Acórdão Nº 0900746-37.2014.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 16-12-2021

Número do processo0900746-37.2014.8.24.0023
Data16 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0900746-37.2014.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: BROGNOLI IMOVEIS LTDA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença proferida na Comarca da Capital, da lavra do Magistrado Luis Francisco Delpizzo Miranda, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em desfavor de Brognoli Imóveis Ltda., alegando prática abusiva por parte da imobiliária ré em condicionar a avença dos seus contratos de locação, quando a modalidade de garantia escolhida for seguro fiança locatícia, à contratação obrigatória com corretor e seguradora por ela previamente indicados.

Discorreu que, durante o procedimento administrativo que precedeu esta ação, oportunizou o firmamento de Termo de Ajustamento de Conduta, com vistas a proteger os consumidores expostos a prática abusiva, contudo, houve recusa por parte da ré.

Requereu, em sede de liminar, a suspensão das cláusulas XI, XXIV e XXVI dos contratos de locação utilizados, bem como a obrigação de não fazer consistente na abstenção de inserir em seus contratos estipulações consideradas abusivas pelo poder judiciário na presente ação, e ao final, a confirmação da antecipação de tutela com a declaração de nulidade das cláusulas acima descritas.

A inicial foi indeferida por motivo de ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público. O autor apelou e seu recurso foi provido para cassar a sentença, determinando-se o prosseguimento do feito.

Foi designada audiência de conciliação, a qual restou inexitosa.

Em contestação a ré sustentou, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para intervir em relações de direitos disponíveis, ilegitimidade passiva por ser apenas a administradora/mandatária e não parte no contrato de locação. No mérito, postulou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento e pugnou pela improcedência da demanda.

Em réplica o autor rebateu as teses de defesa e ratificou o requerimento de procedência.

Acresço que o Juiz a quo julgou procedentes os pleitos exordiais, entendendo que obrigar o consumidor a contratar seguro fiança com seguradora por si indicada resulta em venda casada, conforme parte dispositiva que segue:

Face o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra Brognoli Imóveis Ltda. para, em consequência, declarar a nulidade das cláusulas XI, XXIV e XXVI dos contratos de locação padrão utilizados pela demandada, determinando-se ainda, que esta possibilite ao locatário a escolha de seguradora de sua preferência, de acordo com a cobertura exigida pelo locador, sob pena multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada ato de descumprimento.

Custas pela ré, sem honorários. P.R.I.

Após, arquive-se.

Inconformada, Brognoli Imóveis Ltda. apela, sustentando que: a) houve cerceamento de defesa, pois "pretendia pleitear a produção de prova testemunhal, para a oitiva de locadores, de especialistas e representantes de entidades de classe do mercado imobiliário"; b) o Ministério Público é parte ilegítima para figurar no polo ativo, pois "o entendimento firmado pelo STJ é de que o Ministério Público só é legitimado a tutelar direitos individuais homogêneos quando tais direitos tiverem repercussão no interesse público"; c) o Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos contratos de locações; d) é parte ilegítima para permanecer no polo passivo, haja vista que "o direito aqui versado não atinge os interesses e patrimônio da Apelante e sim de seus mandantes - os locadores"; e) ademais, a prática da imobiliária se dá em exercício de mandato outorgado pelos locatários; f) os consumidores da imobiliária são os locadores, que a contratam justamente para que realize este serviço de seguros, escolha de inquilino, etc.; g) "ao impedir que a Apelante indique uma boa seguradora àquele que lhe contrata para tanto, está se impedindo o locador de exercer a faculdade de escolha quanto a uma garantia sua, que visa a assegurar unicamente o seu patrimônio"; h) no acórdão em que se reconheceu a legitimidade do Órgão Ministerial para o manejo da lide, não se apontou aplicabilidade da Norma Protetiva a despeito da Lei do Inquilinato - logo, não se pode negar vigência à Lei n. 8.245/91, que afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor; i) quanto ao seguro fiança, os arts. 37 e 40 da Lei do Inquilinato dispõem que cabe ao locador escolher a forma de garantia; j) assim, "ninguém é obrigado a locar determinado imóvel e nem a aceitar as exigências do locador ou da imobiliária quanto ao prazo, preço e tipo de garantia. Mas, quando o inquilino aceita as condições e assim contrata, nos termos da Lei do Inquilinato, tem o dever de cumprir e manter a garantia que foi oferecida, sem qualquer alteração, nos termos dos artigos 37 e 40 da Lei do Inquilinato, Lei 8.245/91"; k) logo, cabe ao locador a escolha da seguradora que melhor atenda aos seus interesses, mormente porque ele é o consumidor do contrato de seguro; l) também em relação ao seguro incêndio, quem contrata (e é o consumidor) é o locador, por força do art. 22, VIII, da Lei do Inquilinato; m) "a única restrição quanto às garantias impostas ao locador é a de não exigir mais de uma modalidade. Fora isso, o locador está livre para impor as condições que entender mais adequadas à sua segurança jurídica"; n) o valor orçado pela inquilina, que dera origem ao inquérito civil, somente fora menor porque a cobertura securitária também era menor; o) a Súmula 473 do Superior Tribunal de Justiça somente se aplica ao contrato de mútuo do SFH, mormente por que o mutuário é o próprio beneficiário do seguro nesse caso. Em arremate, tenciona o conhecimento e provimento do reclamo (EVENTO 67).

