Acórdão Nº 0900656-82.2017.8.24.0036 do Quinta Câmara Criminal, 23-01-2020

Número do processo0900656-82.2017.8.24.0036
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemJaraguá do Sul
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0900656-82.2017.8.24.0036, de Jaraguá do Sul

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS. ACUSADO QUE, NA QUALIDADE DE SÓCIO-ADMINISTRADOR DA EMPRESA, DECLARA ICMS NAS DIME'S, MAS DEIXA DE REPASSAR/RECOLHER, NO PRAZO LEGAL, VALOR DOS TRIBUTOS, DESCONTADO OU COBRADO, COMO SUJEITO PASSIVO DE OBRIGAÇÃO AO ESTADO DE SANTA CATARINA. DOLO CONFIGURADO. CRIME DE NATUREZA FORMAL QUE DISPENSA RESULTADO. FATO TÍPICO CARACTERIZADO.

EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADE FINANCEIRA QUE NÃO AFASTA A EXIGÊNCIA DO TRIBUTO. CULPABILIDADE DO AGENTE CONFIGURADA. EXCEPCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS. ÔNUS QUE COMPETE À DEFESA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO TRIBUTÁRIO ILICITAMENTE RETIDO PELO ACUSADO QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO DE VALOR ÍNFIMO. CONSONÂNCIA COM O PATAMAR ESTABELECIDO NO ARTIGO 5º, INCISO I, DA LEI ESTADUAL N. 12.646/2003 PARA O NÃO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. PRECEDENTES. ADEMAIS, NÃO PREENCHIMENTO DOS VETORES AUTORIZADORES DA APLICAÇÃO DA BAGATELA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0900656-82.2017.8.24.0036, da comarca de Jaraguá do Sul 1ª Vara Criminal em que é Apelante Lauri Borges e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva B. Schaefer, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Norival Acácio Engel.

Compareceu à sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator

RELATÓRIO

Na Comarca de Jaraguá do Sul, o representante do Ministe´rio Pu´blico ofereceu denu´ncia contra Lauri Borges, dando-o como incurso nas sanc¸o~es do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por quatro vezes, nos moldes dos artigos 69 e 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusato´ria, in verbis (fls. 01/02):

"[...]

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'CARGO LIGHT TRANSPORTES LTDA. - ME.', CNPJ n. 07.459.591/0001-09 e Inscrição Estadual n. 25.500.290-4, estabelecida na Rua Bertoldo Hort, n. 111, Bairro Rau, em Jaraguá do Sul, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 15.220,02 (quinze mil duzentos e vinte reais e dois centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de janeiro, fevereiro, março e junho de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 16001148890, de 28/04/2016.

[...]"

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (fls. 81/86):

"[...]

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia e, em consequência CONDENO Lauri Borges, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade no total de 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, em regime aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos na forma da fundamentação, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor individual de 1/30 do salário mínimo.

CONCEDO ao acusado o direito de recorrer em liberdade.

CONDENO o acusado ao pagamento das custas processuais, inclusive as diligências ou conduções do Oficial de Justiça.

[...]"

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio da Defensoria Pública. Em suas razões recursais, requereu a absolvição do apelante por atipicidade da conduta, haja vista que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal, evidenciado-se, tão somente, mera inadimplência fiscal por falta de condições financeiras, o que revela inexigibilidade de conduta diversa e ausência de dolo. Por fim, defendeu a aplicação do princípio da insignificância diante do inexpressivo valor tido por sonegado (fls. 100/111).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 116/123).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinando pelo conhecimento e não provimento do recurso interposto. (fls. 131/141).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se dos recursos e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Lauri Borges, contra a decisão de primeira instância que lhe condenou à pena privativa de liberdade de 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, no regime aberto, a qual foi substituída pela pena de prestação de serviços à comunidade, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90.

Consta da denúncia que o acusado, na condição de sócio administrador da empresa CARGO LIGHT TRANSPORTES LTDA - ME, apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento, no prazo legal, da quantia de R$ 15.220,02 (quinze mil duzentos e vinte reais e dois centavos) referente ao ICMS cobrado de consumidores, nos períodos de "janeiro, fevereiro, março e junho de 2015".

Ao analisar o conjunto probatório constante nos autos, verifica-se que o pleito absolutório não deve prosperar.

A materialidade ficou devidamente demonstrada através da notícia-crime ao Ministério Público (fl. 04), do termo de inscrição em Dívida Ativa (fl. 05/06), dos DIMEs (fls. 07/18), demonstrando a ocorrência do crime contra a ordem tributária.

No que tange à autoria não restam dúvidas, posto que ficaram devidamente comprovadas através do vasto conjunto probatório analisado pelo magistrado singular, ocasionando na sua condenação na sentença de fls. 81/86.

A absolvição é discutida pelo apelante ao sustentar que as provas amealhadas nos autos não foram suficientes em resguardar a sua condenação, posto que ausente qualquer intenção de apropriar-se indevidamente dos recursos destinados ao ICMS, e o fez, tão somente, em razão de severas dificuldades financeiras pelas quais a empresa vinha passando à época dos fatos, configurando a sua conduta mero inadimplemento fiscal diante da patente atipicidade da conduta por ausência de dolo.

Contudo, entendo que tais premissas não devem prosperar haja vista que os elementos de prova demonstraram que sua real intenção foi a de infringir o artigo de lei em comento.

Determina o artigo 2º, da Lei n. 8.137/90:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[...]"

Acerca do tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 e da distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária, leciona Alecio Adão Lovatto:

"O inciso é fundamental na distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária. Se todas as elementares do inciso estiverem presentes, há crime contra a ordem tributária, mas, se nem todas estiverem presentes, o deixar de recolher o tributo caracteriza-se como simples inadimplemento, restrita ao campo tributário. Deflui, pois, como de enorme importância, a distinação.

O verbo nuclear é deixar de recolher. O agente tem a obrigação de recolher e se omite, não efetua o pagamento daquilo que deveria recolher aos cofres públicos. Há a obrigação de agir, expressa pelo verbo recolher, e, apenas dela, o contribuinte omite-se (deixar). O delito é omissivo, diversamente do que ocorre com o crime de apropriação indébita, em que se exige o animus rem sibi habendi, por meio da ação de apropriar-se. Mas, se não exige o dolo correspondente à apropriação indébita, convém, desde logo, ressaltar a presença da elementar cobrado ou descontado, em que se situa a reprovabilidade. Isto se diz para ser evitada a interpretação equivocada que se centraliza na omissão, olvidando a necessidade das demais elementares para caracterizar o delito". (Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. 3.Ed. Rev. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pgs. 124 e 125).

No mesmo sentido, leciona Pedro Roberto Decomain:

"O puro e simples não recolhimento do ICMS pelo contribuinte configura crime previsto pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90? [...]

Numa primeira abordagem, de cunho eminentemente econômico, deixando de parte discussões doutrinárias sobre os tributos conhecidos como diretos e indiretos, e levando em conta apenas o aspecto econômico a partir do qual são conceituadas essas espécies, ou seja, atendendo-se ao fato de que existem tributos cujo ônus é imediatamente repassado pelo contribuinte a terceiro, em contrapartida a outros em que tal não ocorre, e sabendo-se que o ICMS inclui-se na categoria dos indiretos, ou seja, daqueles cujo montante é cobrado pelo contribuinte ao adquirente dos produtos tributados, encontrando-se a incidência...

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