Acórdão Nº 0900912-45.2018.8.24.0018 do Quarta Câmara Criminal, 07-07-2022

Número do processo0900912-45.2018.8.24.0018
Data07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0900912-45.2018.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

APELANTE: PEDRO FELIPE GIRARDI (ACUSADO) APELANTE: JEAN PIERRE GIRARDI (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó (2ª Vara Criminal), o Ministério Público denunciou Jean Pierre Girardi e Pedro Felipe Girardi como incursos nas sanções do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por três vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória (Evento 5):

O ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, o que obriga que sejam escrituradas em documentos e livros próprios todas as suas entradas e saídas no estabelecimento do contribuinte, a qualquer título.

Assim, deve o contribuinte remeter à repartição fazendária de seu domicílio uma via da GIA (Guia de Informação e Apuração do ICMS), na qual, a partir do movimento econômico, informa o saldo apurado em cada período e procede ao recolhimento do imposto entre o 10º e o 20º (variável) dia do mês seguinte que ocorreram os fatos geradores. Destarte, a consumação deste delito ocorre no dia seguinte àquele em que o ICMS deveria ter sido recolhido ao Estado.

Nesta linha, na empresa M.G. Materiais de Construção Ltda., CNPJ n. 80.444.748/0001-12 e Inscrição Estadual n. 25.163.216-4, com sede na Rua Minas Gerais, n. 399-E, Centro, CEP 89801-015, nesta cidade e Comarca de Chapecó/SC, na época dos fatos administrada sob conjugação de esforços e unidade de desígnios pelos denunciados Pedro Felipe Girardi e Jean Pierre Girardi, conforme expressamente previsto na Cláusula 16ª da 17ª Alteração Contratual Consolidada e usufruindo dos poderes a eles conferidos pelo respectivo contrato social, escrituraram em documentos e em livro de apuração o tributo incidente sobre as operações tributáveis que realizaram nos meses de agosto e setembro de 2015 e janeiro de 2016 de acordo com os demonstrativos de cálculo dos Termos de Inscrição em Dívida Ativa ns. 17001393108 e 16002624202, emitidos em 26.04.2017 e 30.08.2016, respectivamente.

Entretanto, apesar de devidamente escriturado, os sócios administradores denunciados não realizaram e nem determinaram o pagamento do tributo no vencimento, e na qualidade de sujeitos passivos da obrigação tributária deixaram de efetuar, no prazo legal, o recolhimento do ICMS relativo às operações tributáveis que descontaram ou cobraram dos destinatários e dos consumidores finais das mercadorias comercializadas e colocadas em circulação e dos tomadores da prestação de serviços de transporte, correspondente ao valor escriturado, apurado e declarado pelo próprio contribuinte no Livro de Registro de Apuração do ICMS e declarado na Guia de Informação e Apuração do ICMS e/ou DIME - Declaração do ICMS e do Movimento Econômico.

Ademais, qualquer vantagem obtida pela respectiva empresa beneficia em especial e diretamente os denunciados Pedro Felipe Girardi e Jean Pierre Girardi, pois à época dos fatos que originaram os Termos de Inscrição em Dívida Ativa ns. 17001393108 e 16002624202, eram eles que exerciam o mister de administrá-la, com ciência e controle das transações e negócios realizados, inclusive obtendo lucro ou minimizando prejuízos com o não recolhimento do tributo devido. Na qualidade de sócios e administradores, eram os denunciados que mantinham o domínio do fato sobre as operações comerciais e empresariais, sendo os responsáveis pela regularidade das escriturações fiscais daquela pessoa jurídica, que assim atuavam na condição de garantidores em relação à conduta de seus funcionários, contadores e prepostos, além de serem os responsáveis pela apuração e recolhimento do ICMS devido.

Oportuno consignar ainda que, mediante dolo e ardil, os denunciados Pedro Felipe Girardi e Jean Pierre Girardi não adimpliram a obrigação tributária e deixaram de recolher o valor do imposto descontado ou cobrado e correspondente à circulação mercantil e aos serviços de transporte rodoviário efetuados pela referida empresa e assim lesaram os cofres do Estado. O débito decorrente dos Termos de Inscrição em Dívida Ativa ns. 17001393108 e 16002624202 têm o valor histórico de R$ 39.514,82 (trinta e nove mil, quinhentos e quatorze reais e oitenta e dois centavos), cujo valor atualizado, e descontados os valores pagos nos parcelamentos cancelados, alcança o montante de R$ 44.086,54 (quarenta e quatro mil e oitenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), atualmente inscrito em "dívidas ativas", não quitadas ou parceladas.