Ato contínuo, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença (EVENTO 71).

Lavrou parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Walkyria Ruicir Danielski, alvitrando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (EVENTO 77).

VOTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, sobretudo a tempestividade e o preparo, viável o processamento do reclamo.

1. Do recurso

1.1. Cerceamento de defesa

De antemão, a imobiliária requerida alega que houve cerceamento de defesa, porquanto a ação civil pública foi julgada antecipadamente, sem a oitiva de testemunhas.

A proemial, contudo, não comporta acolhimento

Com efeito, é cediço que ao Magistrado cabe a liberdade para determinar a produção probatória que achar conveniente. Compete-lhe apreciar e valorar objetivamente os elementos de prova e, à luz do princípio do livre convencimento motivado, também conhecido como princípio da persuasão racional, formar o seu entendimento.

Neste contexto, dispõe o art. 370 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Desta forma, pode o Togado indeferir dada diligência por entender ser inútil ou protelatória, sob pena de alongar-se a demanda para produção probatória desnecessária.

Assim, "o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento" (art. 371 do Código de Processo Civil).

E, além disso, poderá julgar antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando entender não haver necessidade de produção de outras provas (art. 355, I, do Código de Processo Civil).

Sobre o tema, colhe-se da doutrina:

Não havendo necessidade de se produzirem provas, o juiz deve proferir sentença desde logo. Nesse diapasão, recorde-se que "O simples requerimento de provas não torna imperativo o seu conhecimento, sendo certo que o juiz pode, diante do cenário dos autos dispensá-las, se evidenciada a desnecessidade de sua produção" (STJ, REsp 50.020-PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Em outros termos, inocorre cerceamento de defesa se não atendido pedido expresso de produção de prova (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 459).

O entendimento deste Tribunal não discrepa:

No momento em que o Magistrado constatar que a prova documental acostada aos autos é suficiente para motivar o seu convencimento, sentindo-se apto a oferecer a tutela jurisdicional, deve julgar o feito, sem que isso configure cerceamento de defesa, na exata medida em que o mérito envolve questão de fato e de direito que independem da produção de provas em audiência (TJSC, Apelação Cível n. 2010.074190-1, de Blumenau, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 07-11-2013).

In casu, a recorrente alega que pretendia ouvir locadores, especialistas e representantes de classe do mercado imobiliário.

Com a prova oral, buscava demonstrar que a prática comercial ora impugnada pode ser, em alguns casos, benéfica ao locatário. Ainda, expor "que, havendo outros orçamentos, a Apelante consegue intermediar a cobertura deste menor" e "que no caso que motivou o inquérito, o orçamento da inquilina era menor porque as coberturas eram menores" (EVENTO 67, fl. 352).

Apesar das ilações da imobiliária, a questão de fundo sub judice é matéria exclusivamente de direito, pois o ponto nodal está em saber, tão somente, se condicionar a pactuação ou renovação de contrato de aluguel à contratação de seguros (fiança e caução) com seguradora e corretora específica caracteriza abusividade.

Neste particular, embora a imobiliária defenda que a oitiva das testemunhas poderia, hipoteticamente, influir na tomada de decisão do Sentenciante, aludido ato processual, no caso, apenas retardaria a conclusão do feito, desencontrando a celeridade...

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