Acórdão Nº 0900726-50.2017.8.24.0020 do Segunda Câmara de Direito Público, 24-11-2020

Número do processo0900726-50.2017.8.24.0020
Data24 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900726-50.2017.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: JOSE OSVALDO DAMIANI (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Tratam-se de apelações cíveis interpostas pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina e por José Osvaldo Damiani em face da sentença proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo primeiro em face do segundo, visando a imposição de recuperação ambiental, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC, para determinar que o réu proceda a recuperação in natura da área degradada, mediante a elaboração e execução de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), por profissional legalmente habilitado, com ART, e devidamente aprovado pelo órgão ambiental competente, no prazo a ser estabelecido em cronograma integrante do referido plano.

Ante a sucumbência recíproca, condeno o réu no pagamento de metade das custas processuais, restando porém a exigibilidade suspensa ante a gratuidade da justiça deferida (art. 98, § 3º, do CPC), ficando o autor dispensado da outra metade nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85. Sem honorários (art. 18 da Lei n. 7.347/85 e art. 128, § 5º, II, a, da CR). Publique-se. Registre-se. Intime-se. Oportunamente, arquive-se" (evento 160).

Em suas razões recursais, o Ministério Público requereu a reforma da sentença a fim de obter a total procedência do pedido inicial. Vale dizer, a "integral recuperação da área degradada, mediante elaboração e execução de projeto de recuperação de área degradada (PRAD), que contemple a reparação da área de preservação permanente existente no imóvel, constatada na Notícia de Infração Penal Ambiental n. 02.03.03.063/09-15 e no Auto de Constatação de fls. 040/2019 e suas mídias, da Polícia Militar Ambiental, no Relatório de Vistoria da FUNDAVE, no Laudo Técnico n. 28/2019/GAM/CAT e Parecer Técnico n. 107/2019/GAM/CAT, do Centro de Apoio Operacional Técnico (fls. 27-42, 105-107, 111-117, 345-371, 438-472 e 496-509), tudo com aprovação do órgão ambiental competente".

Pugnou, ainda, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em favor do Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, sob o fundamento de que a supressão de vegetação nativa na área de preservação permanente (APP) deu ensejo a abalo extrapatrimonial.

Por sua vez, José Osvaldo Damiani requereu a reforma da sentença, alegando que a perícia judicial foi conclusiva no sentido de que não houve a supressão de vegetação nativa, mas sim de espécies exóticas, mais especificamente de árvores de eucalipto.

Afirmou que auto de infração ambiental não faz prova da supressão de vegetação nativa na medida em que desatendeu os requisitos do Decreto n. 6.514/08, especialmente porque deixou de discriminar quais e quantas foram as árvores nativas cortadas.

Ponderou que a condenação à apresentação de plano de recuperação da área degradada (PRAD) não merece subsistir, uma vez que, desde então, a vegetação recompôs-se naturalmente, estando em franco desenvolvimento regenerativo (evento 169).

Com as contrarrazões (eventos 177 e 178), os autos subiram ao Tribunal de Justiça.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Procurador de Justiça Murilo Casemiro Mattos, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público e pelo desprovimento do recurso do réu (evento 8).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é pelo parcial provimento do apelo do Ministério Público e pelo desprovimento da apelação do réu.

2. Apelação cível do Ministério Público:

2.1 Da supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente (APP):

A Constituição da República estabeleceu em seu art. 225, caput e § 3º, que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações", sendo que "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Por sua vez, o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 dispõe que "Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores".

E acerca da área de preservação permanente (APP), o art. 4º, inc. I, alínea "a", do Código Florestal prevê que: "Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas", "as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;".

Na espécie, o Ministério Público imputou ao réu a supressão de vegetação nativa em 2 (duas) áreas dentro de sua propriedade. Com relação à fração fora de APP, o pedido foi julgado procedente. No tocante à área dentro de APP, o pedido foi rejeitado. Daí a insurgência do Parquet neste ponto.

Para a melhor compreensão do feito e da solução a ser dada ao litígio, indispensável pontuar-se de modo didático os elementos de prova coligidos aos autos.

