação de data para o ato (Ev. 13).

Houve necessidade de readequação da pauta (Ev. 30).

É o relatório.

VOTO

O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido; recebo-o também em seus efeitos legais (arts. 1.012, caput, e 1.013, caput, do CPC).

A controvérsia cinge-se, em primeiro momento, à (im)prescritibilidade da pretensão de indenização por dano moral ambiental coletivo.

O recurso, nesse aspecto, merece provimento.

Como bem delineado pelo Órgão Ministerial em suas razões (Ev. 47 - 1G), assim como pela Procuradoria-Geral de Justiça em seu parecer (Ev. 7), a imprescritibilidade da reparação do dano ambiental há muito encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL ? IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL ? PEDIDO GENÉRICO ? ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ.1.É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia.2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado, dentro da esfera de competência do Juiz Federal.3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena.4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado.5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação.8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ.10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ.11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ, Recurso Especial n. 1.120.117/AC, rela. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 10-11-2009; grifei)

No mesmo sentido, recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 654.833/AC (Tema n. 999 da Repercussão Geral), fixando a tese de que "é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental".

Veja-se, por oportuno, a ementa do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE.1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade.2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo.3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis.4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual.5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais.6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. (STF, Recurso Extraordinário n. 654.833/AC, rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. 20-4-2020; realcei)

E da íntegra do acórdão, destaco tópico específico acerca do assunto em apreço:

O fenômeno da prescrição decorre da inércia do credor em efetivar a pretensão de reparação por algum dano sofrido, em determinado espaço de tempo. Seguindo essa linha, o artigo 189 do...

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