Acórdão Nº 0900693-17.2018.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Civil, 22-09-2022

Número do processo0900693-17.2018.8.24.0023
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900693-17.2018.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: CASAS BAHIA; EXTRA.COM.BR; PONTOFRIO; PONTOFRIO.COM; PONTOFRIO ATACADO; BARTIRA; ENTRE OUTRAS (RÉU) ADVOGADO: SILVIA ZEIGLER (OAB SP129611) ADVOGADO: ANDRE FERRARINI DE OLIVEIRA PIMENTEL (OAB SP185441) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou a presente "ação civil pública" em desfavor de Via Varejo S/A, administradora das redes varejistas Casas Bahia e Pontofrio, em razão da prática de embutir seguros nas vendas sem autorização e deixando de informar adequadamente os consumidores.

Em síntese, aduziu que os clientes eram induzidos pelos vendedores a assinar documento de contratação dos seguros, sendo que aqueles sequer percebiam que estavam pagando pela referida cobertura.

Dessa forma, requereu, preliminarmente, as seguintes pretensões: i) a imediata suspensão da prática de embutir seguros, produtos ou serviços nas compras realizadas pelos consumidores, salvo quando expressa e previamente autorizados ou solicitados pelo consumidor; ii) a obrigatoriedade de entrega ao consumidor do contrato escrito, com todas as cláusulas, de eventual seguro, produto ou outro serviço contratado que não o produto principal adquirido, devendo nele conter o objeto do contrato, seu valor e prestações separadas dos bens adquiridos, vedando-se a remissão de leitura a elementos que não estejam inseridos no próprio contrato; iii) a confecção e afixação de cartazes, nos locais onde as vendas são fechadas, bem como no caixa, informando ao consumidor que a contratação de qualquer outro serviço é opcional e deve ser formalizada em instrumento por escrito, contemplando todas as cláusulas, entregue ao contratante; iv) que fosse dada à ordem liminar eficácia em âmbito nacional, considerando que a ré utiliza dos mesmos expedientes ilegais em todo o país.

No mérito, requereu a confirmação da liminar e a procedência da ação para fins de: i) condenação genérica à obrigação de indenizar, de forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais ocasionados aos consumidores individualmente considerados, na forma do art. 6º, VI, e arts. 91 e 95, todos do CDC; ii) condenação ao pagamento, a título de reparação pelos danos morais causados à coletividade de consumidores, da quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), em favor do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; iii) obrigação de fazer consistente em fazer publicar, nos jornais Diário Catarinense, A Notícia e Notícias do Dia (jornais de grande circulação estadual), no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da sentença, por quatro vezes, com intervalo de 15 (quinze) dias e em dimensões que possibilitem a fácil identificação e leitura, a parte dispositiva de eventual sentença de procedência para que os consumidores tomem ciência da mesma; iv) fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por dia de descumprimento da decisão que determinar a publicação da sentença de procedência do pedido, a ser revertido ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina. Juntou documentos (evento 1).

A análise do pedido liminar foi postergada para depois da apresentação de defesa pela ré (evento 5).

Citada, a ré apresentou contestação aduzindo, em suma, que as pretensões iniciais do Órgão Ministerial estão embasadas em processos e procedimentos investigatórios antigos, desatualizados com a atual legislação e práticas comerciais, as quais estão sendo cumpridas fielmente.

Ainda, suscitou a preliminar de ausência de interesse de agir e, no mérito, defendeu a ausência de ato ilícito, refutando, assim, os pedidos de indenização a título de danos materiais e morais. Ao final, requereu o indeferimento da medida liminar, acolhimento da preliminar com a extinção do processo sem resolução de mérito, e a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (evento 12).

A tutela de urgência restou indeferida (evento 33), sendo reformada por decisão de agravo de instrumento, a qual concedeu a medida para determinar, no âmbito do Estado de Santa Catarina: i) a imediata suspensão da prática de embutir seguros, produtos ou serviços nas compras realizadas pelos consumidores, salvo quando expressa e previamente autorizados ou solicitados pelo consumidor, na forma da legislação pertinente; ii) quando realizada a compra, a imediata obrigatoriedade de entrega ao consumidor do contrato escrito, com todas as cláusulas, de eventual seguro, produto ou serviço contratado que não o produto principal adquirido, devendo nele conter o objeto do contrato, seu valor específico e prestações separadas dos bens adquiridos; iii) requerido o cancelamento no prazo de 7 (sete) dias pelo consumidor, que seja procedida a devolução do valor integralmente. Ainda, estabeleceu-se multa para caso de descumprimento das medidas, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por ato, limitada ao valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em proveito do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (evento 55).