Primeiro. O Inquérito Civil foi instruído com o Auto de Infração e Relatório de Fiscalização lavrados pelo 2º Pelotão de Polícia Militar Ambiental e deles consta o seguinte:

"[...] No dia 31 de julho de 2015, em uma fiscalização ambiental de rotina, no Município de Nova Veneza, quando em deslocamento pela Rodovia José Spillere, a Guarnição observou a destruição de vegetação nativa às margens da referida Rodovia, na localidade conhecida como Picadão, nas coordenadas UTM 22J 647832 - 6829710. In loco, a Guarnição realizou vistoria mesmo sem encontrar pessoas na área naquele momento. Pode-se observar que a vegetação destruída se tratava de vegetação nativa secundária em estágio médio de regeneração, a qual também foi destruída às margens de um curso d'água. O art. 4º do Código Florestal, Lei Federal n. 12.651/2012, prevê como APP prevê uma distância de 30 metros para cursos d'água com largura de menos de 10 metros. Entre as árvores derrubadas foi possível observar a presença de Palmiteiros (Palmeira Jussara, espécie ameaçada de extinção), Pau-jacaré, Capororocas, Canela, Embaúba, entre outras, todas legítimas representantes da flora nativa brasileira. Foi percorrida a área para a obtenção de coordenadas UTM através do receptor de GPS, marca Garmin, modelo GPSmap 62sc, que foram plotadas a fim de se obter sua extensão, chegando a uma área de 6714m² (seis mil, setecentos e quatorze metros quadrados) referente à área onde houve a destruição de vegetação em área considerada de preservação permanente (margens de curso d'água) e a uma área de 8259m² (oito mil, duzentos e cinquenta e nove metros quadrados) referente ao restante da área, totalizando assim uma área de 14973m² (quatorze mil, novecentos e setenta e três metros quadrados), conforme se ilustra no Levantamento de Figuras Digitalizadas, que segue em anexo. Após diligências em propriedade vizinhas na tentativa de se obter informações sobre o proprietário da terra, chegou-se ao nome do sr. José Osvaldo Damiani, que por sua vez foi contatado e marcado uma visita ao local. Assim, no dia 2 de setembro do corrente ano, acompanhada do sr. José Osvaldo Damiani, a Guarnição visitou o local mais uma vez onde questionou o sr. José se aquela área era de sua propriedade, sendo que o mesmo respondeu que sim, perguntado sobre licença ou autorização para o corte de vegetação, o sr. José alegou não possuir qualquer licença ou autorização. Apenas declarou que no local havia uma antiga plantação de eucaliptos, mas que também havia vegetação nativa e que o corte da vegetação se deu no intuito de transformar aquela área em pastagem para criação de gado bovino e construção de sua residência. [...]" (evento 1, docs. INF13 e INF14 - grifou-se).

E neste ensejo foram embargadas 2 (duas) áreas, uma com 6.714m², em virtude da supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente (APP) qualificada pela existência de curso d'água; a outra com 8.259m², em razão da supressão de vegetação nativa (evento 1, doc. INF17).

Segundo. Do Inquérito Civil também consta Relatório de Vistoria da Fundação do Meio Ambiente do Município de Nova Veneza, confeccionado a pedido do Parquet.

Extrai-se do documento que no dia 26.08.2016 uma equipe formada por biológo, engenheiro agronômo e engenheiro ambiental procederam à vistoria da propriedade focalizada, constatando que "toda área sofreu supressão (corte raso) da vegetação, restando apenas algumas espécies arbóreas nativas (embaúbas, caneleiras, etc.) e exóticas (eucapliptos), que "no local ainda há vestígios (troncos, galhadas e tocos) resultado do processo de corte raso da vegetação" e que "o curso d'água é estreito, provavelmente perene, não apresentando mais de 1 metro de largura e sua faixa ciliar (APP) foi toda degradada" (evento 1, doc. INF95 - grifou-se), cumprindo ressaltar que ele tem 330 (trezentos e trinta) metros de extensão, dos quais 115 (cento e quinze) metros perpassan a área degradada (evento 1, doc. INF96).

Terceiro. Com a contestação, o réu juntou Parecer Técnico elaborado por geóloga, do...

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