Acórdão Nº 0900659-94.2018.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 16-04-2020

Número do processo0900659-94.2018.8.24.0038
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0900659-94.2018.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DEVIDAMENTE ATENDIDOS. AUSÊNCIA DE QUAISQUER PREJUÍZOS À DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. PARTE DEVEDORA QUE CONTINUA NO CONTROLE DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA. ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO DEMONSTRANDO PLENOS PODERES DE GERÊNCIA PELO ACUSADO. OBSERVÂNCIA DOS ARTIGOS 11, 135 E 137 TODOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

ATIPICIDADE DA CONDUTA. MERO INADIMPLEMENTO FISCAL. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS. ACUSADO QUE, NA QUALIDADE DE SÓCIO-ADMINISTRADOR DA EMPRESA, DECLARA ICMS NAS DIME'S, MAS DEIXA DE REPASSAR/RECOLHER, NO PRAZO LEGAL, VALOR DOS TRIBUTOS, DESCONTADO OU COBRADO, COMO SUJEITO PASSIVO DE OBRIGAÇÃO AO ESTADO DE SANTA CATARINA. DOLO CONFIGURADO. CRIME DE NATUREZA FORMAL QUE DISPENSA RESULTADO. FATO TÍPICO CARACTERIZADO.

INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO II, DO ARTIGO 2º, DA LEI N. 8.137/90 NÃO VERIFICADA. SANÇÕES PREVISTAS NA LEI DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDEM COM PRISÃO CIVIL POR DÍVIDAS. CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL QUE NÃO CONTRAPÕE O ARTIGO 5º, LXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DO STF.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0900659-94.2018.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara Criminal em que é Apelante José Henrique Pirath Filho e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Luiz César Schweitzer, e dele, com voto, participaram a Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e o Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga.

Participou da sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira.

Florianópolis, 16 de abril de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra José Henrique Pirath Filho, dando-o como incurso nas sanções do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 10 (dez) vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (fls. 01/02):

"[...]

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'INDUSTRIAL AGRÍCOLA SUIN LTDA.', CNPJ n. 83.744.938/0001-43 e Inscrição Estadual n. 25.068.062-9, estabelecida na Avenida Santos Dumont, n. 7600, Bairro Aventureiro, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 278.263,54 (duzentos e setenta e oito mil duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho agosto, setembro, outubro e novembro de 2016, documentos integrantes da Dívida Ativa n. 17001488664, de 28/04/2017.

[...]"

Encerrada a instrução, o Juizo a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (fls. 164/176):

"[...]

Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar José Henrique Pirath Filho ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por dez vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas pelo acusado (art. 804 do CPP). Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca)

[...]"

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, pugnou pela: a) inépcia da denúncia por ausência de norma incriminadora, b) absolvição ao defender a atipicidade da conduta por entender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal evidenciando-se, tão somente, mera inadimplência fiscal o que revelaria a ausência de dolo, c) vedação da responsabilidade objetiva, e d) inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 (fls. 186/199).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 203/211).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 220/229).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por José Henrique Pirath Filho, contra a decisão de primeira instância que lhe condenou à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, no regime aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor mínimo legal, a qual foi substituída por um pena restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade, pela prática do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por 10 vezes).

1. Sustenta o recorrente a inépcia da denúncia, porquanto a exordial acusatória, porquanto "não há como denunciar uma omissão (conduta) idônea, lícita e legal, pelo fato de "deixar de recolher o imposto" quando esta conduta esta autorizada por lei, não se amoldando desta forma a norma incriminadora, pelo processo de adequação típica, haja vista a ausência de vontade do agente, pois agiu o recorrido de acordo com os preceitos da lei" (fl. 194/195).

Com efeito, a denúncia e seu recebimento estão vinculados ao preenchimento dos requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal, e a existência de elementos seguros que demonstrem a perpetração do crime e meros indícios da autoria.

No caso em análise, a denúncia trouxe a exposição do ato criminoso, com todas as suas circunstâncias, fulcrada em amplo conjunto de provas indiciárias, a qualificação do acusado, indicando a capitulação do crime, inexistindo, pois, afronta ao artigo 41 do Código de Processo Penal.

O Superior Tribunal de Justiça em recente julgamento se manifestou:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. WRIT NÃO CONHECIDO. [...] 2. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 4. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. 5. No caso em exame, a denúncia narra a existência de bem estruturada organização criminosa composta por 50 acusados, voltada para a prática, em tese, de tráfico de drogas e estelionatos, acumulando elevado patrimônio obtido com as atividades ilícitas, bem como possuindo "alta influência política" e "infiltração no Poder Público" local. Descreve, também, a exposição dos fatos divididos em núcleos, sendo que a paciente teria atuado no subgrupo relacionado à "quadrilha do núcleo de delitos patrimoniais". 6. A inicial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve a conduta atribuída à paciente, bem como indica a existência da prova dos delitos e os indícios suficientes de sua autoria, permitindo-lhe rechaçar os fundamentos acusatórios, não padecendo de inépcia formal. [...] (HC 327.498/RO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 17/08/2017) - Grifou-se.

Logo, devidamente preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, afasta-se a tese suscitada.

2. Consta da denúncia que o acusado, na condição de sócio administrador da empresa INDUSTRIAL AGRÍCOLA SUIN LTDA, apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento,...

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