Houve réplica (evento 42).

Em decisão saneadora, estabeleceu-se que: i) a preliminar se confunde com o mérito, por isso com ele deveria ser analisada; ii) a inspeção judicial restou indeferida, sendo facultada a juntada de outros documentos pela ré; iii) a delimitação da atividade probatória recaiu na comprovação sobre a efetiva inclusão de serviços nas notas fiscais emitidas sem o reconhecimento dos consumidores (evento 56).

A ré apresentou petição e novos documentos (evento 63), sobrevindo a manifestação do Órgão Ministerial (evento 67).

Em seguida, o magistrado a quo prolatou sentença, nos seguintes termos (evento 70):

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra VIA VAREJO S/A para:

a) CONDENAR a parte ré na obrigação de indenizar, da forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais ocasionados aos consumidores individualmente considerados, decorrentes da prática ilegal mencionada nesta ação, conforme determina o art. 6°, inc. VI, e arts. 91 e 95, todos do CDC;

b) CONDENAR a parte ré na obrigação de fazer consistente em fazer publicar, nos jornais Diário Catarinense, A Notícia e Notícias do Dia (jornais de grande circulação estadual), no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da sentença, por quatro vezes, com intervalo de 15 (quinze) dias e em dimensões que possibilitem a fácil identificação e leitura, a parte dispositiva desta sentença de procedência parcial para que os consumidores tomem ciência da mesma, nos termos requeridos à fl. 62, item "6";

c) FIXAR multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por dia de descumprimento da determinação de publicação desta sentença de procedência parcial dos pedidos, a ser revertido ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina.

Arcará a requerida com as custas processuais.

Sem condenação em honorários advocatícios, pois, "na linha dos precedentes desta Corte, o Ministério Público não faz jus ao recebimento de honorários advocatícios sucumbenciais quando vencedor na ação civil pública por ele proposta. Não se justificando, de igual maneira, conceder referidos honorários para outra instituição" (REsp 1358057 / PR, Ministro MOURA RIBEIRO, publicado em 25/06/2018).

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

A ré aduz, preliminarmente, as seguintes preliminares: i) nulidade da sentença por incorreção na parte dispositiva, ofensa ao disposto no art. 489, III, do CPC; ii) nulidade da sentença por ausência de análise sobre a alegação de falta de interesse de agir do Ministério Público; iii) nulidade da sentença por ausência de análise de todas as alegações e provas apresentadas no feito; iv) nulidade da sentença por ausência de fundamentação quanto à obrigação de publicação da parte dispositiva. No mérito, alega: i) ausência de demonstração de ato ilícito; ii) ausência dos requisitos que geram o dever de indenizar; iii) ausência de dano material e moral individual indenizável. Nesse viés, sustenta, em síntese, que: iv) grande parte das reclamações juntadas ao feito pretendiam apenas o cancelamento do seguro adquirido, não havendo menção de que teriam sido vendidos de forma irregular; v) apresentou vias assinadas da maioria dos bilhetes de seguros contratados pelos consumidores reclamantes; vi) atendeu as normas da Susep (Superintendência de Seguros Privados) e da legislação consumerista, uma vez que todas as informações necessárias a respeito da oferta de seguros são repassadas aos seus clientes (evento 78).

Por sua vez, o Órgão Ministerial sustenta, em suma, a necessidade de reforma da sentença no que tange a sua abrangência nacional, a fim de que seus efeitos recaiam sobre todas as lojas mantidas pela ré no território brasileiro. Ainda, requer a fixação de danos morais coletivos, com a condenação da ré ao pagamento da quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), em favor do fundo para Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina (evento 81).

Com as contrarrazões (eventos 90 e 92), os autos ascenderam a esta eg. Corte de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo da ré, e pelo conhecimento e provimento do apelo do Órgão Ministerial (evento 26).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se dos recursos e passa-se ao exame dos seus objetos.

1 RECURSO DA EMPRESA RÉ

1.1 PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA

A ré aduz, preliminarmente, as seguintes questões: i) nulidade da sentença por incorreção na parte dispositiva, ofensa ao disposto no art. 489, III, do CPC; ii) nulidade da sentença por ausência de análise sobre a alegação de falta de...

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