Recebida a denúncia em 19.12.2018 (Evento 7) e regularmente instruído o feito, foi prolatada sentença -- publicada em 17.06.2021 --, nos seguintes termos (Evento 84):

Ante os fatos e fundamentos expostos, ACOLHO a pretensão punitiva Estatal para, em consequência:

a) CONDENAR o acusado JEAN PIERRE GIRARDI, qualificado nos autos, à pena de 8 (oito) meses e 12 (doze) dias de detenção, em regime aberto, mais o pagamento de 13 (trezes) dias-multa, no valor mínimo legal, reprimenda esta que SUBSTITUO por uma pena restritiva de direitos, nos termos da fundamentação, bem como ao pagamento de reparação de danos, nos termos da fundamentação, por infração ao disposto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 c/c o art. 71 do Código Penal.

b) CONDENAR o acusado PEDRO FELIPE GIRARDI, qualificado nos autos, à pena de 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de detenção, em regime aberto, mais o pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor mínimo legal, reprimenda esta que SUBSTITUO por uma pena restritiva de direitos, nos termos da fundamentação, bem como ao pagamento de reparação de danos, nos termos da fundamentação, por infração ao disposto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 c/c o art. 71 do Código Penal.

Condeno, ainda, os acusados ao pagamento das custas processuais, pro rata, que deverão ser adimplidas no prazo de 10 (dez) dias, constatada a imutabilidade da sentença.

Inconformados, os acusados apelaram de próprio punho e por seu defensor constituído (Eventos 96 e 97). Nas razões, o causídico pugna pela absolvição dos réus, arguindo, para tanto, a ausência de dolo em suas condutas e a inexigibilidade de conduta diversa ante as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa. Subsidiariamente, almeja o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea para o apelante Jean e sua compensação com a agravante da reincidência. Por fim, pretende a concessão de Justiça Gratuita (Evento 102).

Contra-arrazoado o recurso (Evento 108), os autos ascenderam a esta Corte, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, opinou pelo seu conhecimento e desprovimento (Evento 10, PROMOÇÃO1).

VOTO

Cuida-se de apelação criminal interposta pelos réus -- Jean Pierre Girardi e Pedro Felipe Girardi -- contra sentença que condenou o primeiro à pena de 8 (oito) meses e 12 (doze) dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída por 1 (uma) restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal; e o segundo à reprimenda de 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída por 1 (uma) restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, ambos por infração ao art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por três vezes, na forma do art. 71 do Código Penal.

Insurge-se a defesa em busca da absolvição dos apelantes, reconhecimento da atenuante da confissão espontânea para o acusado Jean e sua compensação com a agravante da reincidência, e, ainda, concessão de Justiça Gratuita.

Presentes em parte os pressupostos de admissibilidade, conforme se verá no momento oportuno, o apelo há de ser parcialmente conhecido e, inexistentes preliminares a serem debatidas, nem mesmo de ofício, passo à análise do mérito.

No mais, não recaindo impugnação específica sobre a materialidade e autoria delitivas, avanço direto aos pontos de discordância vertidos neste recurso.

1 Da pretendida absolvição

Os apelantes foram denunciados e condenados pelo delito tipificado no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, que assim dispõe:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...] II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Segundo consta dos autos, os acusados, na condição de sócios-administradores da empresa M.G. Materiais de Construção Ltda., deixaram de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 18.536,45 (dezoito mil, quinhentos e trinta e seis reais e quarenta e cinco centavos), referente à Inscrição em Dívida Ativa n. 17001393108 (Evento 1, INF4); e de R$ 11.034,10 (onze mil, trinta e quatro reais e dez centavos, referente à Inscrição em Dívida Ativa n. 16002624202 (Evento 1, INF44) -- valores este sem qualquer correção --, a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, de modo a se locupletarem ilicitamente e gerarem prejuízo ao Fisco Estadual.

Embora não se desconheça a existência de entendimento diverso sobre o assunto, compartilha-se da corrente, dominante neste Tribunal de Justiça, de que todo o ICMS declarado pelos contribuintes foi efetivamente cobrado e recebido do consumidor final (contribuinte de fato), cabendo aos recorrentes (contribuinte de direito) apenas o repasse do valor ao Fisco, o que não foi feito.

Logo, referida conduta se alinha ao tipo previsto no inciso II do art. 2º da Lei 8.127/90, uma vez que, constituído o débito fiscal, os...

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